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Conselho Constitucional da França aprova reforma da Previdência

A decisão foi tomada em meio ao conflito social repleto de protestos massivos pelo País; após a decisão, governo de Macron informou que irá promulgar a reforma da Previdência em 48 horas

Manifestantes se reúnem em frente à prefeitura de Paris pouco antes dos resultados de uma decisão do Conselho Constitucional da França sobre uma contestada reforma previdenciária promovida pelo governo. Foto: Geoffroy VAN DER HASSELT / AFP
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Os nove juízes do Conselho Constitucional francês aprovaram o essencial da reforma que eleva a idade das aposentadorias na França de 62 para 64 anos, associados a 43 anos de contribuições. Os juízes vetaram seis disposições contidas no projeto de lei, consideradas de importância relativa. Em outra decisão, o Conselho rejeitou um requerimento apresentado por deputados de oposição que visava submeter a reforma da Previdência a um referendo popular por vício de forma.

Os juízes, que trabalharam sob sigilo total – o voto é secreto –, não viram inconstitucionalidade no fato de o presidente Emmanuel Macron e a primeira-ministra Élisabeth Borne terem manobrado para acelerar a tramitação do projeto tanto na Câmara quanto no Senado, reduzindo o tempo de debate no Parlamento. Essa questão foi levantada pela oposição porque esta foi a primeira vez que um governo encaixou a extensão da idade de aposentadoria e de tempo de contribuição dentro de uma lei orçamentária da Previdência Social.

Para os juízes, a tramitação do projeto foi totalmente legal. O governo não cometeu ilegalidade ao utilizar dois artigos constitucionais (47.1 e 49.3) para aprovar as medidas, mesmo sem a votação dos deputados.

O Conselho Constitucional vetou seis artigos da reforma, entre eles o que previa a publicação de um “índice sênior” pelos empregadores. O objetivo era estimular as empresas a divulgar o porcentual de trabalhadores com mais de 55 anos em seus quadros. Os juízes entenderam que as medidas censuradas não são da alçada de uma lei orçamentária. Nada impede que os parlamentares ou o governo apresentem futuramente as mesmas propostas em uma lei ordinária.

Reforma será promulgada em 48 horas

O governo informou que irá promulgar a reforma da Previdência em 48 horas. A entrada em vigor da nova legislação está prevista para setembro. Entretanto, a pressão nas ruas tende a continuar. Apesar do presidente Emmanuel Macron dizer que está determinado a aplicar a reforma, por ela ser de interesse do país, de acordo com a sua visão das contas públicas, o clima social continua tenso.

O presidente convidou os líderes sindicais para uma negociação no Palácio do Eliseu na terça-feira (18), e disse esperar que o debate aconteça em clima de “concórdia”. Mas os sindicatos franceses, que há décadas não conseguiam levar uma luta trabalhista unidos, sem divisões, saem dessa queda de braço muito fortalecidos. Macron está isolado, não só em relação aos assuntos internos, mas também na política externa, como se viu esta semana no imbróglio sobre Taiwan.

Oposição continuará nas ruas

Nesta sexta-feira, ao menos 240 manifestações contra a reforma aconteceram em todo o país. Cerca de 70% da população exige a retirada do texto. Paris amanheceu com os principais edifícios públicos, a sede do Conselho Constitucional, os Palácios do Governo e da Presidência, as sedes dos ministérios, da Assembleia, do Senado e a prefeitura protegidos por barreiras e um esquema de segurança reforçado, devido ao temor de atos de vandalismo.

Durante o dia, a primeira-ministra Élisabeth Borne foi abordada por manifestantes em um supermercado durante uma visita no interior do país. Macron, que visitou com a primeira-dama, Brigitte, o canteiro de obras da catedral de Notre-Dame também foi vaiado por opositores à reforma.

Na véspera, manifestantes invadiram a sede do grupo LVMH, dono das marcas Dior, Sephora e Louis Vuitton, que pertence à família do empresário Bernard Arnaud, o segundo homem mais rico do mundo. O objetivo do ato era denunciar a reforma e as desigualdades entre os assalariados e as multinacionais, que lucram bilhões de euros e poderiam, na opinião da maioria dos franceses, pagar mais impostos para financiar o desequilíbrio das contas públicas.

A reclamação mais frequente ouvida nas ruas é que a conta só é paga pelo trabalhador. Atualmente, num contexto de inflação alta, que corrói o poder aquisitivo dos franceses, essa iniquidade se tornou insuportável.

Oposição apresenta novo projeto de referendo

A oposição não desistiu de submeter a reforma a um referendo popular. Deputados da oposição de esquerda apresentaram há dois dias um segundo requerimento nesse sentido ao Conselho Constitucional, que deve se pronunciar dentro de um mês. Este processo correrá em paralelo à promulgação e à aplicação da reforma, prevista para setembro.

O chamado Referendo de Iniciativa Popular (RIP) é um mecanismo complexo. Depois de o requerimento inicial ser validado pelo Conselho Constitucional, com o apoio de no mínimo 185 deputados, vem uma etapa de coleta de assinaturas. Cabe ao Ministério do Interior criar um site com a proposta, que precisa recolher no mínimo 4,8 milhões de assinaturas para ser aprovado. Esse processo dura pelo menos nove meses. No final, o governo ainda fica com duas opções: organizar o referendo ou discutir a proposição na Assembleia e no Senado.

A líder de extrema-direita Marine Le Pen diz que o RIP é uma “enganação democrática”, porque não impede o governo de aplicar a reforma.

De qualquer forma, a validação da reforma previdenciária pelo Conselho Constitucional não representa o fim da luta de sindicatos e trabalhadores. A maioria dos franceses estima que o governo errou na ordem das preocupações. Primeiro deveria ter proposto medidas para melhorar as condições de trabalho, aumentar salários, proteger o poder de compra da inflação, enfim, a reforma das aposentadorias era um tema de programa do presidente Emmanuel Macron, mas não o mais urgente.

Macron não vê a coisa dessa forma. Ele quer evitar um déficit previsto nos próximos anos, promulgar a reforma e discutir com os líderes sindicais melhorias para favorecer o prolongamento da vida ativa.

Antes da reforma, segundo um relatório independente, o sistema previdenciário francês iria registrar um déficit de 0,5 a 0,8 ponto do PIB nos próximos dez anos. Em 2032, o rombo no caixa seria de € 20 bilhões. Globalmente, nos próximos 25 anos, o sistema será medianamente deficitário, de acordo com quatro cenários traçados por especialistas. Havia margem de manobra, mas o governo quer reduzir a dívida pública global, que chega a quase € 3 trilhões.

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