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Eleições no Peru: segundo turno será entre a esquerda radical e a direita autoritária

Ambos os candidatos defendem os valores conservadores contra o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo gênero

Eleições no Peru: segundo turno será entre a esquerda radical e a direita autoritária. Fotos: AFP
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No segundo turno das eleições presidenciais, em 6 de junho, os peruanos vão escolher entre um professor sindicalista da esquerda radical, que propõe estatizações e uma nova Constituição, e uma integrante do sistema – processada por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção – que defende uma “demodura”, em referência a uma democracia de mão-dura.

De um lado, a extrema esquerda de um novato na política partidária e líder da ala radical do sindicato de professores. Do outro, a direita autoritária, da herdeira do “fujimorismo”. Em comum entre esses dois lados, o extremismo e os valores conservadores contra o aborto e contra o casamento entre pessoas do mesmo gênero.

Apurados 96% dos votos do primeiro turno das eleições presidenciais, o candidato do partido Peru Livre, Pedro Castillo, 51 anos, atingiu os surpreendentes 19,1% dos votos válidos que nenhuma pesquisa conseguiu prever. Como adversária, terá a direita Força Popular, da candidata Keiko Fujimori, 45 anos, com 13,3% dos votos e que também não liderava as sondagens.

“Pedro Castillo é uma esquerda anti-establishment que rejeita o mercado e que defende a estatização dos setores estratégicos da economia. Keiko Fujimori é uma direita autoritária que defende o mercado e que quer impor o uso da força, a chamada ‘mão-dura’. São conservadores e fundamentalistas”, definiu à RFI o cientista político peruano, Carlos Meléndez, da Universidade Diego Portales do Chile.

Venezuela, Sendero Luminoso e corrupção

O inesperado cenário para o segundo turno no Peru coloca um candidato, acusado de ter como aliada a Venezuela e de simpatizar com o grupo terrorista peruano Sendero Luminoso contra uma rival, acusada pela Justiça de corrupção no esquema da “Lava Jato peruana”. Os dois recusam as críticas, mas um acusa o outro.

A associação com a Venezuela tem um impacto mais forte no Peru do que em outros países da região. Mais de um milhão de venezuelanos fugiram ao Peru.

Uma sondagem do instituto Ipsos, no mês passado, indicou que 35% dos peruanos acreditam que um regime chavista seria o pior que poderia acontecer no país. Apenas 5% disseram que um regime fascista ou ultraconservador seria uma opção pior.

As alegadas conexões entre Pedro Castillo e o Movimento pela Anistia e pelos Direitos Fundamentais (Movadef), considerado o braço político do terrorista Sendero Luminoso, já formam parte da campanha.

“Vamos confrontar com o populismo e com a esquerda radical. Muitos peruanos vão se somar porque não querem ver o Peru transformado numa Cuba ou numa Venezuela”, atacou Keiko Fujimori em alusão a Pedro Castillo.

“Não querem que alguém do povo surja para desmascarar a tristeza deste país”, defendeu-se Castillo, negando qualquer vínculo.

Keiko Fujimori não nega a herança do seu pai, Alberto Fujimori (1990-2000), que cumpre pena de 25 anos por crimes de lesa humanidade e por corrupção. Aliás, foi ele, quando presidente, quem conseguiu, através da força, obter avanços contra o Sendero Luminoso.

À procura de aliados

Agora, Keiko Fujimori, na sua terceira tentativa de chegar à presidência (2011, 2016 e 2021) oferece uma união entre as forças de direita para derrotar a esquerda radical. Os dois alvos principais dessa oferta de união são os candidatos que ficaram em terceiro e quarto lugares, colados em Keiko.

Rafael López Aliaga, do Renovação Popular, obteve 11,67% dos votos válidos. É considerado o “Bolsonaro peruano”. O liberal Hernando de Soto, do Avança País, ficou com 11,65%. Entre apoiar um candidato de esquerda e uma de direita, a segunda opção parece lógica, sobretudo porque, no passado, Hernando de Soto foi assessor do fujimorismo.

“Vamos pensar na proposta”, respondeu Hernando de Soto. “Existe um setor bastante radical na proposta de Castillo, um setor quase comunista, alinhado com Venezuela e Cuba”, acusou.

Em 2016, a bancada comandada por Keiko no Parlamento rejeitou acordos de governabilidade com o então presidente Pedro Pablo Kuczynski, quem a derrotou no segundo turno. Em 2018, Kuczynski acabou destituído por pressão do fujimorismo. Hoje, cumpre prisão domiciliar por subornos da Odebrecht.

Pedro Castillo também disse que “quer conversar com as diversas forças políticas” porque “em jogo, está o país”. “Não pretendo impor nenhuma posição radical. Quero um espaço de amplo entendimento para o bem do país”, disse, em declarações à imprensa, numa amenização do discurso nesta nova fase da corrida eleitoral.

Presidência como refúgio

Tornar-se presidente também permitiria a Keiko Fujimori adiar – e talvez até evitar – o julgamento que a poderia condenar à prisão. A candidata passou 16 meses em prisão preventiva enquanto era investigada por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção.

No mês passado, a promotoria apresentou formalmente um pedido de 30 anos de prisão contra Keiko por supostamente receber milhões em financiamento ilegal das campanhas de 2011 e 2016. Uma das empresas que usaram o caixa 2 foi a brasileira Odebrecht.

O julgamento não tem data porque todos os processos da chamada “Lava Jato peruana” estão atrasados devido à pandemia. Se eleita, Keiko Fujimori só cumpriria pena depois de deixar o poder, caso seja condenada.

Propostas de cada lado

A candidata da direita é contra o confinamento para administrar a pandemia de Covid-19 e prometeu acabar com as restrições para permitir a recuperação da economia peruana, que caiu 11% em 2020. Para isso, promete uma reforma tributária e uma reforma da Previdência para permitir a administração privada dos fundos.

Pedro Castillo promete um Estado socialista, a estatização dos setores estratégicos da economia, a regulação da imprensa, a dissolução do Tribunal Constitucional e uma Assembleia Constituinte para uma nova Constituição.

No Peru, todos os presidentes eleitos nos últimos 35 anos estão condenados, presos ou sob investigação. A única exceção é Alan García (1985-1990 e 2006-2011). Há dois anos, García se suicidou quando a Polícia bateu à sua porta para prendê-lo.

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