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Cresce a tensão na fronteira da Ucrânia com a Rússia

Soldados russos não são vistos na cidade capturada por rebeldes, mas moradores insistem que tropas do Kremlin chefiaram o avanço

Voluntário ucraniano do batalhão Azov, em veículo blindado, segue para Novoazovsk (Foto: Alexander KHUDOTEPLY/AFP/Getty Images)
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Por Shaun Walker, em Mariupol, e Alec Luhn, em Novoazovsk

Enquanto o presidente da Ucrânia dizia em uma cúpula da União Europeia em Bruxelas que hoje há “milhares” de soldados russos atuando em seu país, eles haviam praticamente desaparecido de Novoazovsk, cidade no leste do país que foi o ponto principal nas denúncias de invasão.

Não distante da fronteira com a Rússia e a quilômetros de outras áreas controladas por separatistas, Novoazovsk foi capturada na quarta-feira 27 por uma coluna blindada que parecia vir da Rússia, e houve vários relatos de avistamentos de “homenzinhos verdes” semelhantes aos que apareceram antes da anexação da Crimeia: soldados bem equipados e sem insígnias, que pareciam ser das unidades de elite russas, imediatamente se destacaram da mistura de combatentes das milícias separatistas.

No sábado 30, porém, não havia sinal dessas tropas na cidade ou ao redor dela, enquanto combatentes rebeldes se instalavam e os homens verdes aparentemente recuavam. Isso levou os moradores, o governo ucraniano e os líderes mundiais a se perguntarem se o sítio de Novoazovsk fazia parte de uma grande nova ofensiva em que forças apoiadas pela Rússia poderiam tomar a cidade de Mariupol e talvez até abrir um corredor terrestre para a Crimeia, ou se era mais uma jogada de pôquer dos russos e dos rebeldes, uma tentativa de criar pânico antes de recuar para suas posições anteriores.

O comandante rebelde em Novoazovsk – que atende pelo apelido de Swat – disse que seus homens são ucranianos, a maioria da região de Luhansk, e que ele é um ex-tenente-coronel das forças especiais da Ucrânia. Apesar das afirmativas ucranianas de que a artilharia russa tem disparado do outro lado da fronteira em apoio aos rebeldes, Swat declarou que seus homens não receberam qualquer apoio militar da Rússia. Ele disse que se moveram para o sul seguindo a fronteira, mas não por território russo, para capturar Novoazovsk.

No entanto, os moradores disseram que o ataque inicial envolveu um tipo diferente de soldado. Uma mulher chamada Raisa disse que tropas russas, e não rebeldes, haviam tomado a cidade inicialmente. “Meu ex-marido esteve no exército durante 26 anos. Eu conheço soldados quando os vejo. Estes eram soldados regulares… da Rússia”, disse ela, enquanto ordenhava suas duas vacas ao lado da estrada.

No sábado, homens grisalhos vestindo camuflagem trabalhavam em um tanque enferrujado que ostentava a bandeira vermelha e azul de Novorossiya, uma área histórica ao longo da costa sul da Ucrânia conquistada pelo império russo, que os rebeldes dizem estar tentando ressuscitar como um governo independente. A área abrange uma parte enorme da Ucrânia, chegando até Odessa, no oeste.

Observadores do Kremlin notaram um ponto particular nas declarações de Vladimir Putin nos últimos dias. O presidente russo não apenas disse que as táticas do exército ucraniano são remanescentes dos nazistas, como também se referiu em uma declaração às “milícias da Novorossiya”, causando preocupação de que a estratégia do Kremlin hoje envolva criar uma espécie de “estado separatista” abrangendo uma grande área do sul e do leste da Ucrânia. Isso também daria à Rússia um corredor terrestre para a Crimeia, que, desde a anexação pela Rússia só tem acesso ao território russo por avião ou por um ferry-boat que atravessa um estreito congestionado.

Putin e a Rússia pediram um cessar-fogo imediato na região e que o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, negocie com os líderes pró-Rússia no leste, mas Kiev os rotulou de “terroristas” e quer restabelecer o controle das áreas em vez de permitir que surja um Estado independente. Como as negociações de paz entre Putin e Poroshenko produziram pouco progresso concreto, a atividade russa em campo parece ter-se intensificado.

Políticos europeus se esforçaram para formular uma resposta aos atos de Putin na Ucrânia, sem apetite para um confronto militar, mas várias rodadas de sanções aparentemente só reforçaram a decisão do Kremlin. No entanto, diversos políticos disseram que haverá uma nova rodada de sanções em breve se a política russa não mudar.

“O que está acontecendo na Ucrânia é tão sério que o Conselho Europeu será obrigado a reagir, aumentando o nível das sanções, se as coisas continuarem como estão”, disse o presidente francês, François Hollande, no sábado quando chegou para a cúpula da UE em Bruxelas.

Poroshenko teve uma calorosa recepção na cúpula, e em uma entrevista coletiva afirmou que hoje há centenas de tanques e milhares de soldados da Rússia dentro da Ucrânia. Ele deu sinais mistos sobre as esperanças de desmobilização e disse que esperava ver progresso em direção à paz nas próximas semanas, mas acrescentou que a necessidade de paz é tão grande porque “estamos perto demais da fronteira de onde não haveria um retorno ao plano de paz”.

A questão imediata é se um ataque a Mariupol está próximo, ou se os rumores sobre isso são guerra psicológica por parte da Rússia.

“Vamos ajudar os moradores a iniciar uma rebelião e então mover adiante”, disse Swat em Novoazovsk, afirmando que as forças rebeldes haviam virtualmente cercado Mariupol e esperavam para atacar. Elas criariam um corredor até sua cidade natal de Odessa, disse ele. Entretanto, percorrendo as estradas perto de Mariupol no sábado, vimos que os repetidos rumores de que forças rebeldes tinham cercado a cidade eram falsos.

Como em dias anteriores, na borda de Mariupol, na estrada para Novoazovsk, soldados e voluntários cavaram trincheiras perto de um ponto de controle militar ucraniano. As defesas, porém, pareciam mais psicológicas que físicas, pois uma estrada secundária próxima estava sem vigilância e não havia uma força de defesa importante visível nessa área.

Colunas de transportes blindados de pessoal e outros veículos militares ucranianos entraram em Mariupol na sexta-feira e no sábado, mas não ficou claro se os ucranianos realmente combateriam pela cidade se houvesse um avanço coordenado. Um comandante do batalhão Azov, grupo voluntário que ajuda o exército da Ucrânia a defender a cidade, disse que tinha informação dos serviços de segurança ucranianos a respeito da presença de cinco ou dez “curadores” da inteligência militar russa em Mariupol, para coordenar as forças pró-russas caso ocorresse uma tomada da cidade.

Mariupol tem sua parcela de patriotas ucranianos, como foi demonstrado em uma manifestação pró-Kiev no início da semana passada. Também tem diversos moradores separatistas, muitos dos quais decidiram apoiar a independência da chamada República Popular de Donetsk em um referendo em maio, quando a cidade estava sob controle separatista.

Mas hoje a maioria dos residentes, como na maior parte da região, desconfiam de Kiev e dos separatistas e simplesmente querem o fim da incerteza e da violência. “Pode parecer calmo em Kiev, mas em nossos corações não estamos calmos”, disse Artur Kovtun, 47 anos, morador de Mariupol. “Todo mundo está cansado disto. Muita gente aqui apoia os separatistas. Queríamos fazer parte da Rússia no início do ano, mas agora apenas queremos que esse estresse acabe.”

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