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CumEx: fraude bilionária custa 55 bilhões de euros a países europeus

Com a conivência de grandes bancos, operadores da Bolsa realizavam transações para sonegar impostos

As fraudes passam pelas Bolsas de Valores
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Profissionais do mercado financeiro teriam desviado 55 bilhões de euros (o equivalente a 226 bilhões de reais) nos últimos 15 anos na Europa. É o que afirma o jornal Le Monde, que, com outros 17 veículos de imprensa europeus, desvendou um esquema gigantesco de sonegação que afetou vários países do bloco.

Alemanha, Dinamarca e França são alguns dos países que deixaram de receber bilhões de euros em impostos por causa de um esquema montado por uma quadrilha que operava nos mercados financeiros. Graças a uma nova reportagem investigativa iniciada pelo jornal alemão Correctiv e outras 17 redações, incluindo o Die Zeit e o Le Monde, um plano inédito de sonegação foi desvendado.

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A reportagem se baseou em documentos vazados pela justiça alemã, além da investigação realizada em campo. Neste novo caso, ao contrário do “Panama Papers, não houve envolvimento de paraísos fiscais. A falcatrua foi possível graças à flexibilidade encontrada nas Bolsas de Valores, com trocas rápidas e discretas de ações de grandes empresas.

O escândalo veio da Alemanha, onde foi revelado em 2015, um modelo de evasão fiscal criado por traders, bancos e advogados para fraudar o fisco do país.

Explorando uma falha da lei, eles efetuavam trocas de grandes volumes de ações no exato momento em que dividendos eram pagos aos acionários, com o intuito de confundir a real identidade dos donos daquelas ações.

Na sequência, os envolvidos solicitavam o reembolso das taxas pagas pelos dividendos, permitido no caso de investidores estrangeiros que possuem acordos de desoneração fiscal. A fraude consistia em ter acesso ao reembolso sem nunca ter recebido os dividendos. Em alguns casos, um mesmo dividendo teve o valor da taxa reembolsado 10 vezes.

A gigantesca fraude custou cerca de 10 bilhões de euros aos cofres públicos alemães, o que faz desse o maior escândalo fiscal da história do país e talvez da Europa. O modelo foi batizado de “CumEx”, do latim cum (com, em português) e ex (sem, em português), ou seja, “com” e “sem” dividendos, em referência à rápida troca de ações do esquema. Depois dessa descoberta, várias investigações foram iniciadas na Europa, após o Le Monde e outros veículos terem acesso ao material.

Bancos cúmplices

Para que esse esquema funcionasse, foi preciso uma grande cooperação entre traders, corretores, fundos, advogados e bancos. A investigação revela que pelo menos 50 grandes instituições financeiras mundiais participaram do plano fraudulento, em diferentes níveis. Entre elas estão bancos franceses como BNP Paribas, Société Générale e Crédit Agricole.

Os espanhol Santander também aparece nos documentos. A conivência de todos esses intermediários é tamanha que o diretor da administração fiscal alemã, Michael Sell, falou em “crime organizado”. Segundo a investigação, os bancos sabiam do esquema. Para cada etapa, “todos sabiam exatamente o que fazer”, afirmou uma testemunha aos investigadores alemães.

Fraude a nível europeu

A fraude não parou, porém, nas fronteiras da Alemanha. Os jornais e sites que se juntaram para investigar as “CumEx Files” (arquivos CumEx, em português) descobriram que o modelo foi replicado, sob formas similares, em outros países europeus: Dinamarca, Bélgica, Áustria, Suíça e Noruega. Os traders fraudadores também agiram, mas com menos sucesso, na França, Holanda e Espanha.

A investigação do Le Monde mostra, principalmente, que a fraude ligada ao “CumEx” é somente a ponta do iceberg de um problema muito mais importante, que custa, a cada ano, bilhões de euros ao Estados Europeus: a arbitragem de dividendos.

É uma técnica de otimização fiscal, na fronteira da legalidade e desconhecida do grande público, usada por diversos bancos internacionais, e que consiste em criar modelos complicados para evitar o pagamento de impostos sobre os dividendos.

Na União Europeia, a França faz parte das principais vítimas da arbitragem de dividendos. Essa forma de evasão fiscal custaria ao país € 3 bilhões por ano. Até hoje, a administração fiscal francesa nunca se preocupou com o caso, mas poderá seguir o exemplo dos vizinhos ingleses e britânicos em breve.

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