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Depois da Escócia, é a vez da Catalunha fazer seu referendo

Antes do voto não compulsório sobre a independência, no mês que vem, a campanha do “não” é praticamente invisível nas ruas da cidade espanhola

Estudantes usando máscaras protestam contra a corte espanhola que impede o referende catalão
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Por Emma Graham-Harrison

Carles Castillo não pode vencer. Na Catalunha, o falante político local é considerado um frágil e um traidor por se opor à independência total; no resto da Espanha, ele é condenado um violento separatista por querer um pouco mais de autonomia.

“Sinto-me bombardeado pelos dois lados”, diz Castillo, passando pelo bairro portuário de sua amada cidade natal, Tarragona, onde faz questão de mostrar o anfiteatro romano, a frota de barcos pesqueiros e o porto movimentado.

O sentimento separatista cresce rapidamente na Catalunha, e chegou a uma febre com a perspectiva do referendo em 9 de novembro, apesar de os resultados não serem compulsórios e a consulta estar tecnicamente em suspensão enquanto o Tribunal Constitucional Nacional decide se é legal. Em muros e cercas nas cidades de província e em faixas no coração de Barcelona, grafites em catalão exigem “Liberdade para a Catalunha”. Em setembro, mais de 1,8 milhão de pessoas compareceram a um protesto a favor da independência.

Os ativistas que coletam dinheiro em uma “caixa de resistência” transformaram a Plaça de Catalunya em Barcelona em um local para shows e reuniões, e as sacadas de toda a região estão enfeitadas com as faixas vermelhas e amarelas da bandeira regional da Catalunha.

Esse fervor público foi acompanhado de um endurecimento da oposição já rígida de Madri a qualquer mudança no estatuto da Catalunha, deixando um abismo perigoso de incompreensão entre os dois lados, e os moderados como Castillo se sentem desprezados por todos.

O apoio à independência mais que duplicou desde o início da crise econômica. Mesmo assim, pesquisas mostram que mais da metade dos catalães ainda apoiam a situação atual com uma versão mais forte de autonomia, sem chegar a sair completamente do Estado espanhol. Mas há poucas evidências públicas desses eleitores. E quase não há sinal de um equivalente catalão à campanha Melhor Juntos, da Escócia — nada de cartazes, shows ou doadores importantes. Alguns adversários da independência temem que, como o debate está tão polarizado, uma grande fatia da população esteja sendo intimidada a guardar silêncio.

O escritor best-seller catalão Javier Cercas escreveu em um artigo recente para o jornal espanhol “El País”: “É possível que recentemente na Catalunha tenhamos vivido uma espécie de totalitarismo ‘suave’… a ilusão de unanimidade criada pelo temor de expressar a discordância”.

Cercas ficou famoso com Soldados de Salamina, um livro sobre a Guerra Civil espanhola, e talvez por causa de sua pesquisa da turbulenta história do país ele considera a independência uma aposta perigosa. “Eu gosto de aventuras em filmes e livros, não na política”, disse ele no passado.

A aliança pró-independência que lidera o governo regional nega que seus opositores estejam sendo abafados. “Algumas pessoas falam de medo, outras de vergonha, mas esse não é o problema. Temos um respeito absoluto pelas pessoas”, disse Josep Rull, coordenador-geral do partido Convergència i Unió. Ele salientou que o governo pediu o referendo de novembro para dar voz a todos os catalães, e respeitaria uma rejeição da independência, assim como fez a Escócia. “A única maneira de descobrir se temos uma maioria silenciosa é fazer uma votação”, disse ele, sentado em seu imponente escritório no Parlamento regional, um edifício do século 18 que dá para um parque luxuriante.

Rull disse que seu partido está decidido a seguir com a consulta, mesmo que isso signifique desafiar o Tribunal Constitucional da Espanha, que ele considera tendencioso. “Em 9 de novembro, acredito que de uma maneira ou de outra haverá urnas de votação.”

