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Contra todos
Donald Trump dispara uma metralhadora giratória de tarifas sem separar aliados dos adversários. Não há vencedores


Os Estados Unidos desferiram na quarta-feira 2 mais um duro golpe em seus aliados ao anunciar uma escalada vertiginosa das tarifas de importação. Depois do bullying contra a Ucrânia e das ameaças abertas de anexação territorial contra a Groenlândia, o Panamá e o Canadá, agora Donald Trump disparou uma metralhadora giratória de impostos contra os parceiros comerciais. As taxas sobre produtos brasileiros serão de 10%. No caso da China, chegam a 34%. Automóveis e autopeças importados, independentemente da origem, pagarão 25% a mais. A medida vai na contramão do discurso norte-americano de liberalismo econômico e privilegia o protecionismo. É como se os EUA erguessem muros cada vez mais altos, que dificultam as trocas comerciais com os parceiros. Em essência, o novo gesto aumenta o isolacionismo e busca uma competitividade de fundo nacionalista, em detrimento de soluções multilaterais negociadas.
Trump espera, em tese, aumentar a arrecadação de impostos e estimular a indústria nacional. O aumento da arrecadação viria das alíquotas de importação mais altas, que teriam de ser pagas pelas empresas estrangeiras interessadas em vender produtos e serviços no mercado dos EUA. O incremento da indústria local derivaria, por outro lado, da redução da concorrência internacional.
A aposta é arriscada. O republicano supõe que as empresas estrangeiras irão absorver o custo dos novos impostos, quando, na verdade, o que se faz em geral é repassar o aumento de custos ao consumidor, o que tende a tornar os produtos mais caros. Isso não se aplica apenas a bens manufaturados, como os carros japoneses, mas a insumos, como o aço, usado para produzir automóveis norte-americanos. Em consequência, o repasse de preços insuflaria a inflação e reduziria o poder de compra das famílias. O risco de que um cenário de recessão se estabeleça é grande, mas Trump e seus aliados apostam em uma turbulência passageira antes da bonança.
A promessa da extrema-direita dos EUA é “restaurar a era de ouro da América, e fazer da América uma superpotência manufatureira”, como disse a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt.
Trump deveria, porém, informar-se sobre a história pregressa de políticas sugeridas no passado por integrantes do partido. Em 1930, os EUA fizeram algo semelhante ao que Trump propõe. A chamada Lei Tarifária Smoot–Hawley impôs 25% de taxação sobre produtos agrícolas e manufaturados importados. O projeto foi proposto por um senador e um deputado republicanos, Reed Smooth e Willis Hawley. O país tentava recuperar-se dos efeitos da Primeira Guerra e da quebra da Bolsa de 1929, mas muitos duvidavam, como agora, que erguer barreiras tarifárias fosse a solução. Apesar de mais de mil economistas e acadêmicos terem subscrito um abaixo-assinado contra a legislação enviado ao então presidente Herbert Hoover, a iniciativa seguiu adiante. Os parceiros comerciais dos EUA retaliaram com alíquotas semelhantes e o resultado foi desastroso, tanto que os três – Hoover, Smooth e Hawley – não conseguiram se reeleger em 1932.
Os economistas projetam mais inflação, desemprego e recessão no país
Nada indica que o desfecho será diferente cem anos depois. Todas as projeções sinalizam, ao contrário, um cenário sinistro para a economia norte-americana e mundial. O centro de estudos econômicos Tax Foundation projeta uma redução de 0,4 ponto porcentual no PIB dos EUA só por conta das taxas até o momento impostas sobre três parceiros: Canadá, México e China. O banco Goldman Sachs diz que o risco de recessão nos próximos 12 meses subiu de 20% para 35%. As Bolsas de Valores do mundo se comportaram como birutas de aeroporto na tormenta tarifária provocada por Trump. Existe o risco de os países afetados responderem na mesma medida, levando o mundo a uma guerra tarifária aberta.
Trump aposta, de forma ingênua, que seus aliados atuem de maneira subserviente. Israel e Vietnã de fato tomaram a iniciativa de rever a taxação de produtos norte-americanos, diminuindo suas alíquotas, mas a tendência, em geral, é de uma reação bem menos dócil. “A Europa não começou esse confronto. Não queremos necessariamente retaliar, mas se for necessário temos um plano forte para retaliar e o usaremos”, afirmou a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. O contra-ataque europeu deve mirar dos jeans às motocicletas Harley-Davidson, além de aço, alumínio, aves, carne bovina, pescados, frutos do mar e cereais.
O Brasil, cujas exportações de aço e alumínio foram taxadas em 25%, trabalha com dois cenários. O primeiro é o da negociação: para tentar reverter essa política agressiva, o chanceler Mauro Vieira conversou por telefone na quarta-feira 2 com o chefe do USTR (Representante de Comércio dos EUA), Jamieson Greer. Se o diálogo não surtir resultado, então o País terá a opção de recorrer a políticas de reciprocidade tarifária. Para isso, o Congresso aprovou um projeto de lei que permite retaliar nações ou blocos que imponham tarifas ao Brasil.
A medida foi pensada originalmente para as disputas com a União Europeia, mas a política de Trump mudou o foco do projeto no curto prazo e acelerou sua tramitação. Como a guerra tarifária norte-americana castiga tanto o agronegócio quanto as metas de crescimento e arrecadação do governo Lula, houve uma convergência rara de interesses no Parlamento brasileiro.
Além do desarranjo global, é muito provável que Trump cause também efeitos nefastos no próprio mercado doméstico. Quando assumiu, ele prometeu cortar impostos. Nomeou para essa função o multimilionário Elon Musk, que vendeu a ideia de reduzir o Estado ao mínimo para desonerar o contribuinte. Mas a política tarifária de Trump pode ter como resultado um aumento acentuado no custo de vida. De acordo com o Budget Lab, da Universidade Yale, a guerra tarifária pode agregar entre 3,4 mil e 4,2 mil dólares anuais ao custo de vida das famílias, o que supera o prometido alívio para o orçamento doméstico por meio de cortes de impostos.
O republicano sabe do risco de colher resultados negativos, mas ainda assim investe na retórica populista, segundo a qual os homens de bem do meio-oeste são vítimas de complôs e de uma elite corrupta e aproveitadora que age em conluio para prejudicar os EUA. “Nós ajudamos todos, e eles não nos ajudam”, disse o presidente norte-americano na segunda-feira 31. Ao agredir seus parceiros, o mais provável é que o resto do mundo queira “ajudá-lo” menos ainda. •
Publicado na edição n° 1356 de CartaCapital, em 09 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Contra todos ‘
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