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“Cooperação da UE com a Líbia é escândalo”

Deputada Ulla Jelpke afirma que União Europeia sabe dos problemas no país africano e opta por fazer vista grossa desde que refugiados não cheguem à Europa

Imigrante em centro de detenção para ilegais nas cercanias de Trípoli, capital da Líbia, em 27 de novembro. A situação é crítica
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Em entrevista à DW, a deputada Ulla Jelpke, porta-voz de política interna do partido A Esquerda no Bundestag, criticou duramente o governo alemão e a União Europeia (UE) por sua cooperação com a Líbia, onde refugiados estariam sendo estuprados, torturados e até mesmo vendidos como escravos.

“Não é só o governo em Berlim, mas toda a UE está se esquivando de que sabia dessa situação. Eles querem esconder a própria responsabilidade”, afirmou.

Jelpke comentou ainda a entrevista concedida à DW pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. “Fiquei muito admirada com essa entrevista, sobre ele estar agora indignado com algo que já sabemos há alguns anos, que lá é um inferno para os refugiados.”

DW: O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, chamou a Líbia de um inferno para os refugiados, em entrevista à DW. A União Europeia é corresponsável pelo sofrimento dos torturados e escravizados naquele país?

Ulla Jelpke: Sim. Por isso fiquei muito admirada com essa entrevista, sobre ele estar agora indignado com algo que já sabemos há alguns anos, que lá é um inferno para os refugiados, especialmente nos campos fechados. E a UE está claramente cooperando com a Líbia. Se a Líbia mantiver os refugiados longe da Europa, receberá dinheiro por isso. E por isso se fez vista grossa durante todos esses anos.

DW: Então Bruxelas e Berlim estão cooperando com criminosos?

UJ: Sim, já na reportagem de Michael Obert, da emissora ARD, em meados deste ano, são levantadas duras acusações em relação à situação dos refugiados: estupro, maus tratos, fome. Migrantes trancados 24 horas em salas escuras. Sobre isso, eu enviei um pequeno pedido de informação ao governo alemão, que manteve a resposta com a chancela de confidencial.

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Não é só o governo em Berlim, mas toda a UE está se esquivando de que sabia dessa situação. Eles querem esconder a própria responsabilidade. É um escândalo enorme saber o que está acontecendo por lá e ainda assim cooperar com a guarda costeira, desacreditada como criminosa, e com o governo central da Líbia.

DW: Qual deve ser a consequência? Cancelar todos os acordos?

UJ: Com certeza. Não se pode cooperar com um país como esse. Isso deve ser suspenso imediatamente, e realmente são necessários programas de realocação, ou seja, de acolhimento permanente de refugiados. As pessoas não devem ser devolvidas à Líbia, elas precisam ser acolhidas de verdade na Europa, onde é preciso que haja uma redistribuição adequada.

DW: Juncker fala também de migração legal para a UE. Mas isso não provoca uma evasão de cérebros para a Europa à custa dos países de origem?

UJ: Se o sr. Juncker estiver falando sobre a necessidade de canais legais, então eu digo: sim, por favor. E, claro, isso não deve acontecer apenas com base no princípio da utilidade para a economia local. O único programa de realocação até agora posto em prática abrangeu apenas 22 mil refugiados. E isso levou anos. O princípio da voluntariedade faz com que quase nenhum Estado-membro da UE acolha de fato refugiados da África.

DW: E por que não instalar os chamados centros de migração nos países de origem. Não seria possível, assim, poupar os refugiados de uma jornada cara e perigosa?

UJ: E com quem se quer fazer isso? A Líbia está fora de questão. O governo em Berlim sabe o que acontece ali na prática, sabe que os refugiados estão sendo maltratados. E quem poderia comandar esses campos? Não vejo como se poderia alcançar alguma coisa com essas instalações. Também não consigo imaginar nenhum outro país. Esse não pode ser o princípio da ajuda humanitária.

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DW: O ministro alemão da Cooperação e Desenvolvimento quer realizar o treinamento profissional de refugiados africanos na Alemanha e enviá-los de volta ao seu continente. Seria essa uma boa ideia para fortalecer a economia local?

UJ: O mais importante seria uma outra política da UE em relação aos países africanos de origem. Que produtos agrícolas baratos não sejam mais exportados para lá, como frango por 66 centavos de euro o quilo. Nenhuma pessoa por lá consegue produzir tão barato. As pessoas simplesmente desistem da agropecuária. Elas afirmam não ter nenhuma perspectiva: “É por isso que queremos ir embora, é por isso que queremos ir para a rica Europa”. Isso tem que mudar.

DW: Tudo isso não deve mudar com a cúpula UE-África em Abidjã.

UJ: Tivemos muitas cúpulas sobre a África e muitas conversas, mas as causas reais dos problemas não são resolvidas. Continua-se buscando a própria vantagem econômica, querendo-se fixá-la em contratos. Assim nada vai melhorar.

Ulla-Jelpke.jpg Jelpke defende uma completa mudança na relação da UE com a Líbia (Foto: Divulgação / Bundestag)

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