Em 20 de janeiro de 1942, quinze funcionários do alto escalão do 3° Reich se reuniam em uma mansão ao sudeste de Berlim para organizar a “solução final”, nome dado a uma estratégia que já vinha sendo implementada há alguns meses na Europa, impulsionada por Adolf Hitler. A expressão era usada para definir o genocídio dos judeus dos territórios ocupados pela Alemanha e, em seguida, no mundo inteiro.
Dos mais de 9 milhões de judeus presentes na Europa, quase dois terços foram mortos entre 1941 e 1945. Segundo as estimativas do historiador Raoul Hilberg, 2,7 milhões foram eliminados nas câmaras de gás e 1,3 milhão foram fuzilados ao ar livre.
É esse caráter organizado e em escala industrial que faz desse genocídio um fenômeno único. Mesmo se o Holocausto é às vezes comparado em extensão e horror a outros massacres em massa realizados no século XX, como o dos tutsis em Ruanda, a Shoah entrou para a história por sua extensão geográfica e pela execução metódica dessa aniquilação.
Os sobreviventes desse episódio são cada vez menos numerosos e a narrativa se concentra agora principalmente nas mãos dos historiadores, cada vez menos dependentes de relatos dos que presenciaram os horrores.
“Nunca entendi essa ideia de que o desaparecimento das testemunhas iria mudar alguma coisa”, defende o Tal Bruttmann, especialista do Holocausto. “Continuamos a escrever a história da queda de Roma e do tráfico de escravos”, compara o historiador.
Revisionismo
Se Bruttmann defende a importância em se preservar e promover a memória do Holocausto é porque o tema ainda é delicado em alguns países, principalmente nos últimos anos, com o crescimento de grupos extremistas ou partidos de extrema-direita, que distorcem a história em função de seus ideais políticos.
É o caso da Polônia, onde o nacionalista PiS está à frente do país desde 2015, após um período no poder entre 2005 e 2009. Para o roteirista Antoine Germa, que prepara um filme sobre a memória do genocídio, as forças políticas atuais “se recusam a falar da colaboração polonesa e fazem do Holocausto um fenômeno puramente alemão e puramente estrangeiro”, esvaziando o debate e a importância do episódio. “Não se trata de limpar a consciência, mas de compreender verdadeiramente o que significou o Holocausto. Quando não há apoio político, tudo desmorona muito rapidamente”, insiste Germa.
Um fenômeno similar de revisionismo é visto na Itália. Desde a chegada de Silvio Berlusconi ao poder em 1994, levando consigo a “ala moderada” dos neofascistas do recém-refundado MSI, o país experimentou uma espécie de revisionismo de Estado.
A Itália também é conhecida por uma historiografia ambígua ou pelo menos discreta sobre o antissemitismo do regime de Mussolini e sobre a participação ativa, com pleno conhecimento dos fatos, da República Nazi-fascista de Salò no Holocausto, entre setembro de 1943 e abril de 1945. Alguns livros clássicos, como o best-seller A História da Itália, de Sergio Romano, não faz nenhuma alusão às leis raciais de 1938 no país que proibiam, entre outras coisas, os judeus da Itália de acessar muitas profissões e serviços públicos.
Outro exemplo flagrante desse revisionismo é o da Áustria, que “até hoje se vê como a primeira vítima do nazismo”, ressalta Tal Bruttmann. No entanto, lembra o historiador, o Anschluss – termo usado para denominar a anexação do território austríaco pela Alemanha nazista em 1938 –, foi favoravelmente acolhido pela população. “É um país que se eximiu de toda responsabilidade. Vale lembrar que o primeiro monumento às vítimas do Holocausto em Viena data de apenas dez anos. Em compensação, há vários monumentos em homenagem às vítimas dos bombardeios aliados”, frisa Bruttmann.
Extrema-direita se apropria e distorce o passado
Já na Alemanha, a relação ambígua com o passado nazista é alimentada pela extrema-direita nacionalista que ganha força atualmente no país. “Mesmo se não é explicitamente antissemita, o AFD [partido da direita populista radical, contrário à imigração] sempre que pode mobiliza um discurso sobre a raça”, lembra o historiador Christian Ingrao.
Bruttmann também alerta para o retorno dos discursos revisionistas, e cita o exemplo de Éric Zemmour, pré-candidato à presidência francesa conhecido por suas declarações polêmica e que, segundo o historiador, vai bem além do racismo e da xenofobia tradicional de Jean-Marie Le Pen.
“Le Pen não reescreveu a história, mesmo que tenha sido tentado. Já Zemmour tenta reescrever a história colocando as responsabilidades de Vichy [regime autoritário em vigor na França durante a Segunda Guerra Mundial] nas costas das Alemanha nazista”.
Esta análise é compartilhada por Antoine Germa. “Na França como na Polônia, essas versões reescritas da História têm uma ressonância muito forte com a recepção dos migrantes ou com a questão das minorias em geral. Zemmour afirma, desafiando a pesquisa histórica, que Pétain [ex-chefe de Estado francês conhecido por colaborar com os nazistas] sacrificou refugiados judeus para salvar judeus franceses. Nessa lógica, um bom Estado é um Estado que só se preocupa com os nacionais e não tem benevolência com os estrangeiros”.
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