Mundo

Em crise de ideias políticas, comunistas chineses recorrem ao nacionalismo

Em meio a mudança de poder, o Partido e o Estado comunistas parecem sufocados por uma paralisia política

Visitantes andam pela praça Tiananmen, em Pequim, durante o XVIII Congresso do PCC em 5 de novembro. Foto: Wang Zhao / AFP
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PEQUIM (AFP) – Último gigante de um mundo comunista que desapareceu no século passado, o Partido Comunista Chinês (PCC) sobrevive graças a fortes doses de esquizofrenia acrobática, que alterna a mão de ferro em uma sociedade que abraça o capitalismo e o culto ao nacionalismo obscurantista.

O congresso do PCC, que começa na quinta-feira, deve aclamar um homem do partido, Xi Jinping, 59 anos, para substituir o presidente Hu Jintao, de 69 anos.

Em um desafio sem precedentes, o novo presidente terá que responder a uma opinião pública incipiente, mas que cada vez protesta mais, e cada vez menos disposta a tolerar o enriquecimento extravagante das elites locais ou nacionalistas.

O XVIII Congresso do PCC acontecerá em uma capital onde o número de Ferraris, Lamborghinis, Maseratis e Porches Cayenne não têm parâmetro em nenhuma outra parte do mundo.

Verdadeira “aristocracia vermelha”, os “filhos dos príncipes” – seus pais foram os revolucionários de ontem – surfam na onda de um capitalismo quase selvagem, onde a opacidade dos mercados públicos e as relações com as poderosas empresas estatais permitem a formação de rápidas fortunas na Bolsa.

Menos espetacular, o fenomenal “boom” econômico dos últimos 10 anos gerou uma classe média com automóveis, computadores, smartphones, assim como consumidores de moda, cinema, turismo e, até mesmo, informação sem censura.

Na parte mais pobre do país, operários cada vez menos dóceis se somam a uma “população flutuante” de 260 milhões de temporários, cidadãos de segunda classe, sem direito a residência nas cidades, procedentes de uma massa de 650 milhões de camponeses. Todos se beneficiaram de diferentes graus de crescimento sob a presidência de Hu Jintao.

Mas na contracorrente desta metamorfose, o Partido e o Estado comunistas, e seu pragmatismo, parecem sufocados por uma paralisia política. Em nome da “harmonia” e da “estabilidade”, as duas palavras-chave do regime, procedentes de Confúcio (551-479 AC), o sábio nacional, os dissidentes continuam detidos, a imprensa amordaçada e os sindicatos independentes proibidos.

Para Jean-Philippe Béja, cientista político especializado em China, “o governo por consenso na cúpula é uma das causas do imobilismo no campo da reforma política”.

Sem ideologia, mas fortalecida pelo novo status de segunda potência mundial, a China cultiva um patriotismo ilimitado, que não consegue esconder o ressurgimento do nacionalismo, fonte de preocupação dos vizinhos.

A retórica marxista leninista, praticamente desaparecida da imprensa, provoca sorrisos nas novas gerações, dispostas a defender o orgulho nacional.

“Como a fé no socialismo é um problema, os dirigentes chineses buscam outras fontes de legitimidade. E o nacionalismo é o substituto ideal”, afirma Béja, para quem o “PC pode ter orgulho por ter realizado o sonho de todas as autoridades do país desde a guerra do ópio (1839): devolver a China a seu lugar no mundo”.

A propaganda oficial recorda a todo momento a época das “humilhações” da China, que enfrentou potências estrangeiras do século XIX a 1945.

Eterno bode expiatório dos comunistas chineses, o Japão é novamente alvo de ira no país por cinco ilhas desabitadas no mar da China, que tanto Pequim como Tóquio reivindicam. O Partido mobilizou pessoas nas ruas e virulência do nacionalismo e do populismo deixou muitos estrangeiros estupefatos.

A recuperação de Hong Kong em 1997, de Macau em 1999 – a de Taiwan continua sendo uma “causa sagrada” – e a intransigência absoluta do regime sobre o Tibete exalta o sentimento nacional ao mesmo tempo em que consolida a cúpula comunista.

“Penso que se não acontecerem mudanças no sistema econômico e político na próxima década, será possível acontecer uma verdadeira instabilidade, que daria lugar a uma política externa mais nacionalista e agressiva”, afirmou na semana passada Winston Lord, ex-embaixador americano na China e ex-secretário de Estado adjunto de Richard Nixon.

O crescimento do orçamento do Exército Popular de Libertação superou o do PIB nos últimos 10 anos.

E para distrair a atenção crescente da opinião pública chinesa sobre os escândalos repetidos de enriquecimento das elites, o recurso à fibra nacionalista pode ser muito útil.

