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Como o lobby pró-Israel nos EUA prejudica os israelenses

Ao defender as mesmas políticas da direita de Israel, lobistas ampliam a insegurança do Estado judeu

Imagem mostra o presidente do Egito, Mohamed Morsi (à dir.), com Tantawi (centro) e Sami Anan (à esq.) os líderes militares que passaram para a reserva no último dia 12. Foto: Mena / AFP
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Legalizado e regulamentado por lei nos Estados Unidos, o lobby é uma forma de fazer avançar interesses de determinados setores na política norte-americana. Um dos grupos lobistas mais conhecidos é o que defende Israel e tenta convencer congressistas e integrantes do governo a adotar políticas favoráveis ao Estado judeu. Em tese, a intenção desses lobistas é favorecer Israel e garantir a segurança do país. Na prática, o que o lobby pró-Israel tem conseguido é ampliar a insegurança dos israelenses. Isso ocorre porque o lobby pró-Israel é, na verdade, um lobby pró-Likud, partido de direita cujas políticas colocam em perigo o futuro de Israel a longo prazo.

O exemplo mais recente da atuação do lobby pró-Israel é o artigo “Os novos líderes do Egito precisam aceitar a realidade”, publicado pelo jornal The Washington Post no domingo 19. O artigo é assinado por Dennis Ross, ex-assessor de Barack Obama e hoje conselheiro do Washington Institute for Near East Policy, um centro de pesquisas pró-Israel fundado por Martin Indyk, ex-diretor de pesquisas do Comitê Americano-Israelense de Assuntos Públicos (AIPAC, na sigla em inglês), a principal ferramenta do lobby israelense. No texto, Ross faz uma série de constatações enviesadas contra o presidente do Egito, Mohamed Morsi, e uma recomendação ao governo dos Estados Unidos que, se adotada, deixaria Israel com o maior nível de insegurança em mais de 40 anos.

Em seu texto, Ross tenta, de forma pouco sutil, colocar seus leitores contra o Morsi, um integrante da Irmandade Muçulmana. Ele faz isso ao discutir três assuntos:

1) A troca do comando militar egípcio

No último dia 12, Morsi anunciou a passagem para a reserva de dois dos principais militares do Egito, um deles o marechal Mohamed Tantawi, ex-chefe do Conselho Supremo das Forças Armadas. Ross salienta a opinião daqueles que enxergam na mudança uma tentativa da Irmandade Muçulmana de “remover qualquer freio a seu poder”, reforçando assim a teoria de que o partido islâmico tem um plano de transformar o Egito numa autocracia religiosa. O que Ross não comenta é que a mudança no comando militar, por sua sensibilidade, jamais teria ocorrido sem o consentimento de outros militares de alta-patente e talvez até mesmo de Tantawi, que continuará como “conselheiro” da presidência. Assim, é razoável concluir que os militares, “protetores” de um Estado secular no Egito, continuam influenciando os rumos do país e servindo como contrapeso à Irmandade Muçulmana.

2) A carta enviada por Morsi ao presidente de Israel

No fim de julho, a imprensa israelense divulgou uma carta que Morsi teria enviado para o presidente de Israel, Shimon Peres. No texto, Morsi diz que vai trabalhar para conseguir “segurança e estabilidade para todos os povos do Oriente Médio, incluindo os israelenses”. Quando a carta veio a público, Morsi negou ter enviado o documento. Para Ross, a negativa mostra que a liderança da Irmandade Muçulmana está “determinada a negar a realidade”. O que Ross não faz é dar o benefício da dúvida a Morsi. No Egito a postura anti-Israel é generalizada. Ela engloba a Irmandade Muçulmana, os ultrarradicais salafitas, mas também grupos seculares e liberais. Neste clima, fazer qualquer aceno positivo em direção a Israel é praticamente um suicídio político. Para muitos analistas, Morsi pode ter feito um aceno a Israel, mas foi obrigado a negá-lo uma vez que o documento tenha vazado para evitar repercussões negativas entre a população egípcia.

3) O envio de tropas ao Sinai

Ross afirma em seu texto, com toda razão, que o governo da Irmandade Muçulmana deve respeitar os direitos das minorias e das mulheres, o pluralismo político e as obrigações internacionais, como o tratado de Camp David, que estabelece a paz entre Israel e o Egito. Ross perde a razão ao criticar o Egito por enviar tropas à Península do Sinai sem aviso prévio a Israel. Pelo acordo entre os dois países, a península é uma área quase que completamente desmilitarizada e tropas só podem ser deslocadas para lá com o consentimento do vizinho. Desde a queda de Mubarak, a península se tornou abrigo para radicais islâmicos, que atacam tanto alvos egípcios quanto israelenses. O Egito, então, enviou tropas para a região, algumas vezes sem consultar Israel. O que Ross não conta, mas o jornal israelense Haaretz afirma, é que os militares de Israel consideram “boa a cooperação de segurança entre os dois países” e afirmam que há “contato regular entre os dois lados”.

Completando essas três constatações, Ross faz uma recomendação altamente preocupante ao governo dos Estados Unidos. Segundo o analista, caso o Egito continue enviando tropas ao Sinai, os EUA devem bloquear a ajuda anual de mais de 1 bilhão de dólares que enviam ao Egito. Se os EUA seguissem o conselho de Ross, colocariam em risco o tratado de Camp David como um todo. É com esta ajuda que os EUA garantem a boa vontade do Egito para com Israel, algo interessante não apenas para os israelenses, mas também para os norte-americanos, que desejam um Oriente Médio estável. Sem Camp David, Israel deixaria exposta sua extensa fronteira sul ao exército egípcio, um dos maiores e mais bem equipados da região.

Em seu texto, Dennis Ross faz um grande esforço para retratar a Irmandade Muçulmana de forma negativa, recomendando à Casa Branca que mantenha a política intransigente de pressionar os governos árabes, uma estratégia que nas últimas décadas serviu apenas como combustível para o intenso sentimento anti-EUA, anti-Israel e até mesmo antissemita no mundo árabe. As recomendações do lobista são uma forma de fazer política em muitos aspectos semelhantes à do Likud. O partido de direita que hoje governa Israel alega querer defender o país, mas nada faz para assinar a paz com os palestinos e, cada vez mais, insiste em atacar o Irã. É certo que Israel deve estar atento a todo os passos da Irmandade Muçulmana, um grupo que sempre foi contrário ao Estado judeu. A histeria, porém, não deve ser a resposta.

O que Israel precisa para garantir sua segurança a longo prazo é apaziguar as tensões com seus vizinhos, emitir sinais positivos que permitam reduzir a hostilidade ao país (principalmente com relação à questão palestina) e, assim, fazer os povos e governos da região entenderem que o direito de Israel existir, em paz, é legítimo.

 

Legalizado e regulamentado por lei nos Estados Unidos, o lobby é uma forma de fazer avançar interesses de determinados setores na política norte-americana. Um dos grupos lobistas mais conhecidos é o que defende Israel e tenta convencer congressistas e integrantes do governo a adotar políticas favoráveis ao Estado judeu. Em tese, a intenção desses lobistas é favorecer Israel e garantir a segurança do país. Na prática, o que o lobby pró-Israel tem conseguido é ampliar a insegurança dos israelenses. Isso ocorre porque o lobby pró-Israel é, na verdade, um lobby pró-Likud, partido de direita cujas políticas colocam em perigo o futuro de Israel a longo prazo.

O exemplo mais recente da atuação do lobby pró-Israel é o artigo “Os novos líderes do Egito precisam aceitar a realidade”, publicado pelo jornal The Washington Post no domingo 19. O artigo é assinado por Dennis Ross, ex-assessor de Barack Obama e hoje conselheiro do Washington Institute for Near East Policy, um centro de pesquisas pró-Israel fundado por Martin Indyk, ex-diretor de pesquisas do Comitê Americano-Israelense de Assuntos Públicos (AIPAC, na sigla em inglês), a principal ferramenta do lobby israelense. No texto, Ross faz uma série de constatações enviesadas contra o presidente do Egito, Mohamed Morsi, e uma recomendação ao governo dos Estados Unidos que, se adotada, deixaria Israel com o maior nível de insegurança em mais de 40 anos.

Em seu texto, Ross tenta, de forma pouco sutil, colocar seus leitores contra o Morsi, um integrante da Irmandade Muçulmana. Ele faz isso ao discutir três assuntos:

1) A troca do comando militar egípcio

No último dia 12, Morsi anunciou a passagem para a reserva de dois dos principais militares do Egito, um deles o marechal Mohamed Tantawi, ex-chefe do Conselho Supremo das Forças Armadas. Ross salienta a opinião daqueles que enxergam na mudança uma tentativa da Irmandade Muçulmana de “remover qualquer freio a seu poder”, reforçando assim a teoria de que o partido islâmico tem um plano de transformar o Egito numa autocracia religiosa. O que Ross não comenta é que a mudança no comando militar, por sua sensibilidade, jamais teria ocorrido sem o consentimento de outros militares de alta-patente e talvez até mesmo de Tantawi, que continuará como “conselheiro” da presidência. Assim, é razoável concluir que os militares, “protetores” de um Estado secular no Egito, continuam influenciando os rumos do país e servindo como contrapeso à Irmandade Muçulmana.

2) A carta enviada por Morsi ao presidente de Israel

No fim de julho, a imprensa israelense divulgou uma carta que Morsi teria enviado para o presidente de Israel, Shimon Peres. No texto, Morsi diz que vai trabalhar para conseguir “segurança e estabilidade para todos os povos do Oriente Médio, incluindo os israelenses”. Quando a carta veio a público, Morsi negou ter enviado o documento. Para Ross, a negativa mostra que a liderança da Irmandade Muçulmana está “determinada a negar a realidade”. O que Ross não faz é dar o benefício da dúvida a Morsi. No Egito a postura anti-Israel é generalizada. Ela engloba a Irmandade Muçulmana, os ultrarradicais salafitas, mas também grupos seculares e liberais. Neste clima, fazer qualquer aceno positivo em direção a Israel é praticamente um suicídio político. Para muitos analistas, Morsi pode ter feito um aceno a Israel, mas foi obrigado a negá-lo uma vez que o documento tenha vazado para evitar repercussões negativas entre a população egípcia.

3) O envio de tropas ao Sinai

Ross afirma em seu texto, com toda razão, que o governo da Irmandade Muçulmana deve respeitar os direitos das minorias e das mulheres, o pluralismo político e as obrigações internacionais, como o tratado de Camp David, que estabelece a paz entre Israel e o Egito. Ross perde a razão ao criticar o Egito por enviar tropas à Península do Sinai sem aviso prévio a Israel. Pelo acordo entre os dois países, a península é uma área quase que completamente desmilitarizada e tropas só podem ser deslocadas para lá com o consentimento do vizinho. Desde a queda de Mubarak, a península se tornou abrigo para radicais islâmicos, que atacam tanto alvos egípcios quanto israelenses. O Egito, então, enviou tropas para a região, algumas vezes sem consultar Israel. O que Ross não conta, mas o jornal israelense Haaretz afirma, é que os militares de Israel consideram “boa a cooperação de segurança entre os dois países” e afirmam que há “contato regular entre os dois lados”.

Completando essas três constatações, Ross faz uma recomendação altamente preocupante ao governo dos Estados Unidos. Segundo o analista, caso o Egito continue enviando tropas ao Sinai, os EUA devem bloquear a ajuda anual de mais de 1 bilhão de dólares que enviam ao Egito. Se os EUA seguissem o conselho de Ross, colocariam em risco o tratado de Camp David como um todo. É com esta ajuda que os EUA garantem a boa vontade do Egito para com Israel, algo interessante não apenas para os israelenses, mas também para os norte-americanos, que desejam um Oriente Médio estável. Sem Camp David, Israel deixaria exposta sua extensa fronteira sul ao exército egípcio, um dos maiores e mais bem equipados da região.

Em seu texto, Dennis Ross faz um grande esforço para retratar a Irmandade Muçulmana de forma negativa, recomendando à Casa Branca que mantenha a política intransigente de pressionar os governos árabes, uma estratégia que nas últimas décadas serviu apenas como combustível para o intenso sentimento anti-EUA, anti-Israel e até mesmo antissemita no mundo árabe. As recomendações do lobista são uma forma de fazer política em muitos aspectos semelhantes à do Likud. O partido de direita que hoje governa Israel alega querer defender o país, mas nada faz para assinar a paz com os palestinos e, cada vez mais, insiste em atacar o Irã. É certo que Israel deve estar atento a todo os passos da Irmandade Muçulmana, um grupo que sempre foi contrário ao Estado judeu. A histeria, porém, não deve ser a resposta.

O que Israel precisa para garantir sua segurança a longo prazo é apaziguar as tensões com seus vizinhos, emitir sinais positivos que permitam reduzir a hostilidade ao país (principalmente com relação à questão palestina) e, assim, fazer os povos e governos da região entenderem que o direito de Israel existir, em paz, é legítimo.

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