Mundo
Das mansões para as florestas
Taxar os muito ricos seria um caminho para financiar o combate às mudanças climáticas


As propostas para a aplicação de um imposto sobre as fortunas dos super-ricos do mundo poderiam render 250 bilhões de dólares (o equivalente a 1,4 trilhão de reais) por ano para enfrentar a crise climática e combater a pobreza e a desigualdade e afetariam apenas um pequeno número de famílias bilionárias, segundo a chefe da agência de mudança climática do Brasil.
Ministros do G-20, grupo das maiores economias desenvolvidas e emergentes do mundo, reunidos no Rio de Janeiro, discutiram, entre outros itens, a proposta brasileira de um imposto de 2% sobre a riqueza daqueles que possuem ativos avaliados em mais de 1 bilhão de dólares. Nenhum governo se manifestou contra o imposto, afirmou Ana Toni, secretária nacional para Mudanças do Clima, ligada ao Ministério do Meio Ambiente do presidente Lula. “Nossa sensação é de que, moralmente, ninguém é contra”, disse a The Observer numa entrevista. “Mas o nível de apoio de alguns países é maior que o de outros.”
A falta de oposição declarada não significa, no entanto, que a proposta de tributação provavelmente será aprovada. Muitos governos são céticos em particular, mas não estão dispostos a criticar em público um plano que cortaria uma pequena parte da riqueza acumulada rapidamente pelos poucos mais ricos do planeta e arrecadaria fundos para lidar com a urgente emergência climática global. Janet Yellen, secretária do Tesouro dos Estados Unidos, disse a jornalistas no Rio que seu país “não vê a necessidade” de uma iniciativa global. “As pessoas não estão interessadas em impostos globais”, admitiu Toni. “E há uma questão sobre como implementá-los.” Cobrar e aumentar um imposto globalmente, avalia a secretária, é possível, como foi demonstrado pelo acordo dos ministros das Finanças do G-7 para uma taxação corporativa mínima de 15%. “Deveria ser em nível global, pois senão, obviamente, os ricos vão se mudar de um país para outro”.
Apenas cerca de cem famílias em todo o mundo seriam afetadas pela taxa proposta de 2%, acrescentou Toni. O 1% mais rico do mundo acrescentou 42 trilhões de dólares à sua riqueza na última década, aproximadamente, 36 vezes mais do que a metade inferior da população mundial.
A questão de como os fundos arrecadados por essa tributação deveriam ser gastos também não foi resolvida, observou a brasileira. Segundo alguns economistas, haveria maior probabilidade de aceitação da ideia se os fundos obtidos fossem destinados à solução da crise climática do que se usados para combater a desigualdade global. Para outros especialistas, ao menos parte do dinheiro deveria ser usada para aliviar a pobreza.
Um imposto global sobre as grandes fortunas renderia 250 bilhões de dólares por ano
Toni esteve em Londres na sexta-feira 26 para uma reunião convocada pelo secretário de Energia, Ed Miliband, com os anfitriões das próximas duas cúpulas climáticas da ONU, Brasil e Azerbaijão. O Brasil sediará a conferência COP-30 na cidade amazônica de Belém do Pará em 2025, enquanto a COP-29 ocorrerá durante duas semanas, em novembro próximo, em Baku, capital do Azerbaijão. Miliband encontrou-se com Toni e Mukhtar Babayev, presidente da COP-29, na Lancaster House, em Londres, juntamente com Alok Sharma, o ex-ministro britânico conservador que presidiu a conferência COP-26 em Glasgow, em 2021. Depois, eles se juntaram ao rei Charles III para uma recepção de líderes climáticos e empresariais na Clarence House.
Miliband confirmou na reunião que a contribuição do Reino Unido à ajuda climática de 11,6 bilhões de libras (cerca de 84 bilhões de reais) para o mundo em desenvolvimento até 2026 será mantida. O governo anterior havia considerado renegá-la. Grupos da sociedade civil no Sul Global aplaudiram o anúncio. Mas Toni disse que o Reino Unido deveria ir além e apresentar um plano novo, mais rigoroso, para reduzir as emissões.
Pelo Acordo de Paris de 2015, todos os países são obrigados a apresentar novos planos de redução de carbono, conhecidos como contribuições nacionalmente determinadas (NDCs na sigla em inglês), no início do próximo ano, bem antes da COP-30. Toni apontou para a última COP, em Dubai, em dezembro passado, quando os países concordaram com uma “transição para abandonar” os combustíveis fósseis, a fim de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais. Ela elogiou os planos trabalhistas de parar de licenciar novos campos de petróleo e gás no Mar do Norte. “Todos decidimos, juntos, a transição para abandonar os combustíveis fósseis e esta é a hora de implementar o que dissemos. Os países desenvolvidos precisam liderar o caminho. Parar de financiar a extração de petróleo e gás é o primeiro passo”, afirmou.
O Brasil tem expandido sua produção de petróleo e gás e Toni argumentou que as nações mais pobres deveriam ter permissão para continuar a produzir e usar combustíveis fósseis por mais algum tempo, enquanto os países desenvolvidos deveriam restringir o seu consumo. “Toda renda para alguns países em desenvolvimento é vital demais”, avalia. “Para algumas economias, é sua única renda. Então, precisamos pensar em como essa transição aconteceria.”
O Reino Unido poderia auxiliar com sua expertise em finanças, acredita a brasileira. “Precisamos colocar todas as nossas mentes criativas nisso. O Reino Unido é especialmente criativo em finanças. Estamos ansiosos para trabalhar com o governo do Reino Unido em um novo mecanismo financeiro para enfrentar o clima, mas também para preservar a natureza.” •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1322 de CartaCapital, em 07 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Das mansões para as florestas’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.