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Dez perguntas que a Otan enfrenta no combate ao Estado Islâmico

David Cameron diz que os militantes do Estado Islâmico são uma ameaça direta ao Reino Unido e Barack Obama prometeu “destruí-los”

Soldado curdo das forças peshmerga durante batalha contra homens do Estado Islâmico em Mount Zardak, no Iraque na terça-feira 9. Curdos estão sendo apoiados por potências ocidentais
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Por Simon Tisdall

1. Bombardear ou não?

David Cameron usou o período de aproximação à cúpula da Otan em Gales para concentrar a atenção na ameaça do Estado Islâmico (EI). O primeiro-ministro do Reino Unido deixou uma clara impressão de que a Grã-Bretanha está perto de lançar ataques aéreos no norte do Iraque coordenados com os americanos, que já praticam ataques limitados. Em Westminster, os líderes do Partido Conservador começaram a avaliar as opiniões sobre a ação militar. Pesquisas sugeriram que a maioria do público britânico apoiaria uma campanha de bombardeios aéreos, embora os homens fossem mais entusiastas que as mulheres. Mas os objetivos e as intenções de Cameron continuam vagos e cheios de condições. Ele quer ver um novo governo unificado em Bagdá, que inclua os xiitas, sunitas e curdos, antes que a Grã-Bretanha se comprometa. Ele quer um apoio aberto, e de preferência ajuda prática, de importantes países da região como a Arábia Saudita e o Catar (que anteriormente financiaram rebeldes sírios). Ele também salienta o papel da liderança em campo das forças peshmergas curdas, para as quais a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha e outros países prometeram fornecer armas e equipamentos. Cameron não parece ter compreendido que o objetivo muito limitado dos curdos é garantir seu próprio território no nordeste, e não a pacificação mais ampla do cinturão muçulmano sunita no Iraque.

2. A campanha poderia se estender à Síria? A cooperação do presidente Bashar al-Assad seria necessária?

Cameron e o presidente americano, Barack Obama, deixaram sem resposta a pergunta chave sobre se uma campanha militar intensificada perseguiria o EI além do Iraque, em seus enclaves em Raqqa e outros lugares no nordeste da Síria. Na semana passada, Cameron descreveu o governo do presidente Assad em Damasco como “ilegítimo”, com o que implicou que a Grã-Bretanha e os EUA poderiam agir na Síria com impunidade. Mas essa posição é legalmente questionável, já que Assad ganhou recentemente eleições (que teriam sido altamente manipuladas) e que as facções rebeldes divididas não constituem um governo alternativo. A Rússia, aliada de Assad, provavelmente evitaria qualquer tentativa de conquistar a autorização da ONU para ataques aéreos. E Assad pode utilizar sofisticados sistemas de defesa aérea e aviões de combate feitos na Rússia.

3. E sobre colocar tropas em terra?

Analistas do Pentágono seriam da opinião de que o EI só será permanentemente suprimido por uma ação sustentada por tropas em terra, ocidentais ou locais ou uma mistura de ambas, cuja tarefa seria fisicamente tomar o controle das áreas hoje ocupadas pelo “califado” do EI. A experiência no Afeganistão (depois de 2001), no Iraque (depois de 2003) e na Líbia (depois de 2011) certamente sugere que o poder aéreo somente, mesmo que não seja revidado, não pode obter uma vitória nítida e duradoura. Mas não há qualquer apetite nos EUA ou na Grã-Bretanha, tão cedo depois do fim da ocupação de oito anos no Iraque, que deixou profundas cicatrizes, para a retomada de uma mobilização em grande escala de tropas em terra no Oriente Médio. Mesmo que fosse considerada desejável, não haveria capacidade, diante da retirada ainda incompleta da Otan do Afeganistão e das novas exigências apresentadas pela “força de reação rápida” imaginada para o Leste Europeu em reação à intervenção militar da Rússia na Ucrânia.

