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Espiões israelenses questionam operações de assassinato disfarçadas

Diretor rejeita acusação de que o documentário indicado ao Oscar sobre serviços secretos é tendencioso

Yaakov Peri, chefe do Shin Bet entre 1988 e 1994, em cena do documentário. Foto: Divulgação / Sony Pictures
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Por Harriet Sherwood, em Jerusalém

Quando Dror Moreh terminou de filmar mais de 70 horas de entrevistas com seis antigos chefes da sombria agência de serviço secreto israelense, Shin Bet, o diretor sabia que tinha “dinamite nas mãos”.

O resultado, The Gatekeepers [literalmente, Os guardiões do portão], um documentário de 97 minutos que acaba de estrear no Reino Unido, é realmente explosivo. O filme indicado ao Oscar teve plateias lotadas em Israel, muitas das quais saíram surpresas com o que haviam visto e escutado.

“Eu pensei que se conseguisse que todos [os seis] falassem abertamente sobre sua experiência no conflito israelense-palestino, criaria uma onda de choque”, disse Moreh ao Observer. “Eu tinha razão — criou uma enorme tempestade.”

As lembranças e reflexões dos antigos chefes tecem uma narrativa absorvente das atividades do Shin Bet nos 46 anos de ocupação por Israel da Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental. Mas o golpe maior vem de suas conclusões. “Estamos tornando a vida insuportável”, diz Carmi Gillon; “Nós nos tornamos cruéis”, diz Avraham Shalom; “Você não pode fazer a paz usando meios militares”, diz Avi Dichter; “Nós ganhamos todas as batalhas, mas perdemos a guerra”, diz Ami Ayalon.

“Fiquei surpreso com o grau em que eles pensam dessa maneira”, disse Moreh. “Todos estão dizendo: basta de ocupação. Eles não dizem que é fácil chegar a uma solução, mas todos dizem que é do melhor interesse de Israel tentar isso.”

É a primeira vez que os seis homens, que dirigiram as operações de inteligência de Israel nos territórios palestinos durante quase 30 anos, deram entrevistas em profundidade. Grande parte da potência do filme vem de seus depoimentos acumulados; “a força dos seis é maior que a força de um”, como diz Moreh.

O filme começa com gravações, supostamente feitas de um avião militar ou teleguiado israelense, de um assassinato dirigido. Um veículo palestino é rastreado antes de ser destruído em uma explosão. A questão urgente, diz Yuval Diskin, é “fazer ou não fazer. Não fazer parece mais fácil, mas muitas vezes é mais difícil”.

Mais tarde o filme disseca o assassinato de Yahya Ayyash, o fabricante de bombas do Hamas conhecido como o Engenheiro, que esteve por trás de diversos atentados suicidas no início dos anos 1990, por explosivos detonados remotamente ocultos em um telefone celular, enquanto o militante falava com seu pai idoso. Os chefes de segurança também discutem dilemas sobre aprovar operações que podem resultar na morte de familiares ou pedestres inocentes.

Às vezes, diz Diskin, “é uma operação superlimpa. Ninguém se fere exceto os terroristas. Mesmo então, mais tarde, a vida para — à noite, de dia, quando você está se barbeando, todos temos nossos momentos, nas férias. Você diz: ‘Está bem, eu tomei uma decisão e um número X de pessoas foram mortas. Elas estavam definitivamente prestes a lançar um grande ataque, ninguém perto delas foi ferido, foi o mais esterilizado possível’. Mas você ainda diz: ‘Há algo inatural nisso’. O que é inatural é o poder que você tem… de tirar suas vidas em um instante.”

Sobre gravações originais e sequências geradas em computador, os antigos espiões-chefes descrevem métodos de controle da população palestina, obtenção de informações, técnicas de interrogatório e o extremismo judeu. O assassinato do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin por um atirador judeu contrário ao processo de paz é lembrado como uma grande crise para o Shin Bet. Gillon, que era o chefe do serviço de segurança na época, descreve que conseguiu aceitar o fracasso da agência em proteger o líder político do país. Ele ofereceu sua renúncia depois de consultar sua mulher. Ela apenas “tenta me manter vivo”, ele diz.

