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Entrega de dissidente Chen Guangcheng à China é fiasco da administração Obama

O governo dos EUA passou para a China a custódia do dissidente Chen Guangcheng após acordo humanitário, mas ele diz ter sido ameaçado

Chen Guangcheng, de mãos dadas com Kurt M. Campbell, secretário de Estado assistente dos EUA, posa para foto ao deixar a embaixada americana em Pequim
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Se alguém na China entrar na internet e digitar o nome Chen Guangcheng em um site de busca qualquer não encontrará nenhum resultado. Chen é um dos ativistas mais importantes da China e o governo central procura, há anos, mantê-lo isolado. Nesta quarta-feira 2, é provável que o governo dos Estados Unidos também deseje fingir que Chen não existe, mas a liberdade existente por lá vai escancarar a realidade. Quem procurar o nome de Chen na internet vai se deparar com o que pode se tornar o maior desastre diplomático do governo Barack Obama.

A recente saga de Chen Guangcheng poderia ser o roteiro de um filme. Chen estava mantido em prisão domiciliar desde 2010, quando foi solto após quatro anos de prisão por denunciar abortos e esterilizações forçadas cometidas por autoridades chinesas para manter a política de filho único no país. Chen, que é cego, realizou uma fuga espetacular na quinta-feira 26. Ele pulou oito muros de casas vizinhas à sua, em Shandong, e, ajudado por outros dissidentes, conseguiu chegar à embaixada dos Estados Unidos em Pequim. Ferido, foi auxiliado por diplomatas e acomodado no prédio da missão americana. Por cinco dias, China e EUA ergueram uma parede de silêncio sobre o caso. Até a manhã desta quarta-feira, quando Chen deixou a embaixada para se reencontrar com a mulher e os dois filhos no hospital Chaoyang, em Pequim.

A versão dos EUA para a saída de Chen da embaixada é hollywoodiana. Chen teria chegado à missão americana sem a intenção de buscar asilo político nos Estados Unidos, mas sim de se tornar uma “pessoa livre” na China. Ele teria decidido ir ao hospital após uma emocionante negociação travada entre o próprio ativista e oficiais dos governos da China e dos Estados Unidos. Os negociadores chineses, liderados pelo vice-ministro do Exterior, Cui Tiankai, teriam agido “com dedicação intensa e humanidade”. Em vários momentos, Chen teria dialogado com os enviados americanos, Harold Koh, conselheiro legal do Departamento de Estado, e Kurt M. Campbell, secretário de Estado assistente, enquanto segurava suas mãos. O dissidente teria recebido diversas garantias por parte da China: médicos e diplomatas americanos poderiam visitá-lo no hospital; ele e sua família seriam levados para outra região do país, longe de dirigentes locais hostis de Shandong; e Chen teria o direito de fazer um curso universitário. Diante das promessas, Chen aceitou voltar para a custódia chinesa. Segundo Hillary Clinton, a secretária de Estado dos Estados Unidos, a decisão refletia “as escolhas de Chen” e os “valores” americanos.

A versão de Chen é bem diferente. Horas depois de chegar ao hospital, o ativista deu uma entrevista por telefone para a agência de notícias Associated Press. Assustado, segundo a AP, Chen afirmou ter decidido deixar a embaixada para evitar represálias a sua família. Segundo Chen, um funcionário da embaixada dos EUA disse a ele que, se não deixasse o prédio, sua mulher “seria espancada até a morte”. Chen disse estar disposto a ir embora da China com sua família e pediu que uma mensagem fosse enviada ao deputado americano Chris Smith, um famoso crítico da China. “Acho que gostaríamos de descansar em um lugar fora da China”, disse. “Ajude minha família e eu a irmos embora de forma segura.” Ao Channel 4, emissora do Reino Unido, Chen fez afirmação semelhante. Disse que decidiu ir para o hospital não porque estava doente, mas “por conta de um acordo”. “Eu estava preocupado com a segurança da minha família”. Um funcionário do governo dos Estados Unidos respondeu imediatamente a notícia divulgada pela AP. Ele negou que o governo americano tenha repassado ameaças chinesas a Chen, mas admitiu que o governo chinês havia ameaçado mandar sua família de volta para sua província natal caso ele permanecesse indefinidamente na embaixada dos Estados Unidos.

Com Chen novamente sob controle chinês, é provável que a divergência entre as duas versões sobre a saída do ativista da embaixada nunca seja esclarecida. Momentos após a divulgação da entrevista de Chen, a administração Obama já havia se tornado alvo de ONGs ligadas aos direitos humanos. As críticas giravam em torno de uma pergunta. Como o governo americano, que posa como defensor dos direitos humanos, inclusive na China, entregou para Pequim um dissidente sob ameaça? No ambiente eleitoral dos EUA, não tardará o surgimento de questões sobre como, pela primeira vez na história, os EUA devolveram à custódia chinesa um importante dissidente que procurou refúgio na embaixada. Ao responder essas questões, a Casa Branca deve ter dificuldades para explicar o desastre diplomático. Ao receber a notícia de que Chen estava na embaixada, o governo Obama não queria melindrar o governo chinês, com o qual discute a partir de quinta-feira temas como a economia mundial, o Irã, a Síria e a Coreia do Norte, nem mostrar fraqueza diante da China. Não conseguiu fazer nada disso. A China exige desculpas pela “interferência” em questões internas, enquanto o eleitor americano, as ONGs e boa parte da comunidade internacional vão colocar na conta de Obama tudo o que acontecer com Chen Guangcheng daqui para frente. Não será fácil Obama se livrar do que parece ser um fiasco completo.