Mas a arma é uma faca de dois gumes: “Muitos dirigentes têm filhos no exterior – inclusive o Japão – ou trabalham em multinacionais. São vulneráveis às acusações ultranacionalistas de ‘vender o país'”, adverte Jean-Philippe Béja.

PEQUIM (AFP) – Último gigante de um mundo comunista que desapareceu no século passado, o Partido Comunista Chinês (PCC) sobrevive graças a fortes doses de esquizofrenia acrobática, que alterna a mão de ferro em uma sociedade que abraça o capitalismo e o culto ao nacionalismo obscurantista.

O congresso do PCC, que começa na quinta-feira, deve aclamar um homem do partido, Xi Jinping, 59 anos, para substituir o presidente Hu Jintao, de 69 anos.

Em um desafio sem precedentes, o novo presidente terá que responder a uma opinião pública incipiente, mas que cada vez protesta mais, e cada vez menos disposta a tolerar o enriquecimento extravagante das elites locais ou nacionalistas.

O XVIII Congresso do PCC acontecerá em uma capital onde o número de Ferraris, Lamborghinis, Maseratis e Porches Cayenne não têm parâmetro em nenhuma outra parte do mundo.

Verdadeira “aristocracia vermelha”, os “filhos dos príncipes” – seus pais foram os revolucionários de ontem – surfam na onda de um capitalismo quase selvagem, onde a opacidade dos mercados públicos e as relações com as poderosas empresas estatais permitem a formação de rápidas fortunas na Bolsa.

Menos espetacular, o fenomenal “boom” econômico dos últimos 10 anos gerou uma classe média com automóveis, computadores, smartphones, assim como consumidores de moda, cinema, turismo e, até mesmo, informação sem censura.

Na parte mais pobre do país, operários cada vez menos dóceis se somam a uma “população flutuante” de 260 milhões de temporários, cidadãos de segunda classe, sem direito a residência nas cidades, procedentes de uma massa de 650 milhões de camponeses. Todos se beneficiaram de diferentes graus de crescimento sob a presidência de Hu Jintao.

Mas na contracorrente desta metamorfose, o Partido e o Estado comunistas, e seu pragmatismo, parecem sufocados por uma paralisia política. Em nome da “harmonia” e da “estabilidade”, as duas palavras-chave do regime, procedentes de Confúcio (551-479 AC), o sábio nacional, os dissidentes continuam detidos, a imprensa amordaçada e os sindicatos independentes proibidos.

Para Jean-Philippe Béja, cientista político especializado em China, “o governo por consenso na cúpula é uma das causas do imobilismo no campo da reforma política”.

Sem ideologia, mas fortalecida pelo novo status de segunda potência mundial, a China cultiva um patriotismo ilimitado, que não consegue esconder o ressurgimento do nacionalismo, fonte de preocupação dos vizinhos.

A retórica marxista leninista, praticamente desaparecida da imprensa, provoca sorrisos nas novas gerações, dispostas a defender o orgulho nacional.

“Como a fé no socialismo é um problema, os dirigentes chineses buscam outras fontes de legitimidade. E o nacionalismo é o substituto ideal”, afirma Béja, para quem o “PC pode ter orgulho por ter realizado o sonho de todas as autoridades do país desde a guerra do ópio (1839): devolver a China a seu lugar no mundo”.

A propaganda oficial recorda a todo momento a época das “humilhações” da China, que enfrentou potências estrangeiras do século XIX a 1945.

Eterno bode expiatório dos comunistas chineses, o Japão é novamente alvo de ira no país por cinco ilhas desabitadas no mar da China, que tanto Pequim como Tóquio reivindicam. O Partido mobilizou pessoas nas ruas e virulência do nacionalismo e do populismo deixou muitos estrangeiros estupefatos.

A recuperação de Hong Kong em 1997, de Macau em 1999 – a de Taiwan continua sendo uma “causa sagrada” – e a intransigência absoluta do regime sobre o Tibete exalta o sentimento nacional ao mesmo tempo em que consolida a cúpula comunista.

“Penso que se não acontecerem mudanças no sistema econômico e político na próxima década, será possível acontecer uma verdadeira instabilidade, que daria lugar a uma política externa mais nacionalista e agressiva”, afirmou na semana passada Winston Lord, ex-embaixador americano na China e ex-secretário de Estado adjunto de Richard Nixon.

O crescimento do orçamento do Exército Popular de Libertação superou o do PIB nos últimos 10 anos.

E para distrair a atenção crescente da opinião pública chinesa sobre os escândalos repetidos de enriquecimento das elites, o recurso à fibra nacionalista pode ser muito útil.

Mas a arma é uma faca de dois gumes: “Muitos dirigentes têm filhos no exterior – inclusive o Japão – ou trabalham em multinacionais. São vulneráveis às acusações ultranacionalistas de ‘vender o país'”, adverte Jean-Philippe Béja.

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