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Donald Trump investe no racismo para dividir o eleitorado

Para muitos, presidente dos EUA tenta colar a campanha democrata à defesa dos imigrantes e do ‘socialismo’

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Se o discurso racista de Donald Trump contra quatro deputadas “de cor” teve a intenção de animar seus seguidores mais leais, parece ter funcionado com Clark Smith. “Trump não disse nada”, afirmou o cidadão de 58 anos. “Ele é extremamente antirracista, e digo isso sinceramente. Ele não alimenta qualquer ressentimento racial. Os democratas estão. Eles são todos ligados na política identitária. Trump não se preocupa com raça, ele não se preocupa com religião. Ele se preocupa com os Estados Unidos.”

Smith mora nos arredores de Charlottesville, na Virgínia, cidade que conhece as consequências da instigação racial do presidente melhor do que qualquer outra. Foi aqui que, há quase dois anos, uma marcha de supremacistas brancos e integrantes da Ku Klux Klan armados de escudos, paus e espingardas, ostensivamente para defender uma estátua do general confederado Robert E. Lee, levou a confrontos violentos e à morte de uma manifestante contrária, Heather Heyer.

A alegação de Trump de que havia “gente muito boa de ambos os lados” foi um comentário que viverá na infâmia. Ele acaba de fazer de novo, tuitando que as congressistas progressistas Alexandria Ocasio-Cortez, Ilham Omar, Ayanna Pressley e Rashida Tlaib deveriam “voltar” para seus países. Então, em um comício na noite de quarta-feira 17, Trump novamente atacou Omar, uma cidadã estadunidense nascida na Somália, e permaneceu em silêncio por 13 segundos, enquanto a multidão entoava: “Mande-a de volta! Mande-a de volta!”

Foi um momento esclarecedor sobre as duas faces dos Estados Unidos em 2019. Uma é a de um homem branco de 73 anos que cospe intolerância nativista e se enfurece contra reformas. Outra é a de uma mulher muçulmana de 37 anos que usa hijab, uma refugiada da África eleita deputada, recebida com gritos de “Bem-vinda ao lar, Ilham!” quando retornou a Minnesota.

Clark Smith, morador de Charlottesville, sobre o presidente e as deputadas: “Ele ama os Estados Unidos. Essas mulheres odeiam o país”

Para muitos parece um ponto de inflexão na história. Na revista New Yorker, Susan Glasser escreveu sobre Trump: “Metade do país está horrorizada, mas não sabe ao certo como combatê-lo. A outra metade aplaude, ou ao menos desvia o olhar. É o que parece uma guerra civil política, com palavras, por enquanto, no lugar de armas”.

Smith, um consultor financeiro, sabe de que lado está. “Trump defende os Estados Unidos, e essas quatro mulheres odeiam os Estados Unidos”, disse ele. “Elas querem transformar o país em algo que eu não reconheço. Se fossem um bando de coroinhas brancos, eu diria a mesma coisa. Elas dizem que temos um país racista, mas acho que há muito pouco quebrado nos Estados Unidos hoje.”

Estratégia? Para muitos, Trump tenta colar a campanha democrata à defesa dos imigrantes e do “socialismo”

Intencionalmente ou não, a adoção de políticas de identidade branca por Trump pode funcionar a seu favor no próximo ano. Apenas quatro deputados republicanos votaram a favor de uma resolução para condenar seus comentários. Uma pesquisa da Reuters/Ipsos mostrou que sua aprovação líquida entre os republicanos aumentou em 5 pontos porcentuais, para 72%.

“É uma estratégia brilhante”, disse Smith, que pretende votar em Trump novamente. “Ele está fazendo dessas quatro a cara do Partido Democrata, e o partido não está se distanciando delas. A menos que os democratas se tornem mais realistas sobre o que os Estados Unidos querem e precisam, ele vai destacar isso repetidas vezes.”

Bancada de “raça”. Omar, Pressley, Ocasio e Tlaib são frequentemente ofendidas, mas não se intimidam

Trump baseou sua carreira política em uma teoria conspiratória sobre o local de nascimento de Barack Obama, e viu seus números subirem quando exigiu a proibição da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos. Ele ganhou entre eleitores brancos por mais de 20 pontos e parece estar visando mais alto.

Seus comícios tornam-se eletrificados não quando ele cita conquistas ou ambições, mas quando ele solta tiradas biliosas contra Obama, Hillary Clinton, a correção política e a mídia. O “esquadrão” de quatro congressistas esquerdistas de cor tornou-se seu tema ideal. O quarteto é mais fortemente rejeitado pelos republicanos do que os candidatos democratas em 2020, de acordo com uma pesquisa da Economist-YouGov.

Tyler Sewell, ex-eleitor de Trump: “Tenho vergonha. Gostaria de poder mudar aquele voto”

Tyler Sewell, de 53 anos, sentado em frente ao café Mudhouse Downtown, em Charlottesville, disse que o racismo de Trump foi calculado. “Ele não faz nada sem um propósito”, afirmou. “Ele está mirando essa base, e sabemos o que está dizendo. Ele não teria dito ‘Volte para o lugar de onde veio’ se não tivesse a intenção de mandar os imigrantes de volta a seus países.”

Sewell, que trabalha em mídia digital, votou em Trump em 2016, mas hoje se arrepende amargamente e não o fará novamente. “Ele acha que vai vencer”, disse ele. “Eu não imagino como poderia ganhar desta vez, porque olho para as mulheres republicanas e não conheço uma mulher viva que vá votar nesse homem agora. Muitos dos meus amigos democratas estão aterrorizados. Eles veem os sinais e pensam que Trump vai ganhar. Eu não acho. Acho que ele vai perder. Mas eu tenho vergonha. Gostaria de retirar aquele voto.

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