Se a votação ocorrer, poderá reforçar a pequena e fragmentada oposição. Talvez porque só esteja se mobilizando agora, parece haver pouca consciência de como a campanha Melhor Juntos conseguiu a vitória na Escócia. Para os que não têm medo de se manifestar, não há cartazes para colocar nas janelas ou desenhos a copiar em faixas. Não há pessoas viajando de outras partes da Espanha para pedir que os catalães fiquem, e ativistas zombaram da ideia de uma marcha da solidariedade em Madri como o Vamos Continuar Juntos que atraiu milhares de pessoas em Londres.

O único grupo proeminente anti-independência é a Societat Civil Catalana, organização estabelecida oficialmente apenas este ano. Um membro fundador, Rafael Arenas, professor de direito na Universidade Autônoma de Barcelona, disse que até recentemente não parecia necessário fazer campanha.

“Uma parte da população sempre foi pró-independência, mas a maioria das pessoas sentia que era um grupo minoritário e que jamais alcançaríamos de fato o ponto de secessão. Isso mudou em 2012, quando o presidente do Parlamento regional declarou seu apoio à independência. Não se pode dizer que é marginal quando você tem o apoio de instituições do governo. As coisas mudaram radicalmente.”

Arenas já tocava no tema da independência em blogs no passado, advertindo sobre os riscos econômicos e que uma Catalunha independente poderia ficar isolada fora da União Europeia — algo que os grupos pró-independência contestam. Então, amigos sugeriram que o próximo passo lógico seria formar um grupo para unir os catalães que quisessem continuar como parte da Espanha.

Ele diz que os adversários são sempre educados e, embora receba agressões online, as minimiza: “É para isso que serve a mídia social”. Mas admite que alguns têm medo de se declarar. “Não posso dizer se é justificado ou não, mas tive um colega de escritório que recentemente disse ‘Concordo com você, mas não posso me manifestar’.”

Talvez por causa disso, o progresso é lento. No Dia da Catalunha, no mês passado, um feriado em que Barcelona ficou cheia de manifestantes pró-independência, apenas alguns milhares aderiram a um desfile a favor da união em Tarragona, organizado pela Societat Civil Catalana. Castillo estava entre a pequena multidão, equilibrando seus temores sobre extremistas de direita que poderiam participar com sua convicção de que precisava assumir uma posição quando tão poucos o faziam. “Eu tinha minhas dúvidas. Não gosto de marchar ao lado de fascistas. Mas, afinal, decidi que tinha de mergulhar.”

Para ele, o resto da Espanha é muito mais que o governo de Madri. Seus pais não nasceram na Catalunha, ele passava as férias na infância com parentes próximos no sul e sente uma forte ligação com o lar de heróis como o poeta Federico García Lorca, morto pelos nacionalistas pró-Franco durante a Guerra Civil. “Tenho laços familiares e emocionais com a Espanha. Acredito que existe outra Espanha por trás desta que vemos, uma Espanha progressista de esquerda que talvez tenha estado mais silenciosa, mas está lá. Parece-me muito egoísta deixar essa Espanha sozinha.”

O apoio de outras partes do país aos catalães que querem permanecer na união foi marcado por sua ausência. Não houve nada parecido com os apelos ingleses feitos aos eleitores escoceses. A única voz espanhola ouvida na Catalunha é a do governo de Madri, que parece não notar o crescimento dos sentimentos pró-independência, do mesmo modo que os políticos de Westminster não perceberam a mudança de opinião escocesa até pouco antes do referendo. “Tudo o que recebemos são ameaças”, disse Rull.

Os catalães dizem que seus governantes distantes são paternalistas e indiferentes, citando o ministro da Educação, que pediu a “hispanização” da educação na região, o que para alguns se pareceu muito com as proibições da era franquista à língua e até a nomes próprios catalães.

“Toda vez que [o primeiro-ministro] Mariano Rajoy abre a boca, 200 catalães aderem à causa separatista”, disse Castillo. “Se as coisas continuarem assim, eu mesmo posso me imaginar sendo pró-independência.”

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