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Donald “Capone”

Acusado de diversos e graves crimes, o ex-presidente Trump, por enquanto, vira réu por fraude fiscal. Será só o começo?

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Incitação. O republicano posa de vítima, insufla sua base e tenta manter-se no páreo da corrida presidencial – Imagem: Timothy A. Clary/AFP e Giorgio Viera/AFP
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Por muito tempo o ex-presidente Donald Trump misturou o público e o privado. Por anos, rotulou problemas legais pessoais como perseguição política. Escapou de incontáveis escândalos envolvendo-se em outros ainda maiores. Por décadas, conseguiu escapar da Justiça, mas, tal qual Al ­Capone, acabou no banco dos réus por crimes fiscais. São 34 denúncias de falsificação de registros comerciais em primeiro grau. A ponta de lança é um esquema de suborno que, acusa a promotoria de ­Manhattan, em Nova York, teve impacto na vitória nas eleições presidenciais de 2016.

O anúncio de que se apresentaria no Tribunal de Nova York na terça-feira 4 deixou o país em frenesi. Trump foi o primeiro ex-presidente dos EUA a ser indiciado criminalmente. Protelou o quanto pôde sua ida até a cidade natal com a esperança de mobilizar o maior número possível de apoiadores. Bem mais do que eleitores democratas, os nova-iorquinos são sabidamente “anti-Trump”. Nas redes sociais, aliados simulavam enquetes sobre se o republicano deveria se entregar – como se ele tivesse alternativa.

Enquanto a Casa Branca se manteve em silêncio durante os dias que se seguiram, Trump usou sua plataforma Truth Social para atacar o presidente Joe Biden e o Partido Democrata, e ameaçar a promotoria de Nova York, em especial o responsável pelas investigações, o promotor distrital de Manhattan, Alvin Bragg. Bragg, negro, foi chamado de “animal”.

Acompanhado pelos advogados numa carreata coordenada pelo Serviço Secreto, o ex-presidente entrou no tribunal às duas e meia da tarde. A deputada de extrema-direita Marjorie Greene esteve na cidade para acompanhar o processo, mas ficou zangada com a recepção que recebeu. Em entrevista à Fox News disse que Nova York é “nojenta”, “suja”, “repulsiva”. “Eu comparo com o que chamo de Gotham City. As ruas estão imundas, estão cobertas de pessoas basicamente morrendo por causa das drogas. Eles não conseguem nem ficar de pé. Eles estão caindo. Há tanto crime na cidade. Não consigo compreender como as pessoas vivem ali.”

Para ter acesso ao tribunal, os jornalistas formaram uma fila que teve início na manhã do dia anterior. Foram distribuídos ingressos nas cores verde, amarela e branca, mas apenas aqueles que receberam o ticket verde conseguiram entrar. Em frente ao juiz, Trump permaneceu em silêncio, com semblante cansado e apreensivo. Antes da apresentação das denúncias, o magistrado pediu ao advogado do ex-presidente para aconselhar o cliente a abster-se de “fazer comentários ou se envolver em conduta que tenha o potencial de incitar a violência, criar agitação civil ou comprometer a segurança e o bem-estar de quaisquer indivíduos”. O anúncio das 34 acusações, feito na sequência, surpreendeu apoiadores e adversários.

Desde então, o que se sabe é ainda muito pouco. A promotoria disse que não vai divulgar todos os casos, mas escolheu apresentar três. Todos esbarram no mesmo modus operandi que tem histórias, intenção e motivação comuns. O pagamento de 130 mil dólares à atriz de filmes pornô Stormy Daniels pelo então advogado de Trump, Michael Cohen, antes da eleição de 2016, é a ponta do novelo. Isso, porque o ex-presidente reembolsou Cohen não apenas uma vez – e não apenas ele. A promotoria descobriu uma série de pagamentos suspeitos que lhe permitiu chegar ao número total do caso. Enquanto a defesa do republicano negou as imputações e afirma que os pagamentos eram feitos a título de honorários, a acusação acredita que eles são na verdade adulterações de documentos.

Não será fácil, porém, a promotoria de Nova York obter a condenação do ex-presidente

Os outros dois casos citados são da ex-modelo da Playboy Karen McDougal, que também diz ter tido um caso com o empresário, e do porteiro que trabalhou na Trump Tower e afirmou que o líder republicano supostamente seria pai de um filho fora do casamento. Nos dois casos, o ex-presidente teria instruído a revista The National Enquirer a comprar o direito das duas histórias e não as publicar. Para serem consideradas crimes, as 34 acusações devem, no entanto, incluir a intenção de cometer ou ocultar outro crime e até agora não se sabe qual seria. Ainda assim, não há dúvidas de que a promotoria escolheu os três casos para que o júri possa observar o padrão de comportamento do réu.

Do tribunal Trump voou a Palm ­Beach, onde falou para um número modesto e não muito entusiasmado de seguidores. “Eu nunca pensei que algo assim pudesse acontecer na América. Nunca pensei que isso pudesse acontecer. O único crime que cometi foi defender destemidamente nossa nação daqueles que procuram destruí-la.” Trump aproveitou para refutar os outros processos que estão engatilhados contra ele: a interferência nas eleições de 2020, a incitação à insurreição no ­Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e o manuseio dos documentos confidenciais encontrados em Mar-a-Lago em 2022.

A ausência da esposa, Melania, em suas aparições desde que se tornou oficialmente réu fez com que, segundo o ­site Page Six, o ex-presidente de 76 anos implorasse à mulher para acompanhá-lo nos compromissos oficiais da campanha para as eleições presidenciais do ano que vem. Mas, ao contrário de Melania, que cedeu aos pedidos do marido, os eleitores não parecem estar dispostos a apoiar a candidatura do republicano. Segundo uma fresquíssima pesquisa realizada pela ABC News/Ipsos, 48% dos norte-americanos acham que Trump deveria suspender sua campanha presidencial após a acusação. Outros 53% dos entrevistados acham que suas ações foram intencionalmente ilegais e só 20% acreditam que o ex-presidente não fez nada de errado.

Trump sabe que vai caminhar a passos lentos sobre um grande território minado nos próximos meses. É fato que o processo aberto pela promotoria de Nova York está longe de ser um caso fácil para a acusação, sobretudo quando o réu tem um histórico tão escorregadio. Mesmo assim, o ex-presidente precisará controlar o vocabulário e o comportamento nas redes sociais, para não sofrer novos impedimentos judiciais. Na terça-feira 11, Bragg iniciou um processo contra o congressista Jim Jordan, de Ohio, por um “ataque descarado e inconstitucional” à promotoria. A medida, segundo Bragg, é também destinada a impedir que os republicanos tentem interferir ou intimidar a acusação do caso que só deve ser julgado em 2024. •

Publicado na edição n° 1255 de CartaCapital, em 19 de abril de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Donald “Capone” ‘

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