Outra crise, o sequestro do “Ônibus 300” em 1984, terminou com dois militantes palestinos espancados até a morte sob custódia do Shin Bet. Shalom, que estava no comando na época, inicialmente reluta em discutir o caso, dizendo que não lembra dos detalhes do episódio que acabou obrigando-o a se demitir.

Depois, de maneira fria, diz: “Eles estavam quase mortos. Então eu disse: ‘Bata neles de novo e acabe com isso’. Eu acho que ele pegou uma pedra e bateu em suas cabeças”. Ele admite que foi “um linchamento”, mas acrescenta: “Na guerra contra o terrorismo, esqueçam a moral”.

Perguntado sobre como convenceu os seis a participar do filme, Moreh disse que não lhes contou antecipadamente qual seria a mensagem “porque eu não sabia qual seria. Eu apenas disse que queria contar o conflito israelense-palestino do ponto de vista das pessoas que têm experiência na tomada de decisões. Ninguém poderia dizer que eles não sabem do que estão falando. E acho que eles entenderam por que sua posição, como chefes do Shin Bet, é importante”.

Não há narração no filme, apenas as vozes dos seis homens com ocasionais perguntas de Moreh. “Eu vim para escutá-los, e estava muito interessado no que eles tinham a me dizer. Era muito importante para mim escutar e apenas navegar por essas longas conversas.”

Houve muitas entrevistas que duraram de quatro a cinco horas, e a maioria se realizou na casa deles — “em seu ambiente, nos lugares onde eles se sentem mais seguros, para fazê-los sentir-se à vontade e permitir que se abrissem”. Eles não foram ingênuos, diz Moreh. “Compreendem o poder da língua, o poder da linguagem, porque usaram isso suas vidas inteiras.”

Depois que o filme estreou em Israel, Moreh foi acusado de editar o material de maneira seletiva. Moshe Ya’alon, hoje ministro da Defesa de Israel, disse à Rádio do Exército: “O que foi apresentado lá foi feito de uma maneira realmente unilateral, e portanto o filme é tendencioso. [Moreh] pegou trechos de longas entrevistas e apresentou os trechos que serviam à sua narrativa”.

Moreh, que descreveu sua posição política pessoal como de centro-esquerda, “mas mais centro que esquerda”, rejeitou a alegação. “Uma das coisas mais importantes era não tirar suas palavras de contexto, não distorcer o que eles tinham a dizer sobre questões tão delicadas. E desde a primeira projeção do filme nenhum dos seis disse que ele distorceu o que tinham a dizer. Para alguns foi muito duro. Mas os seis apoiam firmemente a mensagem do filme.”

No entanto, eles deveriam ter levantado suas vozes mais cedo, quando ainda estavam em posição de influenciar a política? “Eles são profissionais, têm o dever de proteger Israel. Não são políticos eleitos, mas autoridades nomeadas. Como tais, não podem criticar as [decisões] políticas em uma sociedade democrática. Os que são funcionários públicos, quando acham que não devem fazer alguma coisa, devem se demitir. É isso que responderam quando lhes perguntei por que não disseram na época o que estão dizendo hoje.”

Desde que se retiraram de seus cargos, três dos seis entraram na política como membros do Parlamento israelense. Ami Ayalon representou o Partido Trabalhista de 2006 a 2009, Avi Dichter o partido de centro-direita Kadima de 2006 a 2012. Yaakov Peri foi eleito em janeiro para representar o partido de centro Yesh Atid e é o atual ministro de Ciência e Tecnologia.

Perto do final de The Gatekeepers, Peri fala sobre gravações de um ataque do Shin Bet a uma casa palestina. Ele descreve operações em que militantes suspeitos são arrancados de suas famílias aterrorizadas e em prantos na calada da noite. Mesmo quando você conhece os detalhes do que as pessoas fizeram, sente algumas dúvidas, ele sugere. Então, “quando você deixa o serviço”, ele acrescenta com hesitação, “torna-se meio de esquerda”.

Para Diskin, o mais recente ocupante do cargo, Moreh cita as palavras do falecido intelectual israelense Yeshayahu Leibowitz, escritas pouco depois do início da ocupação. Dominar os palestinos, disse Leibowitz, efetivamente transformaria Israel em um Estado policial, “com tudo o que isso implica para a educação, a liberdade de expressão e de pensamento e a democracia”.

“Eu concordo com cada palavra”, diz o ex-chefe do Shin Bet.

Leia mais em: guardian.co.uk

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