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Entenda como a crise na Venezuela chegou aos seus piores dias

Em meio a protestos e pressão diplomática intensa, o presidente Nicolás Maduro balança no cargo menos de um mês depois da posse

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A crise política e humanitária que se arrasta na Venezuela chegou ao ponto mais crítico nesta quarta-feira 23, depois que o deputado Juan Guaidó – líder da oposição venezuelana – se autoproclamou presidente do país, sob apoio popular e de mais de dez países do continente americano.

Invocando artigos da Constituição, Guaidó se comprometeu a comandar o país para “conseguir o fim da usurpação, um governo de transição e ter eleições livres”. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou apoio instantes depois da declaração, no que foi seguido por vários vizinhos sul-americanos, como Jair Bolsonaro.

O presidente Nicolás Maduro reagiu dizendo que iria decretar a prisão de Guaidó e anunciado o fim das relações diplomáticas com os Estados Unidos. Rússia, China, Turquia, México e Uruguai anunciaram apoio a seu governo.

“O Maduro está na pior situação desde a morte do Chávez, e é muito provável que ele caia antes de 2025”, avalia o professor Guilherme Casarões, especialista em Ciências Políticas e Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“É a primeira vez que vários países em conjunto renegam a legitimidade do poder de Maduro. Cada vez mais, ele terá que se fiar às Forças Armadas e a apoios pontuais de alguns países, que ele vem perdendo”, completa.

Herdeiro de Chávez

Ex-motorista de ônibus e afilhado político de Chávez, Nicolás Maduro assumiu a presidência em 2013, depois que seu antecessor morreu vítima de um câncer. Embora a relação com a oposição jamais tenha sido pacífica (em 2002, um golpe fracassado quase apeou Chávez do poder), a morte de seu fundador foi o início de uma disputa que culminou na pior crise do chavismo até então.

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Como, na Venezuela, o presidente não é eleito pela mesma chapa do vice, Maduro só assumiu após uma vitória apertada contra o opositor Henrique Caprilles. Ali começava a onda de protestos de oposição que ganhou força máxima nos últimos dias.

Nas eleições legislativas de 2015, a oposição conquistou pela primeira vez a maioria dos assentos na Assembleia Nacional. Subia a pressão para tirar Maduro do poder. Os parlamentares organizaram um referendo para cassar seu mandato. A Justiça Eleitoral, composta por apoiadores do chavismo, anulou o resultado. Os deputados se rebelaram, e o Tribunal de Justiça interveio para manter o presidente no poder.

Maduro presta juramento ao ser empossado para seu segundo mandato (AFP)

Também nesta época, a economia venezuelana vivia um momento crítico. Altamente dependente das commodities (quase 96% das receitas são fruto do petróleo) e sem infraestrutura em outras áreas, o país empobreceu quando o preço do barril despencou no mercado internacional. Não havia mais dinheiro para importar alimentos. Além disso, o governo bolivariano não aproveitou o período de altos preços do barril para investir em áreas que dariam ao país a condição de se desenvolver com menor dependência da extração do petróleo.

A alta da inflação e a queda nos indicadores sociais fizeram derreter os avanços sociais do chavismo. No lugar, pipocaram o desemprego, a hiperinflação e a falta de alimentos nos supermercados

Em 2018, a alta de preços no mercado interno superou a marca de 1.300.000% ao ano. O sumiço de produtos básicos para a sobrevivência e dos meios de subsistência provocaram o maior fluxo migratório no planeta nos últimos tempos. Segundo dados da ONU, cerca de 3 milhões de venezuelanos deixaram o país.

Leia também: Maduro pede apoio do povo e do Exército. Protestos tomam o país

O governo credita a crise a inimigos internos e externos. Maduro acusa os EUA de inundarem o mercado com petróleo barato, fazendo cair os preços da matéria-prima. A falta de alimentos seria culpa de um boicote orquestrado por empresários para desestabilizar o governo. “A partir da crise de 2008, a elite empresarial deixou de seguir as orientações do governo e realmente atuou um boicote”, diz o professor Carlos Eduardo Vidigal, especialista em história contemporânea da América do Sul. “Mas a crise não é culpa deles. O governo insiste em uma política centralizadora e deixou de investir na industrialização”, avalia.

Em meio à tensão crescente, Maduro convocou em 2017 uma nova Assembleia Constituinte. Na prática, a medida esvaziou o poder do Congresso eleito, de maioria oposicionista. Acabou reeleito no ano seguinte, com 67,8% dos votos, mas viu a legitimidade da vitória ser fortemente contestada, interna e externamente, em uma eleição marcada por denúncias de fraudes e violações.

Em janeiro deste ano, o Parlamento, sob o comando de Juan Guaidó, que assumiu a Assembleia Nacional no dia 5, declarou ilegítimo o mandato do presidente. Pouco depois, o líder oposicionista anunciou a formação de um governo interino. Há apoio internacional a Guaidó, mas o deputado carece da chancela das Forças Armadas, que, por enquanto, continuam fiéis a Maduro.

Quem é Juan Guaidó?

Aos 35 anos, Juan Guaidó é o mais novo parlamentar a assumir a chefia da Assembleia Nacional venezuelana. Os chavistas o apelidaram de “novo Pedro Carmona”, o empresário que liderou o fracassado golpe de Estado contra Hugo Chávez em 2002. No último dia 13, Guaidó chegou a ser preso durante uma hora por agentes da inteligência venezuelana. Maduro alega que a detenção foi forjada com o intuito de desgastar o seu governo.

Ex-líder estudantil, Guaidó participava de protestos contra Hugo Chávez desde 2007 e é aliado do líder oposicionista Leopoldo López, em prisão domiciliar desde 2017. Foi um dos primeiros filiados do Voluntad Popular, partido criado por López.

O deputado conseguiu unir em torno de si a fragmentada oposição venezuelana. E tenta aglutinar uma população cada vez mais insatisfeita. Anunciou, por exemplo, um plano de anistia de militares que tentaram derrubar Maduro, em uma tentativa de ganhar a simpatia das Forças Armadas.

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