4. Existe uma alternativa à ação em grande escala?

Um caminho mediano poderia ser seguido envolvendo a inserção temporária e rápida de forças especiais britânicas e americanas, trabalhando com as forças peshmerga curdas e um exército iraquiano reabilitado e apoiado por caças-bombardeiros e drones, cujos ataques visariam romper e desmoralizar a estrutura de comando do EI. Mas é improvável que essa ação conjunta, que seria extremamente problemática, tivesse um impacto duradouro ou definitivo.

5. “Cooperação regional reforçada” tornou-se a frase da semana. O que ela significa — e como poderia derrotar o EI?

Muita atenção se concentra hoje na construção de alianças em toda a região, incluindo com países antes banidos pelo Ocidente, com o objetivo de isolar e aniquilar o EI. O mais notável e potencialmente importante desses avanços é o aquecimento das relações EUA-Irã. Reconhecendo a ameaça comum representada pelos extremistas sunitas do EI, o Irã, que é majoritariamente xiita, não fez objeção aos ataques aéreos americanos no Iraque. Também se uniu a Washington para forçar a renúncia do primeiro-ministro xiita do Iraque, Nouri al-Maliki, a favor de uma figura menos divisora. O Irã iniciou negociações sobre questões de segurança com sua grande rival, a Arábia Saudita. Os EUA, por sua vez, parecem estar removendo todos os obstáculos para alcançar um acordo de compromisso final com o Irã sobre seu programa nuclear até novembro. Um acordo nuclear poderia liberar o caminho para um envolvimento bilateral e a cooperação no Iraque e na Síria, onde o Irã atualmente apoia Assad, e o fim da ameaça desestabilizadora de Israel atacar o Irã.

6. E sobre o mundo em geral?

Apesar do confronto sobre a Ucrânia, as potências ocidentais têm um interesse comum com Moscou de combater o extremismo islâmico. Essa realidade foi salientada na semana passada por um vídeo em que combatentes do EI zombavam do presidente Vladimir Putin e prometiam “libertar” a Chechênia e todo o Cáucaso russo, predominantemente muçulmano. Enquanto isso, republicanos no Congresso em Washington querem uma ação militar abrangente não apenas contra o EI, mas também a Frente Nusra na Síria, a al-Shabaab na Somália e o Boko Haram na Nigéria.

Uma coincidência semelhante de interesses estratégicos surge em relação aos líderes do Golfo, cada vez mais alarmados diante da ameaça dos radicais a sua hegemonia doméstica, e do Egito, o líder tradicional do mundo árabe. Tendo derrubado o governo da Fraternidade Muçulmana que substituiu o regime de Hosni Mubarak, o governo dominado pelos militares do ex-general Al Sisi no Cairo parece ávido para assumir a liderança na contenção do extremismo regional. Relatos recentes não confirmados sugerem que ele ajudou em um bombardeio de longo alcance contra facções islâmicas por aeronaves dos Emirados Árabes Unidos.

No encerramento da cúpula, o secretário de Estado americano, John Kerry, anunciou a criação de uma “coalizão central” de dez países comprometidos a combater o EI. Mas, em um sinal de como a cooperação reforçada pode ser difícil, o novo grupo não inclui países árabes e só um dos vizinhos do Iraque, a Turquia. Novas negociações sobre expandir a coalizão ocorrerão no final deste mês na ONU. Atualmente, a maior parte do apoio vem da Europa, principalmente da Grã-Bretanha, França, Alemanha, Dinamarca e Polônia, mais países do “velho império”, Canadá e Austrália.

Obama, que foi criticado na semana passada por admitir que não tinha uma estratégia contra o EI, disse na Otan que sua abordagem seria semelhante à utilizada contra a Al Qaeda. “Inicialmente você os empurra para trás, degrada sistematicamente suas capacidades, estreita seu âmbito de ação, lentamente encolhe seu espaço, o território que eles podem controlar, elimina sua liderança… e com o tempo eles não poderão conduzir o mesmo tipo de ataque terrorista que antes podiam.” Mas ele só lamentou que derrotar o EI assim seria um processo em longo prazo.