Se alguém na China entrar na internet e digitar o nome Chen Guangcheng em um site de busca qualquer não encontrará nenhum resultado. Chen é um dos ativistas mais importantes da China e o governo central procura, há anos, mantê-lo isolado. Nesta quarta-feira 2, é provável que o governo dos Estados Unidos também deseje fingir que Chen não existe, mas a liberdade existente por lá vai escancarar a realidade. Quem procurar o nome de Chen na internet vai se deparar com o que pode se tornar o maior desastre diplomático do governo Barack Obama.

A recente saga de Chen Guangcheng poderia ser o roteiro de um filme. Chen estava mantido em prisão domiciliar desde 2010, quando foi solto após quatro anos de prisão por denunciar abortos e esterilizações forçadas cometidas por autoridades chinesas para manter a política de filho único no país. Chen, que é cego, realizou uma fuga espetacular na quinta-feira 26. Ele pulou oito muros de casas vizinhas à sua, em Shandong, e, ajudado por outros dissidentes, conseguiu chegar à embaixada dos Estados Unidos em Pequim. Ferido, foi auxiliado por diplomatas e acomodado no prédio da missão americana. Por cinco dias, China e EUA ergueram uma parede de silêncio sobre o caso. Até a manhã desta quarta-feira, quando Chen deixou a embaixada para se reencontrar com a mulher e os dois filhos no hospital Chaoyang, em Pequim.

A versão dos EUA para a saída de Chen da embaixada é hollywoodiana. Chen teria chegado à missão americana sem a intenção de buscar asilo político nos Estados Unidos, mas sim de se tornar uma “pessoa livre” na China. Ele teria decidido ir ao hospital após uma emocionante negociação travada entre o próprio ativista e oficiais dos governos da China e dos Estados Unidos. Os negociadores chineses, liderados pelo vice-ministro do Exterior, Cui Tiankai, teriam agido “com dedicação intensa e humanidade”. Em vários momentos, Chen teria dialogado com os enviados americanos, Harold Koh, conselheiro legal do Departamento de Estado, e Kurt M. Campbell, secretário de Estado assistente, enquanto segurava suas mãos. O dissidente teria recebido diversas garantias por parte da China: médicos e diplomatas americanos poderiam visitá-lo no hospital; ele e sua família seriam levados para outra região do país, longe de dirigentes locais hostis de Shandong; e Chen teria o direito de fazer um curso universitário. Diante das promessas, Chen aceitou voltar para a custódia chinesa. Segundo Hillary Clinton, a secretária de Estado dos Estados Unidos, a decisão refletia “as escolhas de Chen” e os “valores” americanos.

A versão de Chen é bem diferente. Horas depois de chegar ao hospital, o ativista deu uma entrevista por telefone para a agência de notícias Associated Press. Assustado, segundo a AP, Chen afirmou ter decidido deixar a embaixada para evitar represálias a sua família. Segundo Chen, um funcionário da embaixada dos EUA disse a ele que, se não deixasse o prédio, sua mulher “seria espancada até a morte”. Chen disse estar disposto a ir embora da China com sua família e pediu que uma mensagem fosse enviada ao deputado americano Chris Smith, um famoso crítico da China. “Acho que gostaríamos de descansar em um lugar fora da China”, disse. “Ajude minha família e eu a irmos embora de forma segura.” Ao Channel 4, emissora do Reino Unido, Chen fez afirmação semelhante. Disse que decidiu ir para o hospital não porque estava doente, mas “por conta de um acordo”. “Eu estava preocupado com a segurança da minha família”. Um funcionário do governo dos Estados Unidos respondeu imediatamente a notícia divulgada pela AP. Ele negou que o governo americano tenha repassado ameaças chinesas a Chen, mas admitiu que o governo chinês havia ameaçado mandar sua família de volta para sua província natal caso ele permanecesse indefinidamente na embaixada dos Estados Unidos.

Com Chen novamente sob controle chinês, é provável que a divergência entre as duas versões sobre a saída do ativista da embaixada nunca seja esclarecida. Momentos após a divulgação da entrevista de Chen, a administração Obama já havia se tornado alvo de ONGs ligadas aos direitos humanos. As críticas giravam em torno de uma pergunta. Como o governo americano, que posa como defensor dos direitos humanos, inclusive na China, entregou para Pequim um dissidente sob ameaça? No ambiente eleitoral dos EUA, não tardará o surgimento de questões sobre como, pela primeira vez na história, os EUA devolveram à custódia chinesa um importante dissidente que procurou refúgio na embaixada. Ao responder essas questões, a Casa Branca deve ter dificuldades para explicar o desastre diplomático. Ao receber a notícia de que Chen estava na embaixada, o governo Obama não queria melindrar o governo chinês, com o qual discute a partir de quinta-feira temas como a economia mundial, o Irã, a Síria e a Coreia do Norte, nem mostrar fraqueza diante da China. Não conseguiu fazer nada disso. A China exige desculpas pela “interferência” em questões internas, enquanto o eleitor americano, as ONGs e boa parte da comunidade internacional vão colocar na conta de Obama tudo o que acontecer com Chen Guangcheng daqui para frente. Não será fácil Obama se livrar do que parece ser um fiasco completo.

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