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Ex-presidente sul-africano enfrenta um nebuloso processo de corrupção

Jacob Zuma foi acusado de presidir um vasto esquema de corrupção e patronato. Uma espécie de Lava Jato local

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Jacob Zuma, ex-presidente da África do Sul, fará uma aparição sem precedentes numa investigação judicial para um interrogatório de cinco dias sobre alegações de corrupção relacionadas a seus anos no poder.

Zuma foi acusado de presidir um vasto esquema de corrupção e patronato que drenou bilhões do Tesouro e prejudicou a reputação do partido governante, o Congresso Nacional Africano, sem possibilidade de reparo.

Mas há temores de que o político veterano use as audiências como uma plataforma para atacar seu sucessor, Cyril Ramaphosa, que derrubou Zuma no ano passado, agravando a amarga luta entre facções do partido. Embora Ramaphosa tenha levado o CNA a uma convincente vitória eleitoral em maio, o magnata de 66 anos e ex-ativista trabalhista até agora não conseguiu afirmar sua autoridade no partido, e observadores dizem que ele parece cada vez mais fraco.

“Ramaphosa entrou em uma hora muito sombria e seus defensores são poucos e distantes”, escreveu o comentarista Adriaan Basson pouco depois de o presidente ter feito o discurso tradicional sobre o estado da nação.

Um quarto de século após o fim do sistema do apartheid, a África do Sul continua a ser uma das sociedades mais desiguais do mundo, com desemprego crescente, uma economia frágil e altos níveis de crimes violentos.

Recentemente, os ministros anunciaram que tropas seriam enviadas a bairros pobres próximos à Cidade do Cabo, no oeste do país, após uma onda de assassinatos cometidos por bandos criminosos. No início deste ano, o país sofreu cortes de eletricidade prolongados.

O inquérito, liderado por Raymond Zondo, um juiz veterano, tem a missão de investigar as alegações de “captura do Estado” (corrupção política em que interesses privados influenciam os processos decisórios de um Estado) na África do Sul durante o governo de nove anos de Zuma. Ele foi criado depois de um relatório de um fiscal que descobriu claras evidências de contato inadequado entre três ricos irmãos empresários – os Gupta – e altos funcionários do governo.

O relatório, que não chegou a denunciar comportamentos criminosos, pediu uma investigação sobre se Zuma, alguns integrantes de seu gabinete e de empresas estatais agiram de forma inadequada. Entre os casos que analisou, havia uma denúncia do então vice-ministro das Finanças de que os Gupta se ofereceram para garantir o cargo de seu chefe, além de alegações de que Zuma direcionou as empresas estatais para conceder contratos em licitações aos Gupta. Zuma afirmou que os três irmãos – Atul, Ajay e Rajesh Gupta – são seus amigos, mas nega qualquer tráfico de influência em seu relacionamento.

O inquérito ouviu uma série de denúncias mais graves de testemunhas nos últimos meses, descrevendo o suborno sistemático de autoridades por empresas em busca de favores.

Mas a audiência poderá dar a Zuma uma plataforma para reunir apoiadores, ou até mesmo atacar seu sucessor. Ramaphosa, que serviu como vice-presidente de Zuma, disse ao The Guardian no ano passado que estava preparado para comparecer perante o inquérito para explicar suas ações durante o que descreveu como “um período muito sombrio de nossa história recente”.

Um quarto de século após o apartheid, o país de Mandela continua extremante desigual e violento

“A questão foi levantada: ‘Você estava lá, era o vice-presidente, e muitas dessas coisas aconteceram debaixo do seu nariz. Você sabia?’”, disse Ramaphosa em uma entrevista. “Com o tempo, acho que vou ter de comparecer para responder a certas coisas. (…) Então darei uma explicação sobre o que eu sabia, o que eu não sabia e tudo o mais.” Ele nunca foi acusado de qualquer delito pessoal.

Busisiwe Mkhwebane, um fiscal estadual independente contra a corrupção, afirmou que o ministro das Empresas Públicas, Pravin Gordhan, aliado próximo de Ramaphosa, abusou de seus poderes durante um período como ministro das Finanças. Gordhan negou a acusação, vista como um ataque indireto ao presidente.

“Ramaphosa está entre uma rocha e um lugar difícil. Se ele não defender Gordhan, sua credibilidade política será seriamente prejudicada. Mas, quanto mais ele defender Gordhan, menos poderá fazer um acordo viável dentro do CNA”, disse o escritor e analista Ralph Mathekga.

Mkhwebane também iniciou uma investigação sobre Ramaphosa depois de denúncias de que seu fundo de campanha presidencial pode ter recebido doação de uma empresa que está envolvida na investigação de captura do Estado.

O CNA é dividido entre reformistas que apoiam a campanha anticorrupção de Ramaphosa e defendem políticas mais favoráveis às empresas, e outros, frequentemente leais a Zuma, que pedem medidas mais radicais para redistribuir a riqueza.

Zuma ainda tem influência no partido

Zuma nomeou legalistas para centenas de altos cargos na polícia, serviços de imposto de renda, agências de inteligência e outros cargos públicos elevados.

Os aliados dizem que Ramaphosa é um pragmático que não quer dividir o CNA, mas há uma crescente frustração pelo ritmo lento da reforma. “É tudo uma questão de compromisso com Ramaphosa, mas a necessidade de mudanças é tão urgente na África do Sul que precisamos de ação firme e rápida”, disse Mathekga.

A incerteza constante e a falta de medidas claras para estimular o crescimento afetaram o investimento.

“Ramaphosa precisa ter nas mãos as alavancas do poder e os altos comandos da economia. Ele ainda joga como o Senhor Bonzinho e está frustrado em produzir a reforma necessária (…) que pode exigir uma abordagem mais disruptiva”, disse Dominic Armstrong, executivo-chefe do grupo de investimentos Horatius Fund.

Zuma enfrenta uma investigação separada de corrupção a envolver 16 acusações de fraude, extorsão e lavagem de dinheiro, relacionadas a um acordo para a compra de equipamento militar europeu para modernizar as Forças Armadas da África do Sul em 1994. Ele nega as acusações. As audiências dessa investigação foram transmitidas ao vivo e atraíram um grande número de espectadores.

Não está claro se Zuma vai cooperar nas audiências, mas seu advogado, Dan Mantsha, disse na tevê que seu cliente “desfruta do momento”.

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