Mundo

Dissidentes cubanos se refugiam em Madri, uma ‘nova Miami’ para opositores latino-americanos

Para os cubanos, ir para os Estados Unidos também se tornou mais difícil. Até recentemente, Washington manteve seu consulado em Havana fechado por mais de quatro anos

O dissidente cubano Julio Lester González mostra o passaporte durante entrevista em 2010 em Madri. Foto: ©AFP/Arquivo / Dominique Faget
Apoie Siga-nos no

Rostos visíveis dos protestos dos últimos anos em Cuba se exilaram em Madri, uma cidade que já se tornou um refúgio para outros opositores latino-americanos, que fizeram da capital espanhola uma nova Miami.

“Miami sempre foi o destino daqueles que sofreram ditaduras desse tipo na América Latina”, mas agora “muitos latino-americanos estão escolhendo a Espanha como destino”, disse à AFP Yunior García, promotor de um protesto frustrado em Cuba no âmbito das históricas manifestações de 11 de julho de 2021.

Como artista e fugitivo “de uma ditadura, entendo que a Espanha seja talvez o lugar natural” e, em particular Madri, onde “se respira boemia quando se anda pelas ruas”, diz o dramaturgo, fundador da plataforma Archipiélago, que convocou a manifestação.

“Em Madri, neste momento, encontramos vários dissidentes, não apenas cubanos, mas também da Nicarágua, Venezuela, de outros países (…), que dedicaram suas vidas a lutar contra o autoritarismo”, relata a historiadora da arte Carolina Barrero, morando na capital espanhola desde fevereiro depois que, segundo ela, as autoridades cubanas deram-lhe 48 horas para deixar o país por participar dos protestos.

Há alguns anos, Madri é destino de dissidentes latino-americanos proeminentes, como os opositores venezuelanos Leopoldo López e Antonio Ledezma, ou os nicaraguenses Sergio Ramírez e Gioconda Belli.

“Madri é a nova Miami, o novo lugar onde tantos hispânicos vieram para fugir da ditadura”, disse o diretor do escritório espanhol do governo conservador da região de Madri, Toni Cantó, em março.

Miami vs. Madri

Muitos latino-americanos se beneficiam da dupla nacionalidade (como Carolina Barrero), alguns chegam com visto e depois pedem asilo (como Yunior García), e outros, principalmente opositores venezuelanos, receberam nacionalidade do governo.

O Executivo espanhol não quis falar sobre o assunto com a AFP.

Em declarações ao Congresso, poucos dias após a chegada de Yunior García em novembro passado, o ministro espanhol das Relações Exteriores, José Manuel Albares, argumentou, por sua vez, que a América Latina é a região mais “eurocompatível” do mundo e que seus habitantes “compartilham nossos valores (e) olham naturalmente para a Europa”.

Para os cubanos, ir para os Estados Unidos também se tornou mais difícil. Até recentemente, Washington manteve seu consulado em Havana fechado por mais de quatro anos. Isso obrigou os cubanos a terem de viajar para um terceiro país para solicitar um visto, em meio ao êxodo migratório nesta ilha que enfrenta sua pior crise econômica em décadas.

Os vistos americanos têm sido um obstáculo, “e a Espanha é uma opção muito boa”, confirma Abraham Jiménez, jornalista que deixou Cuba em janeiro quando obteve um passaporte negado durante anos pelas autoridades.

Ele se estabeleceu em Barcelona, onde trabalha sua companheira, uma cineasta.

Confirmando a tendência, em dezembro passado, o próprio presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, criticou, sarcasticamente, a “miamização de Madri”.

Yunior García compara Miami, coração histórico do exílio cubano no sudeste dos Estados Unidos, e Madri, dizendo que, na primeira, há um “ressentimento” em relação ao regime castrista. Para ele, é “natural”, devido ao sofrimento de milhares de pessoas “que tiveram que partir, aquelas que perderam tudo em Cuba, aquelas pessoas, cujas famílias sofreram a prisão e, às vezes, a morte”.

Já Madri “proporciona paz e tranquilidade”, algo que aprecia.

“Não quero que a raiva e o ressentimento me controlem”, diz o dramaturgo, que, como outros cubanos, começou a tecer redes com nicaraguenses e venezuelanos em Madri, com o objetivo de pensar em soluções para seus países.

Mónica Baró, que deixou Cuba em janeiro de 2021 devido à “perseguição por parte da segurança do Estado”, disse ter desembarcado em Madri, um lugar com a mesma língua e com “uma cultura compartilhada”. Esta cidade conta, acrescenta ela, com uma rede já estabelecida de cubanos, que ajudou-a a “amortecer” os “traumas” que levava consigo.

“Quando você sai como eu saí, você tem a sensação de que enterrou seus pais”, sem saber se voltará a vê-los, desabafou a jornalista.

Cuba é “uma panela de pressão e, cada vez que a panela ganha pressão”, Havana busca aliviá-la com o exílio forçado, afirma o diretor-executivo do Observatório Cubano de Direitos Humanos, Alejandro González Raga, que hoje vive em Madri.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo