Mundo

Crise do coronavírus é duro golpe para jovens da Espanha

De 1 milhão de espanhóis desempregados devido à pandemia de covid-19, a metade tem menos de 35 anos

Torrox, na Espanha. Foto: Ernesto Perez / Creative Commons / Flickr
Apoie Siga-nos no

Pablo García tem sorte: ele é pago para passar o verão todo na praia. Das 9h às 15h, patrulha, junto com a colega Laura Moreno, um trecho de pouco menos de dois quilômetros na cidade de Torrox, a meia hora de carro da metrópole portuária Málaga.

“Nosso trabalho é cuidar para que todos os banhistas respeitem as novas medidas de higiene. O mais importante são as regras de distanciamento: é preciso dois metros entre as famílias, e também devem sobrar vários metros de distância da água, para os que passeiam não esbarrem uns nos outros”, explica o espanhol de 32 anos.

Quase 90 mil de seus compatriotas se candidataram às vagas de “xerife de praia”, como alguns residentes designam a atividade. O fato de serem sobretudo jovens se deve, por um lado, às exigências físicas da atividade sob o escaldante sol do sul da Espanha. Por outro, a geração mais nova foi atingida pelas consequências econômicas da pandemia de covid-19 muito mais duramente do que a média da população: dos 1 milhão de espanhóis que perderam o emprego devido à crise, cerca da metade tem menos de 35 anos.

O governo regional da Andaluzia foi quem elaborou o programa dos “xerifes de praia”. Os responsáveis esperam, assim, matar dois coelhos com uma só cajadada, explica Ana Celia Gonzáles, diretora do Departamento de Defesa Civil de Málaga. “A meta prioritária é, claro, evitar infecções e zelar pela segurança dos frequentadores da praia”, diz.

A outra intenção do projeto é fazer publicidade para as “maravilhosas praias da região”, contribuindo, assim, para que se reerga o setor do turismo, que antes da crise empregava mais de 300 mil andaluzes.

Praia vazia

Embora desde o fim de junho cidadãos da União Europeia possam novamente viajar para a Espanha, a esperada onda de turistas não aconteceu. Assim, transcorre tranquila a patrulha de García entre os cafés praieiros desertos e espreguiçadeiras vazias. Apenas alguns aposentados espanhóis fizeram o caminho até o mar nesta manhã. Muitos têm uma segunda casa em Torrox e passam o verão todo na cidade.

“Nesse meio tempo, já se transformou numa pequena comunidade”, explica o vigia de praia. Em geral há tempo para uma conversa, em que se trocam histórias pessoais sobre as apreensões e vicissitudes dos últimos meses. E fica claro: enquanto para os idosos as preocupações com a saúde estiveram em primeiro plano, entre os “xerifes”, na maioria jovens, predomina o medo pelo futuro financeiro.

García também não sabe como será para ele depois do verão, quando terminar o contrato como vigia. Depois que se formou em Economia, em 2018, ele não conseguiu emprego, apesar de meses de procura. Embora a Espanha viesse se recuperando lentamente dos duros anos da crise financeira e da recessão, os efeitos ainda se faziam sentir antes da pandemia, sobretudo para a geração jovem.

“Até houve algumas ofertas de emprego, mas a concorrência era enorme, e por isso as condições eram miseráveis”, recorda.

No auge da crise financeira, o desemprego entre jovens ultrapassou os 50%.  Quando a economia ia se recuperando, pouco a pouco, muitos empregadores se aproveitaram do desespero dos jovens, oferecendo contratos com duração breve, quase nenhuma seguridade social e salário baixo. Segundo um estudo do Caixabank, em 2019 a renda média dos empregados abaixo dos 30 anos era de 930 euros líquidos por mês.

García acabou se decidindo por outro caminho: aceitou um dos empregos de barman abundantes na região turística de Málaga. Enquanto isso, estudava intensivamente para a “Oposiciones”, a temida prova para o serviço público espanhol, realizada todos os verões, para a qual numerosos jovens se preparam durante anos, com frequência recorrendo a custosa ajuda de profissionais.

Também García sentava-se à mesa de estudo de quatro a cinco horas todos os dias, assimilando as sutilezas do sistema tributários, direito administrativo e estratégias de comércio externo da Espanha, a fim de obter uma cobiçada vaga de funcionário público na área de finanças.

Golpe de misericórdia

“Aí, todos os meus planos desmoronaram de uma vez só”, comenta, recordando os primeiros meses da crise do coronavírus, em março. Primeiro veio o comunicado do patrão de que não poderia mais pagá-lo. Isso até lhe daria direito a verbas de um fundo emergencial do governo, mas que não passavam de 500 euros mensais.

“É óbvio que a quantia seria insuficiente para pagar todos os gastos correntes. Principalmente por que a minha companheira, com que divido meu apartamento, havia perdido o emprego quase ao mesmo tempo”, conta.

Pouco mais tarde, García recebeu outra notícia amarga: neste verão, todos processos de seleção para o serviço público estão suspensos até segunda ordem.

“Esse foi o golpe de misericórdia: eu havia apostado tudo nessa chance, e me preparado com toda dedicação. Por isso tinha uma boa sensação de que passaria na prova”, lamenta.

Para o economista formado, a oferta do emprego de vigia de praia foi uma verdadeira tábua de salvação – embora no cotidiano do trabalho seja bem menos agradável passar o dia todo numa praia quente do que muitos imaginam, assegura.

O salário de 1.500 euros líquidos está muito acima da média espanhola, e García tenta poupar uma parte para os tempos incertos após o verão. Férias estão fora de cogitação este ano, até porque o governo espanhol teoricamente pode marcar as provas do funcionalismo com apenas três dias de antecedência, e ele tem que estar sempre de prontidão.

Mas García tampouco tem grandes esperanças nesse sentido: a economia do país deverá cair 13% em 2020, calculam especialistas, e isso naturalmente afetará as arrecadações estatais e contratações.

No momento, o “xerife de praia” está feliz por pelo menos ter um emprego e poder aproveitar os pequenos prazeres da vida. Como, por exemplo, passar os dois dias de folga semanais com a namorada – só que bem longe da praia.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo