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Desafios do Podemos

Discutir o domínio do poder econômico sobre as decisões políticas, algo de que partidos tradicionais se esquivam, talvez seja um de seus principais trunfos

Cartum postado pelo Podemos no Facebook
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As eleições regionais e municipais ocorridas na Espanha no final de maio mudaram o panorama político do país e mostraram que o Podemos, movimento que emergiu das manifestações que levaram milhares de cidadãos às ruas em 2011, veio para ficar.

Além de eleger as prefeitas de Madri e Barcelona, cidades que estarão sob o comando da juíza aposentada Manuela Carmena e da ativista antidespejos Ada Colau, a nova organização política rompeu com o bipartidarismo representado pelo Partido Popular (PP) e pelo Partido Socialista (PSOE) e arrebanhou cerca de 20% do total de votos.

Das novas forças políticas democráticas surgidas recentemente, tanto no campo do centro quanto da esquerda, o Podemos é das que têm atraído maior atenção. Isso porque mais do que se apropriar do fácil discurso do “um novo jeito de fazer política”, o movimento talvez seja a forma mais cristalizada de organização político-partidária representativa de um ideário surgido com os protestos que sacudiram a Europa nos últimos anos, contrários principalmente às políticas de austeridade adotadas como resposta à crise financeira internacional.

Se fizermos um paralelo, pode-se dizer que a estrutura do Podemos é muito semelhante à do PT do início da década de 80, ou seja, um partido resultante da confluência de movimentos sociais, sindicais e operários, constituído por vários agrupamentos e tendências ideológicas de esquerda, trotskistas, anarquistas, socialdemocratas, abraçado por intelectuais e figuras políticas vindas de outros partidos.

A principal novidade trazida pelo Podemos, no entanto, é a sua forma extremamente democrática de se organizar, que questiona aspectos centrais da democracia, como, por exemplo, a própria ideia de representação. Para se ter uma ideia, as medidas mais urgentes a serem implantadas na gestão da nova prefeita de Madri – e que dizem respeito a questões concretas como a geração de empregos para os jovens e a garantia de serviços básicos de água e luz para as pessoas que não podem mais pagar por eles – foram apontadas em um processo de votação aberto a toda a população.

Essa característica traduz, de certa forma, o anseio da juventude de transformar em algo mais vivo e verdadeiro a relação entre representados e representantes, ou até mesmo de extinguir a representação em algumas dimensões, trazendo elementos de democracia direta para as formas de organização política.

Afinal, em um mundo em que as pessoas se comunicam com tamanha velocidade e estão cada vez mais integradas por meio da internet, é possível imaginar que ao menos uma parte das decisões públicas possa, no futuro próximo, ser adotada sem representação. Para os jovens desse século, aliás, habituados a um sistema interativo de comunicação, a estruturas não hierárquicas e a se relacionar em rede, a ideia de delegar a alguém o poder para falar por si e a espera decisória que o sistema de representação impõe não fazem o menor sentido.

Além disso, há, no mundo todo, não apenas entre os jovens, uma grande insatisfação com o dogma da representação, porque se percebe que boa parte dos representantes eleitos passa a defender seus interesses particularistas e os daqueles que os financiam em detrimento do interesse público e coletivo.

O Podemos, além de simbolizar, de certa maneira, o imaginário de uma esquerda que se articula em rede, se organiza politicamente por meio de estruturas não hierárquicas e questiona as formas de representação, é contrário e não aceita financiamento de empresas privadas, questionando a relação entre poder político e econômico.

Discutir o domínio do poder econômico sobre as decisões políticas, algo de que partidos tradicionais se esquivam, talvez seja um dos principais trunfos do Podemos e de qualquer movimento político realmente democrático atualmente.

A disputa entre os dois modelos de organização político-econômica dominantes no século XX, o chamado socialismo real e o neoliberalismo, demonstra que tanto a centralização do poder econômico pelo poder político quanto a do poder político pelo poder econômico resultam em desequilíbrio social.

Hoje, as decisões que afetam diretamente a vida dos cidadãos partem mais dos conselhos de administração dos grandes bancos e corporações do que dos parlamentos. Ao sinalizar que está disposto a colocar em xeque o domínio do poder econômico sobre as decisões políticas, o Podemos dialoga com a indignação dos movimentos sociais e dos trabalhadores que perderam seus empregos e viram seus direitos serem suprimidos, enquanto a Troika socorria os bancos e as grandes instituições financeiras.

O desafio dessa jovem organização será conseguir concretizar esse imaginário de esperança de transformação da política em um espaço mais ético e participativo, de melhoria das condições de vida e de igualdade. Vamos ver se conseguirá traduzir no âmbito possível de seus governos, com as contradições que a política e o exercício do poder têm, esse imaginário libertário que representa. Não é pouca coisa.

* Pedro Estevam Serrano é advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP e pós-doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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