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Conservadores e trabalhistas se unem contra plano de premier britânico

Parlamentares de todos os partidos devem reagir se Johnson insistir em retirar o Reino Unido da UE a todo custo

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O ex-chanceler conservador Philip Hammond manteve conversas em particular com o porta-voz trabalhista, Keir Starmer, pouco antes de Boris Johnson entrar em Downing Street, a residência oficial do primeiro-ministro britânico, na quarta-feira 24, para tramar movimentos interpartidários com o fim de impedir que o novo premier aceite um Brexit sem acordo. A reunião na Câmara dos Comuns, ocorrida pouco depois de Hammond ter renunciado ao governo, é evidência da firme reação que Johnson enfrentará de parlamentares de todos os partidos, caso ele tente desafiar o Parlamento e tire o Reino Unido da União Europeia sem acordo em 31 de outubro.

O ex-adversários políticos Hammond e Starmer concordaram em trabalhar juntos durante o recesso de verão com outros importantes parlamentares contrários ao “não acordo”, incluindo os ex-ministros conservadores Oliver Letwin e Dominic Grieve, para discutir a melhor forma de usar os votos parlamentares para torpedear essa opção. No sábado 27, Starmer confirmou que a chegada de Johnson estimulou mais discussões interpartidárias, envolvendo conservadores veteranos demitidos pelo premier ou que optaram por renunciar, já que os adversários do “não acordo” preparam uma contraofensiva contra o novo gabinete, favorável ao Brexit “duro”.

“A direção política do percurso sob Boris Johnson é clara”, disse Starmer, “e por isso é mais importante do que nunca construirmos uma forte aliança entre partidos para impedir que o Brexit não seja negociado. Esse trabalho se intensificará durante o verão, antes que o Parlamento volte em setembro.”

Os planos que estão sendo elaborados incluem uma emenda à legislação do Brexit, que deve ser aprovada pelo Parlamento antes que o Reino Unido possa deixar a União Europeia. Ela forçaria Johnson a pedir uma nova prorrogação para a saída se não for alcançado um acordo até o início de outubro. Uma opção de “último recurso” é que Hammond e outros conservadores contrários ao Brexit votem uma moção de desconfiança em seu próprio governo, caso um acordo pareça improvável.

Parlamentares de todos os partidos devem reagir se Johnson insistir em retirar o Reino Unido da UE a todo custo

Uma pesquisa do Opinium/Observer, divulgada no domingo 28, aumenta o temor dos anti-Brexit de que Johnson possa tentar um mandato para obter um “não acordo”, caso ele não consiga convencer os líderes da UE a retomar as conversações sobre a fronteira aberta entre as Irlandas e o acordo da saída de Theresa May. A sondagem, realizada depois que Johnson foi eleito líder conservador, mostra um notável “rebote de Boris”, situando os conservadores em 30%, 7 pontos acima de duas semanas atrás. Os conservadores ultrapassaram os trabalhistas (que subiram 3 pontos, para 28%) e retomaram a liderança. O aumento de apoio parece vir à custa do partido do Brexit, que caiu 7 pontos, para 15%. O Partido Liberal Democrata, cujo novo líder, Jo Swinson, assumiu na semana passada, subiu 1 ponto, para 16%.

Johnson também tem 21 pontos de vantagem sobre Jeremy Corbyn quando se pergunta aos eleitores quem seria o melhor primeiro-ministro. É a maior diferença positiva desde que Theresa May superou Corbyn antes da eleição de 2017. No entanto, a metade do público acredita que Johnson vai dividir a nação.

Garoto-propaganda. Johnson fez campanha pelo leave (sair) em 2016, no referendo sobre a permanência do país no bloco

O professor Robert Ford, da Universidade de Manchester, disse que a procura por Johnson dos eleitores trabalhistas que apoiaram o Brexit poderá conquistar alguns assentos para os conservadores, mas também poderá causar prejuízos ao partido nas áreas anti-Brexit, onde os eleitores rejeitariam seu discurso sobre a saída sem acordo. “Uma aposta dramática poderá ser necessária para quebrar o impasse do Brexit, mas essas apostas podem facilmente sair pela culatra, como vimos em 2017.”

Em visita a Manchester, Johnson alimentou ainda mais as especulações de que estaria se preparando para uma eleição. Em um discurso que trazia todas as características de um comício eleitoral para o público pró-Brexit em áreas trabalhistas, ele prometeu uma verba de 3,6 bilhões de libras (cerca de 18 bilhões de reais) para cidades carentes, uma nova ferrovia entre Manchester e Leeds e grandes investimentos em ônibus, banda larga e polícia.

O ex-chanceler conservador Philip Hammond aliou-se ao porta-voz trabalhista, Keir Starmer, para garantir um Brexit negociado

“O centro de Manchester, assim como o de Londres, é uma maravilha do mundo. A poucos quilômetros daqui, a história é muito diferente”, disse o novo premier. “A história para os jovens que crescem lá tem sido de desesperança, ou a esperança de que um dia eles sairão e nunca mais voltarão. Certamente, não é culpa dos lugares e, certamente, não é culpa das pessoas que crescem lá. Elas não falharam. Fomos nós, os políticos, foi nossa política que falhou com eles.”

Johnson descartou oficialmente uma eleição geral antes do Brexit, mas muitos deputados acreditam que ele esteja preparado para voltar a apoiar uma, caso não consiga garantir um acordo sobre o Brexit que possa vender ao seu próprio partido e aprovar no Parlamento.

Parceria improvável. Hammond ameaça propor uma moção de desconfiança contra seu próprio governo. Starmer articula-se com o ex-adversário

Enquanto isso, Corbyn, que precisa intensificar os preparativos eleitorais, deve acusar os conservadores de causar um investimento perdido de 40 bilhões de libras em 2019, por causa do impasse sobre o Brexit.

Os trabalhistas afirmam ter chegado a esse valor comparando as previsões do Escritório de Responsabilidade Orçamentária antes e depois do Brexit. Eles disseram que as empresas deverão investir cerca de 187 bilhões de libras neste ano, em comparação com a previsão de 227 bilhões de libras em 2016.

“Boris Johnson conseguiu o apoio de menos de 100 mil membros do Partido Conservador, ameaçando um Brexit irresponsável sem um acordo, deixando empresas e trabalhadores a enfrentar sérios riscos e enormes incertezas”, afirmou Corbyn. “Ele está apostando nossos futuros em um acordo comercial amoroso com Donald Trump, que arriscaria a aquisição do nosso Sistema Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês, o equivalente ao SUS brasileiro) por corporações americanas, ao mesmo tempo que distribuiria cortes de impostos para os mais ricos. Com Johnson e seu gabinete divisor de extrema-direita jogando com os empregos e os padrões de vida das pessoas, agora está claro que a única maneira pela qual o Brexit pode ser resolvido é levá-lo novamente a votação.”

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