7. O que essas medidas poderiam significar para o futuro da região?

Analistas sugerem que esses e outros esforços – envolver-se mais profundamente e coordenar-se com potências regionais como a Turquia e Estados moderados pró-ocidentais como a Jordânia – poderiam em última instância produzir uma “grande barganha”, criando uma nova ordem no Oriente Médio apoiada pelos EUA, a Rússia, o Irã e as monarquias sunitas do Golfo. Sua principal razão de ser seria o esmagamento do extremismo islâmico onde quer que se encontre e vencer o cisma sunita-xiita.

Por outro lado, essa reforma drástica poderia ressuscitar a desacreditada “guerra global ao terror” de George W. Bush e escalar o confronto violento com o islamismo radical. Outro empecilho chave continua sendo o regime Assad. Cameron e Obama disseram que não aprovarão qualquer tipo de acordo com o líder sírio, que acusam de crimes de guerra. Mas um número crescente de comentaristas militares e diplomáticos acredita que uma acomodação permitindo que Assad permaneça no poder em troca de sua ajuda, embora fosse desprezada por muitos, é inevitável para derrotar a ameaça relativamente mais perigosa representada pelo EI.

8. O EI pode ser derrotado por dentro?

O EI foi descrito como o grupo terrorista mais rico do mundo, com uma receita mensal de aproximadamente 8 milhões de dólares. Seus fundos viriam de ricos doadores árabes sunitas que compartilham sua ideologia fundamentalista, do dinheiro de impostos e proteção obtido nos territórios que ele controla, de bancos do governo no norte do Iraque capturado e da venda de petróleo por meio de intermediários inescrupulosos. Milhões de dólares também foram obtidos com o resgate de reféns. Em Raqqa e outros lugares, o EI estabeleceu estruturas de governo entrincheiradas e financiadas por sua grande receita. Para colocar o EI de joelhos, segundo se afirma, devem-se encontrar meios, principalmente por governos árabes, de cortar ou sequestrar esse fluxo de dinheiro.

9. Há lições a se tirar da história recente do Iraque?

Como aconteceu durante o chamado “despertar sunita” no Iraque em 2007, a chave pode estar nas tribos árabes sunitas cuja alienação pelo governo de Al Maliki em Bagdá as levou a acatar a insurreição do EI na última primavera [do hemisfério norte]. Agora que Maliki partiu e os interesses sunitas provavelmente serão melhor representados, pode ser que os líderes tribais (que supostamente deploram os excessos dos extremistas e não compartilham as ambições grandiosas de um califado) sejam incentivados a se virar contra o EI, exatamente como fizeram com a Al Qaeda em 2007. Uma solução “local” desse tipo, que arrasasse a governança do EI, seus esquemas de administração e geração de dinheiro, assim como suas bases militares, teria maior probabilidade de durar do que um imposto pela intervenção militar ocidental.

10. O que se pode fazer para resgatar reféns ocidentais nas mãos do EI?

Cameron leu a lei de insurreição para outros líderes na cúpula da Otan, insistindo que pagar o resgate só encoraja a tomada de reféns e aumenta a ameaça à segurança de países como a Grã-Bretanha. Os objetos de sua ira incluíam os governos francês e italiano, que teriam concordado em comprar os sequestradores com grandes somas de dinheiro. A posição rígida de Cameron, embora com princípios, juntamente com a aparente ausência de qualquer negociação ou mesmo um canal de negociações, poderá aumentar a probabilidade de que o EI realize sua ameaça de assassinar o refém britânico David Haines, depois de ter decapitado dois jornalistas americanos. Mas isto não precisa acontecer; o EI não parece querer dinheiro. Seus vídeos exigem sobretudo o fim dos bombardeios dos EUA. Se a Grã-Bretanha se unir a esses ataques, a vulnerabilidade dos reféns britânicos poderá aumentar. O resgate dos reféns por forças especiais foi tentado pelos EUA alguns meses atrás, mas não conseguiram localizá-los. A menos que se obtenham melhores informações em campo, qualquer tentativa repetida parece ter pouca probabilidade de êxito. Supervisionados por Cameron, todos os braços e ramos da segurança britânica estão concentrados em salvar Haines, se isso for possível.

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