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Eleições na França dirão se o eleitor aprova resposta europeia à guerra na Ucrânia, diz ex-embaixador

Para Marcos Azambuja, a reeleição de Emmanuel Macron era previsível, mas sua incapacidade de deter a Rússia rebaixou a posição do governo francês

O presidente da França, Emmanuel Macron. Foto: Thomas Coex/AFP
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Seis metros de distância separavam Emmanuel Macron e Vladimir Putin naquele encontro de 7 de fevereiro, na gigante mesa oval branca, decorada com folhas douradas, semanas antes da Rússia anunciar a invasão da Ucrânia. O presidente francês havia se colocado na dianteira das negociações com o homólogo russo para convencê-lo a desistir da guerra, mas acabou com a tentativa frustrada.

Os líderes explicaram o porquê do uso do mastodôntico móvel: o visitante francês teria se recusado a fazer um teste de Covid-19 por medo de que seu sangue fosse interceptado pelos russos. Mas o comprimento, que viralizou mundialmente como um meme, pode ter expressado ironicamente o quão longe a França tem estado de exercer a influência geopolítica que desejava.

Para Marcos Azambuja, que foi embaixador do Brasil na França entre 1997 e 2003, Macron saiu politicamente diminuído daqueles diálogos, com uma posição menos prestigiada da que presumia ter com a saída da Inglaterra da União Europeia e com a aposentadoria de Angela Merkel, na Alemanha, que por tantos anos figurou como uma liderança imponente.

“A França mostra que não tem mais poder para influenciar muito os grandes fenômenos mundiais”, avalia Azambuja, que também foi secretário-geral do Itamaraty e hoje é conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, o Cebri.

O presidente da França, Emmanuel Macron, em diálogo com o homólogo russo, Vladimir Putin, sobre o conflito na Ucrânia. Foto: Sputnik/AFP

Azambuja vê ainda a guerra na Ucrânia como um fator de forte impacto no 1º turno da eleição francesa, que ocorre no próximo domingo 10.

Macron, que pleiteia a recondução ao cargo para o qual foi eleito em 2017, parecia destinado a vencer com folga seus principais adversários: Marine Le Pen, representante da extrema-direita, e o líder de esquerda Jean-Luc Mélenchon. Sua impotência diante do conflito e os efeitos perturbadores das sanções econômicas à Rússia, que incomodam os europeus, parecem pesar na balança.

Os recentes desdobramentos da guerra podem explicar, inclusive, a arrancada da extrema-direita na França: em sondagem da quinta-feira 7, Le Pen apareceu à frente das intenções de voto. Se nenhum dos 12 candidatos alcançar um percentual acima de 50% neste domingo, a França realizará o 2º turno em 24 de abril, com os dois favoritos.

A eleição francesa, ressalta, será um dos primeiros testes de opinião pública na Europa sobre as reações à questão ucraniana. Ele chama a atenção para o resultado na Hungria, na última semana, em que o primeiro-ministro nacionalista Viktor Orbán, apoiado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, garantiu o seu quarto mandato consecutivo nas eleições legislativas, apesar de uma aliança inédita na oposição.

Confira, a seguir, os destaques da entrevista.

CartaCapital: Emmanuel Macron representou alguma ruptura na política francesa?

Marcos Azambuja: Menos do que se pretende. Macron foi um presidente eleito num momento traumático, em que o candidato que deveria vencer, o François Fillon, que era de centro como ele, apareceu vulnerável a certas acusações de excesso de uso de recursos públicos. Portanto, Macron surgiu mais por uma oportunidade circunstancial do que por uma grande construção. Ele é beneficiário desse escândalo que invalidou a candidatura do então favorito.

Macron é uma ruptura em dois sentidos. Primeiro, ele é bem mais moço do que a geração anterior. Há um salto etário, num país que tem a tendência de que as coisas ocorram por etapas. Só Napoleão chegou ao governo da França mais moço do que ele.

No começo, Macron teve também a seu favor, de certa maneira, a dissociação da Inglaterra em relação à Europa, através do Brexit, e a aposentadoria da mais importante líder europeia, a Angela Merkel, na Alemanha. Portanto, ele ganhou uma posição na Europa que não existia antes dessas duas circunstâncias.

Marcos Azambuja foi embaixador do Brasil na França durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Foto: Reprodução/Amcham Brasil

CC: Como essa mudança de posição da França na Europa se refletiu na prática?

MA: Diante da saída da Inglaterra e da mudança do governo alemão, a França readquiriu um papel que não tinha há algum tempo e, então, procurou durante um tempo uma aproximação mais fluida com os Estados Unidos, cuja relação sempre teve dificuldades. A França tem uma opinião própria, uma visão de si mesma que não é a que os Estados Unidos têm dela. E isso levou a uma crise grave chamada crise dos submarinos.

Há um tempo, o maior negócio feito pela França era a venda de um grupo grande de submarinos de fabricação dela para a Austrália. Os Estados Unidos atravessaram esse samba e excluíram a França.

[O ex-embaixador se refere à decisão da Austrália em cancelar um acordo de 40 bilhões de dólares em compras de submarinos da França, em setembro de 2021, após um acordo com os Estados Unidos e o Reino Unido. Macron chegou a comparar Joe Biden com Donald Trump.] 

Quase houve uma ruptura séria nas relações entre a França e os Estados Unidos. A França se aproxima, então, mais da Rússia. Portanto, a situação ficou a seguinte. A França se tornou mais prestigiada porque a Inglaterra saiu, a Alemanha não tinha mais a líder que tinha, e os Estados Unidos com o Trump tinham ofendido a Europa e criado certos problemas. O Macron ficou mais influente e com aproximação com Moscou.

