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Entenda a decisão do presidente de Portugal de dissolver Parlamento e antecipar eleições legislativas

Antes de tomar a decisão, Marcelo Rebelo de Souza ouviu a opinião dos representantes dos partidos com assento parlamentar e o Conselho de Estado

O presidente português Marcelo Rebelo de Sousa (à esq.) e o primeiro-ministro português António Costa (à dir.) participam da reunião do Conselho de Estado no Palácio de Belém, em Lisboa, em 9 de novembro de 2023. AFP - MARIO CRUZ
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O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, decidiu dissolver o Parlamento e convocar eleições legislativas antecipadas para 10 de março do ano que vem. O anúncio foi feito na noite desta quinta-feira (9), dois dias depois do chefe de Estado aceitar a demissão do primeiro-ministro socialista, António Costa, em meio a uma investigação de suspeita de tráfico de influência envolvendo também membros do governo.

“Espero que o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o sucedido, no respeito da presunção da inocência, da salvaguarda do bom nome, da afirmação da Justiça e do reforço do Estado de Direito Democrático”, disse o presidente.

Antes de tomar a decisão de dissolver o Parlamento, Rebelo de Souza ouviu o Conselho de Estado e os representantes dos partidos com assento na Assembleia da República. Todas as siglas concordaram com as medidas, com exceção do Partido Socialista, que apresentou o nome de Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, para substituir António Costa, alternativa que foi descartada por Marcelo.

Já no Conselho de Estado, as opiniões dividiram-se. Metade estava a favor e metade contra a dissolução do Parlamento. Como manda a Constituição Portuguesa, a palavra final foi do chefe de Estado, que preferiu não manter o PS no poder com um novo primeiro-ministro.

Justificativa

Na cerimônia de posse do terceiro governo chefiado por António Costa, em 30 de março do ano passado, o presidente da República disse que os portugueses haviam dado a maioria absoluta ao Partido Socialista e também ao primeiro-ministro.

Na ocasião, frisou que não seria politicamente fácil substituí-lo por outro primeiro-ministro no meio do caminho, dando a entender que uma saída de Costa levaria a eleições antecipadas. Em janeiro deste ano, o chefe de Estado reforçou o aviso: “Se mudar o primeiro-ministro, há dissolução do parlamento”.

Nesta quinta-feira, durante o pronunciamento transmitido pelas emissoras de televisão, Marcelo Rebelo de Sousa usou os mesmos argumentos afirmando que os portugueses deram um voto à liderança de António Costa, e justificou que o momento, agora, é de “devolver a palavra ao povo”.

Orçamento de Estado

Ao convocar eleições antecipadas para 10 de março, o presidente português garante, assim, a aprovação final do orçamento de Estado para 2024, marcada para acontecer na Assembleia da República no dia 29 de novembro.

Para o chefe de Estado é preferível aprovar o novo orçamento o quanto antes. Assim, ele garante a implementação das medidas propostas, como alterações no Imposto de Renda e investimento público, por exemplo.

Se Marcelo Rebelo de Sousa optasse pela dissolução imediata do Parlamento, o orçamento de Estado para 2024 ficaria sem efeito e um novo só seria votado no meio do ano que vem. Isso obrigaria o próximo governo a começar 2024 com um orçamento desatualizado, do ano anterior.

Investigações

No centro do caso que motivou o pedido de demissão do premiê português está um inquérito do Ministério Público que investiga suspeitas de irregularidades nas concessões para exploração de lítio (usado nas baterias dos carros elétricos), na produção de energia à base de hidrogênio verde e na construção de um datacenter na cidade portuguesa de Sines. Ou seja, três projetos relacionados à transição energética que exigem muito dinheiro de investidores privados.

Como parte das investigações, terça-feira (7), integrantes do Ministério Público e agentes da Polícia de Segurança Pública realizaram buscas em diversos locais, como no Ministério do Ambiente e até num gabinete da residência-oficial do primeiro-ministro. Além disso, cinco pessoas foram detidas: Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, executivos da Start Campus, empresa responsável pelo data center; Nuno Mascarenhas, que é presidente da Câmara de Sines, uma posição equivalente à de prefeito no Brasil; Diogo Lacerda Machado, advogado, consultor e amigo de António Costa, e Vítor Escária, chefe de gabinete do primeiro-ministro.

Nas buscas feitas no gabinete de Escária (localizado na residência-oficial do premiê português e que também funciona como o seu local de trabalho), policiais apreenderam mais de 75 mil euros em espécie (o equivalente a quase R$ 400 mil). Ele foi exonerado nesta quinta-feira.

Já o ministro das Infraestruturas, João Galamba, está a ser investigado porque teria agido para favorecer a Start Campus. Quanto ao primeiro-ministro, o que se sabe até agora é que suspeitos no processo teriam feito referências à possibilidade de ter havido alguma intervenção dele na aprovação de um decreto de lei favorável à empresa, o que vai ser investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Discurso de demissão

No discurso de demissão, António Costa afirmou que não pesa na consciência dele a prática de qualquer ato ilícito “ou sequer de qualquer ato censurável”. Disse também que, no seu entendimento, “a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta e, menos ainda, com a suspeita da prática de qualquer ato criminal”.

E por isso, apresentou a demissão ao presidente da República. Também importa ressaltar que até a posse do novo premiê, Costa continua no cargo, mas na liderança de um governo de gestão.

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