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Democratas tentam conter a euforia diante da grande vantagem de Biden

EUA estão muito polarizados para um candidato ter 14 ou 16 pontos de vantagem, diz o analista político Larry Sabato

Joe Biden
Biden está em alta nas pesquisas e, a se acreditar nos números, caminha para uma vitória significativa daqui a três semanas. Foto: ROBERTO SCHMIDT / AFP Biden está em alta nas pesquisas e, a se acreditar nos números, caminha para uma vitória significativa daqui a três semanas. Foto: ROBERTO SCHMIDT / AFP
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*Por Chris McGreal

Quando as primárias presidenciais democratas chegaram ao fim, na primavera, Laura Hubka perguntou-se como iria vender Joe Biden aos eleitores em seu canto na zona rural de Iowa, no centro-norte dos Estados Unidos. Hubka, uma tecnóloga de ultrassom e presidente dos democratas no condado de Howard, lamentou que o partido tivesse preterido vários candidatos mais inspiradores, mais jovens e originais, em favor de um político decadente que passou do apogeu. Pessoalmente, ela apoiou Pete Buttigieg, o ex-prefeito de Indiana, jovem e gay. Ela não conseguia ver como um candidato tão pouco inspirador como Biden atrairia apoiadores do atual presidente em uma parte de Iowa que passou com força de Barack Obama para Donald Trump quatro anos atrás. Ela silenciosamente se preparou para mais uma derrota.

Meses depois, Biden está em alta nas pesquisas e, a se acreditar nos números, caminha para uma vitória significativa daqui a três semanas, para pôr fim à presidência mais tumultuada dos tempos modernos. O apoio ao ex-vice-presidente aumentou nos últimos dias, à medida que a Casa Branca escorrega da crise para o desastre. Os democratas ousam ter esperança de superar o pesadelo da derrota eleitoral de quatro anos atrás, quando todas as pesquisas diziam que Hillary Clinton venceria. Biden está até 16 pontos à frente em nível nacional depois do comportamento ridículo de Trump no debate presidencial mais indigno da história e sua atitude de desprezo pela saúde alheia depois que ele contraiu o coronavírus. De repente, estados essenciais como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin parecem seguros para Biden. Outros que pareciam estar além de seu alcance, como Flórida e Iowa, e talvez até redutos republicanos como Texas e Geórgia, são competitivos.

Mas Hubka não tem certeza se acredita nas pesquisas. “Não quero acreditar em nenhuma delas e também não quero que ninguém acredite. Não quero que as pessoas fiquem em casa e não votem, como quando pensaram que Hillary Clinton estava 15 pontos à frente”, explicou. “Eu realmente acho que alguns podem ter desculpado Trump, mas se sentem um pouco mais envergonhados ou um pouco mais inclinados a votar em Joe Biden. Mas, aqui onde eu vivo, não sinto que haja uma vantagem de 14, 15 pontos. Ele não está tão à frente.”

Pesquisas seguidas dizem, porém, que Biden está na liderança, com seus números a aumentar constantemente entre os eleitores que rejeitam os atos de Trump. Uma pesquisa da Universidade Franklin Pierce mostrou nos últimos dias que, longe de gerar simpatia, o fato de o presidente contrair a Covid-19 precipitou um colapso em seu apoio. Dias antes, Biden tinha cinco pontos de vantagem sobre Trump. Após o diagnóstico, o ex-vice-presidente subiu para 55%, enquanto o presidente caiu para 34%.

Outras pesquisas refletem essas conclusões. Crucialmente, Biden tem uma vantagem de 12 pontos entre os eleitores independentes que decidirão a eleição nos principais estados oscilantes.

Por tudo isso, o analista político Larry Sabato acha que Hubka acerta ao ser cautelosa. A posição de Biden, avalia, seria muito mais fraca se não fosse o tratamento caótico e arrogante dado pelo presidente à pandemia que causou 215 mil mortes e provavelmente levará a mais dezenas de milhares até o dia da eleição. Mas, segundo ele, as pesquisas não refletem o que acontecerá quando os votos forem contados. “Ele não conta com 14 ou 16 pontos de dianteira. Sem chance. Estamos polarizados demais para tanto. O que aconteceu foi que muitos apoiadores de Trump ficaram desanimados após o debate e após sua hospitalização, e simplesmente não quiseram participar das pesquisas. Aconteceu antes. Por isso, acho que Biden vai ganhar provavelmente por uma margem saudável. Mas nada como os números atuais sugerem. É um pico momentâneo”, afirma Sabato, diretor do Centro para Política da Universidade da Virgínia.

Os organizadores da eleição no Partido Republicano reconheceram há meses que ela se configurava como um referendo sobre o modo como Trump lidou com o coronavírus, e ele não recebia um julgamento favorável. Sabato acredita que, embora o coronavírus tenha sido a chave para a ascensão de Biden, não é o único fator em um ano cada vez mais desastroso para o presidente. “A Covid mudou tudo. Em 1º de janeiro, a maioria na minha área acreditava que Trump era o favorito. A economia estava em alta. Ele era o titular. Poderia levar todo o crédito, como os titulares sempre fazem, mesmo que não tenham nada a ver com o impulso econômico. Os democratas estavam desanimados”, descreve. “Depois veio a pandemia e o colapso econômico. Depois, os tiros da polícia contra negros e a incrível irresponsabilidade de Donald Trump e seus principais associados que resultou em uma célula de Covid na Casa Branca. O debate foi um desastre completo para Trump. Isso é carma, diriam alguns.”

Os partidários de Trump habitualmente descartam as pesquisas cada vez mais alarmantes para seu líder como defeituosas ou fraudulentas, e afirmam que Biden não se sai melhor do que Hillary Clinton, que obtinha números semelhantes e ainda assim perdeu a eleição. “Não é verdade”, diz Sabato. “Biden está se saindo muito melhor que Clinton, principalmente porque ele não desperta as emoções negativas de Hillary. Algumas delas eram apenas preconceito de gênero, mas grande parte era pela personalidade dela e antipatia pelos Clinton. Então eu acho que Biden está numa posição muito melhor. Ele é relativamente inofensivo.”

Outras tendências subjacentes nas pesquisas parecem favorecer Biden. Houve mudança significativa para o ex-vice-presidente entre os eleitores mais velhos, alguns deles recuando diante do desrespeito de Trump pelo decoro do cargo. Pela primeira vez em ao menos duas décadas, a maioria dos eleitores com mais de 65 anos apoia um democrata para presidente, com Biden conquistando 60% das intenções de voto. As mulheres também mudaram para Biden em números significativos. Ele detém enorme margem de 27 pontos entre as eleitoras, quase o dobro de Clinton há quatro anos. Biden ganha até mesmo entre os homens de meia-idade que preferiam Trump em 2016. O apoio entre os eleitores negros é forte como sempre aos candidatos democratas, mas o principal será atrair os afro-americanos às urnas, pois grande número ficou em casa quando Clinton disputou.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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