Seria uma eleição burocrática, previsível, em que o Macron chegaria em 1º, mas não teria maioria suficiente para o 1º turno, e a Marine Le Pen ficaria em 2º, mas também sem condições. Porém, com a crise na Ucrânia, a eleição ganhou relevância, emotividade, uma espécie de laboratório de como a Europa está reagindo a tudo isso.

Marine Le Pen, líder da extrema-direita na França. Foto: Valentine Chapuis/AFP

CC: Como o senhor avalia as reações do Macron à crise da Ucrânia?

MA: O Macron tentou, primeiro, sem êxito, negociar com o Putin para ver se conseguia influenciá-lo. Mas os jogos já estavam definidos. Portanto, ele não conseguiu e saiu dessas reuniões um pouco diminuído, por não ter podido convencer a Rússia a adotar a linha que ele desejava, que não era a de invasão imediata.

O Macron não sai prejudicado, mas a França mostra que não tem mais poder para influenciar muito os grandes fenômenos mundiais. Ele tem o seguinte problema: há uma França um pouco rancorosa, porque se vê diminuída, diante de uma Inglaterra que se separou e se fez parceira claríssima dos Estados Unidos, de uma Alemanha que tinha na Merkel o seu grande símbolo, e de uma Rússia que, apesar de não ser mais uma super potência, volta ao cenário ainda como uma grande potência. O Macron e a França se sentem um pouco diminuídos nesse cenário em que não têm mais a influência que a França gostava de ter.

CC: Com o que Macron se preocupou em mostrar aos seus eleitores durante a campanha?

MA: O Macron tentou ocupar algo que na França é frágil, que é o centro. Na eleição francesa, temos candidatos claramente de esquerda. Há candidatos trotskistas, uma esquerda quase antiga, como a Nathalie Arthaud, há candidatos de uma esquerda moderna, sobretudo representada pela Anne Hidalgo, a prefeita de Paris, e o Mélenchon, da esquerda mais tradicional.

Você tem a direita da Marine Le Pen, com toda a sua pauta anti-imigração e anti-Estados Unidos, e tem também uma figura importante na vida francesa, a grande surpresa dessa eleição, que é o Eric Zemmour, um homem que quer a expulsão de mais de um milhão de muçulmanos da França por achar que o país está se descaracterizando racialmente por conta da imigração.

A França ama a geometria política. É lá que se inventa a esquerda, o centro e a direita, você sabe bem, desde o parlamento francês do tempo revolucionário. Nessa eleição, temos uma disputa muito clara entre candidatos de esquerda, que estão diminuídos, mas presentes, o centro, e essa direita da Marine Le Pen e do Eric Zemmour, com a ideia da França voltar a ser branca, europeia e cristã, embora o próprio Zemmour seja judeu de origem argelina.

Seria uma vitória relativamente simples do Macron, que sintetiza um governo mais medíocre do que desastroso. Porém, com a guerra na Ucrânia, há uma sensação de que o conflito e as sanções estão criando uma onda de choque na Europa, a qual ninguém está conseguindo ler exatamente como vai repercutir.

Gostaria de colocar isso de forma central. Você sabe que, quando se aplicam sanções, elas atingem primeiro o alvo. Houve as sanções contra a Rússia, então elas atingem a Rússia. Mas quando as sanções são imensas e afetam a eletricidade, os combustíveis, o gás natural, você atinge a totalidade do sistema econômico. O que está acontecendo é que as sanções estão transcendendo o seu alvo original para criar uma perturbação imensa na vida europeia.

O que faz da eleição francesa muito interessante é que, com a da Hungria, será a primeira vez em que a opinião pública vai se manifestar depois do episódio ucraniano. A direita cresceu muito, curiosamente, a Marine Le Pen e o Zemmour. As eleições na Hungria foram surpreendentes para mim. O líder de extrema-direita teve uma votação extraordinariamente numerosa, com um domínio imenso do parlamento.

O presidente francês entre os presidentes da Ucrânia e da Rússia. Fotos: Ludovic MARIN / AFP; UKRAINE PRESIDENCY / AFP; Sergei GUNEYEV / SPUTNIK / AFP

CC: Qual a sua impressão sobre a mediação da França na reconstrução do Líbano após a explosão de Beirute?

MA: O Líbano foi uma das invenções francesas. Quando os resíduos do Império Otomano foram redefinidos, houve um inglês e um francês, logo depois da 1ª Guerra Mundial, que criaram estados artificialmente, como o Líbano e o Iraque. Então, a França achava que o Líbano era um pouco seu, porque seria franco-parlante, uma Beirute sofisticada à maneira parisiense. O problema é que o Líbano é mais complicado do que isso.

Eu creio que a França superestima a influência que tem hoje no Líbano. A influência é menor do que ela presume. Embora haja uma afetividade das elites libanesas com a França, os interesses comerciais e geopolíticos fazem com que a distância seja muito grande.

CC: O Brasil precisa se preocupar de alguma forma especial com o resultado da eleição francesa?

MA: Acredito que sim. O Macron tem com o governo brasileiro ressentimentos que serão, eu creio, permanentes. Ele se sentiu ofendido. A França é importante, e o Brasil também. Os dois chefes de Estado não podem se dar o luxo de não levar em conta os interesses dos investimentos, da cultura, da história. Mas a relação não é fluida, nem fácil.

Somos vistos como um país com um governo com o qual eles não têm afinidade. Era uma cumplicidade histórica, desde o século XIX, e não há mais linhas de comunicação eficazes. A França de hoje não tem o Brasil como tinha, no seu coração.

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