Mundo

Erdogan perde maioria absoluta, curdos elegem 80 deputados

Partido islamita conservador perdeu espaço na Casa, ameaçando planos do presidente de reformar a Constituição; partido curdo HDP ingressa com 80 assentos

O presidente Erdogan votou em Istambul, no domingo 7, com a esperança de ampliar seu poder sobre a Turquia
Apoie Siga-nos no

Philippe Alfroy

O partido islamita conservador do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, perdeu a maioria absoluta no Parlamento e não poderá mais governar sozinho – informou a imprensa local, após a apuração das urnas.

No poder desde 2002, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) aparece com 255 cadeiras, do total de 550, o correspondente a 40,7% dos votos.

Já os curdos do Partido Democrático do Povo (HDP) superaram a barreira de 10% dos votos, obtendo 12,9%, e entram no Parlamento com 80 deputados, segundo os resultados divulgados pelas emissoras de televisão locais.

Além de ser obrigado a formar uma coalizão, o desempenho nas urnas poderá enterrar o projeto de Erdogan de reformar a Constituição e, com isso, reforçar seu poder como presidente. Nas últimas legislativas, de 2011, o AKP conquistou 49,8% dos votos.

Sirri Sureyya Önder, do partido curdo, disse à imprensa que “esses resultados representam a vitória da liberdade sobre a tirania, da paz contra a guerra”. O HDP tem 29 deputados em final de mandato.

Os dois principais rivais do AKP, o Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata) e o Partido de Ação Nacional (MHP, direita), aparecem com 25,1% e 16,45% dos votos (133 e 82 assentos, respectivamente).

A participação nas eleições foi de 85%.

Os colégios eleitorais fecharam às 17h locais (11h de Brasília), ao término de um dia marcado pela forte participação nas urnas, apesar de um atentado a bomba. Cometido na sexta-feira, o ataque deixou dois mortos e mais de 100 feridos durante um comício do principal partido curdo em seu reduto de Diyarbakir (sudeste).

O partido islamita conservador se apresentava pela primeira vez debilitado perante os eleitores, vítima do declínio da economia e das críticas por seu autoritarismo.

Depois de 11 anos como primeiro-ministro, Erdogan foi eleito chefe de Estado em agosto passado e devolveu em teoria as chaves do Executivo e do partido ao seu sucessor, o ex-ministro das Relações Exteriores Ahmet Davutoglu. No entanto, decidido a manter as rédeas do país, milita desde então por uma presidencialização do regime e um fortalecimento de seus poderes.

Apesar das críticas, o chefe de Estado fez abertamente uma campanha por sua reforma e seu partido, indo contra a Constituição, que lhe impõe um rígido dever de neutralidade.

Para alcançar seu objetivo, Erdogan precisava de uma ampla vitória eleitoral. Se o AKP conseguisse dois terços (367) dos 550 assentos de deputados, poderia votar sozinho a reforma constitucional para reforçar os poderes do chefe de Estado. Se obtivesse apenas 330, poderia submetê-la a referendo. Caso contrário, suas ambições seriam frustradas.

“Votei no AKP nas eleições passada porque fizeram um bom trabalho. Mas não confio mais neles”, explicou Murat Sefagil, de 42, outro eleitor de Istambul.

“O AKP não perdeu as eleições, mas Erdogan perdeu qualquer esperança de fazer da Turquia um país de sistema (quase exclusivamente) presidencialista”, comentou o universitário Ahmet Insel.

Ainda que as pesquisas sugerissem que poderia perder sua aposta, Erdogan continua sendo muito popular no país.

“Votei novamente (no AKP), porque quero que a Turquia seja dirigida por um presidente forte”, disse à AFP o vendedor de frutas Mehmet Kose, de 50 anos, que trabalha em Istambul.

O principal partido curdo, o HDP, era o principal obstáculo no caminho de Erdogan. De esquerda, moderno e preocupado com as minorias, o partido curdo é liderado por um quarentão carismático, Delahattin Demirtas, que agora espera aproveitar seu papel-chave nessas eleições para ampliar seu público tradicional.

“Votei no HDP porque é um partido dinâmico capaz de fornecer uma mudança real”, declarou Hazal Ozturk, de 19, em Istambul, votando pela primeira vez.

Durante a campanha, os outros dois grandes partidos de oposição, o CHP e o MHP, denunciaram a vontade de Erdogan de instituir uma “ditadura constitucional”.

“Vivemos uma campanha totalmente desigual”, lamentou o líder do CHP, Kemal Kiliçdaroglu, ao votar em Ancara. “Espero que essas eleições permitam aumentar a democracia e nossa liberdade”, completou.

Mais de 400.000 policiais e gendarmes foram mobilizados para garantir a segurança durante a jornada eleitoral, noticiou a imprensa turca, relatando apenas alguns incidentes isolados.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo