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Em reação a Ortega, Brasil decide expulsar embaixadora da Nicarágua

O esfriamento da relação ficou evidente quando Lula tentou, a pedido do Papa, mediar a libertação de um bispo preso no país, mas não foi atendido por Ortega

Em reação a Ortega, Brasil decide expulsar embaixadora da Nicarágua
Em reação a Ortega, Brasil decide expulsar embaixadora da Nicarágua
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega. Foto: INTI OCON/AFP via Getty Images
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O governo Lula (PT) decidiu expulsar a embaixadora da Nicarágua em Brasília, Fulvia Patricia Castro, em resposta à decisão do governo de Daniel Ortega de expulsar o representante brasileiro em Manágua, informou uma fonte diplomática à agência AFP nesta quinta-feira 8.

As relações entre os dois governos esfriaram nos últimos meses, mas a ausência do embaixador brasileiro, Breno de Souza, em um ato oficial recente gerou “descontentamento” no governo nicaraguense, que pediu a saída do diplomata. Brasília, então, agiu em reciprocidade, segundo a mesma fonte

Em 19 de julho, as ruas de Manágua foram palco de uma comemoração pelos 45 anos da Revolução Sandinista. Era o ponto alto das celebrações de um evento crucial da história da América Latina, que marcou a chegada da esquerda ao poder a partir da luta armada.

Enquanto milhares de pessoas vestidas de branco celebravam a data com apresentações de música e dança, Ortega e sua mulher, Rosario Murillo, exaltavam os avanços da reforma agrária e a melhoria na educação do país. “Somos livres e jamais voltaremos a ser escravos”, dizia Murillo aos presentes. Ela é a vice-presidente do país.

Nem tudo, porém, era celebração. Embora representantes de Cuba, Venezuela e Rússia estivessem presentes na capital da Nicarágua, uma ausência não passou despercebida: a de Breno de Souza Brasil Dias da Costa. Ao menos formalmente, esse foi o motivo da expulsão do embaixador brasileiro.

No meio diplomático, a expulsão de um embaixador é um claro sinal de rompimento. Guardadas as diferenças de conjuntura, algo semelhante aconteceu na região, recentemente, quando o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, decidiu expulsar embaixadores de países que questionaram o resultado das eleições de julho.

Ataques do governo Ortega à Igreja Católica

Mesmo com o histórico de apoio a Ortega, Lula se somou ao coro da comunidade internacional que critica a perseguição do presidente da Nicarágua à Igreja Católica. Mais especificamente, o petista cobra a liberação do bispo Dom Rolando José Álvarez.

O religioso foi condenado a 26 anos de prisão por “traição à pátria”. Ele integrava uma equipe da igreja local que tentava mediar as conversas entre o governo Ortega – no poder desde 2007 – e a oposição.

No meio do ano passado, o Papa Francisco chegou a pedir a Lula que tentasse convencer Ortega a libertar Álvarez. Menos de duas semanas depois, o próprio governo da Nicarágua anunciou a libertação do religioso, mas exigiu que ele saísse do país. A ideia era que ele fosse para o Vaticano. Álvarez, porém, não aceitou a condição e voltou a ser preso.

O que poderia revelar certo poder de influência do petista sobre Ortega acabou mostrando, na verdade, que a relação era praticamente inexistente. Em uma entrevista a correspondentes estrangeiros em julho do ano passado, Lula revelou que o nicaraguense já não atendia mais às suas ligações. 

“Falei com o Papa e ele me pediu para falar com Ortega sobre um bispo que estava preso”, resumiu Lula. “Ortega não atendeu ao telefonema e não quis falar comigo. Então, nunca mais falei com ele. Ou seja, eu acho que é uma bobagem.” Ele lamentou a postura e disse ser “favorável à alternância no poder”. 

Antes disso, em março do ano passado, o Brasil se somou à lista de países que protestaram no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas contra a decisão de Ortega de retirar a nacionalidade de mais de trezentas pessoas na Nicarágua. Entre elas, estavam jornalistas, escritores e opositores, no geral.

Intensificação do autoritarismo

O último encontro entre Lula e Ortega aconteceu ainda em 2010, em Brasília (DF), quando o brasileiro se preparava para deixar a Presidência. À época, Lula relembrou os feitos da revolução sandinista, dizendo que, décadas depois, via “com alegria que seu país, como outros da América Central, trilham hoje o caminho da democracia política e social”.

De lá para cá, muita coisa mudou. No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), durante as eleições presidenciais de 2022, tentou explorar a antiga proximidade de Lula com Ortega.

Na Nicarágua, o ponto de inflexão começou em 2018. À época, a aprovação de uma reforma no sistema de seguridade social levou a população às ruas. A reação das forças de segurança foi violenta: ao final daquele ano, cerca de 400 pessoas morreram por conta da repressão. A oposição denuncia que o governo chegou a usar aparato militar paraestatal. 

Segundo dados da organização Concertación Democrática Nicaraguense Monteverde, mais de 800 mil pessoas já migraram da Nicarágua desde 2007, ano em que Ortega chegou ao poder.

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