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Líder de missão da ONU, Brasil enfrenta ceticismo de haitianos

Paixão pelo país do futebol dá lugar a decepção com “imperialismo brasileiro”

Militares da Minustah fazem patrulha em Porto Príncipe
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pe operacao.jpg De Porto Príncipe

É difícil um haitiano odiar por completo o Brasil. A conexão por conta do futebol e do elemento africano fazem a proximidade entre Haiti e Brasil, apesar da língua diferente e da ausência de fronteiras terrestres, ser forte. Logo na chegada a Porto Príncipe, uma agente da imigração mal humorada pergunta o motivo da viagem. Ao perceber que se tratava de um passaporte brasileiro, abre um sorriso e diz: “Perdi a minha voz no fim de semana, torcendo para o Brasil na Copa”.

Com a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, no entanto, o Brasil conquistou também os efeitos negativos de chefiar a parte militar da Minustah, que chega ao seu 10º ano em meio a incertezas. Se antes era visto com bons olhos por quase todos os haitianos, hoje o Brasil atrai também ódio da população que enxerga o país como imperialista e vê na missão uma força de ocupação.

Para muitos, a missão não contribuiu muito para além da diminuição da violência. Em Cité Soleil, área favelizada de Porto Príncipe que demorou mais de dois anos para ser “conquistada” pelas forças da Minustah, moradores celebram o fato de poderem caminhar à noite sem enfrentamentos de gangues rivais.

“A vida que tínhamos antes não estava boa. Sair à noite e andar pela rua era algo impensável”, conta Jean Frizti, 42 anos. “Não me importam os blindados perto de casa, porque hoje eu vivo a paz”. Nos acampamentos de deslocados internos, onde vivem pessoas que perderam suas casas no terremoto de 2010 e o Estado é inexistente, a missão é vista como uma ajuda indispensável. “Nem sei como agradecer os militares brasileiros. Eles nos ajudam muito: na segurança, na limpeza, nas atividades com crianças”, conta Billy Domond, 34 anos, líder comunitário do acampamento Centre KID.

O caráter assistencialista da missão, no entanto, é questionado por muitos que a veem como intervenção estrangeira. “Como podemos nos sentir felizes com nosso país ocupado?”, questiona Calixte Morin, 36 anos, dono de um pequeno armazém onde são vendidos potes de vinagre, shampoo e alguns refrigerantes. “Os haitianos amam os brasileiros e o Brasil. Mas pelo futebol e não por sua política imperialista. Porque o que os soldados brasileiros fazem nada mais é do que reprimir pobres nos bairros populares”.

Para o cônsul brasileiro Vitor Hugo Irigaray, o fato de o Brasil chefiar parte da Minustah trouxe aos haitianos também a imagem do Brasil como uma terra de oportunidades. “O Brasil sempre foi, mesmo antes do terremoto, um país vitrine aqui. Mas esse incentivo à imigração começou, em minha opinião pessoal, quando as Forças Armadas brasileiras se instalaram no Haiti”, afirma. “Hoje eles adoram ainda mais o Brasil e querem ir para lá a qualquer preço”.

Para quem está longe de poder sonhar em deixar o país e vive da informalidade para se manter, no entanto, o Brasil não passa do rosto de uma missão que não trouxe grandes mudanças a um cotidiano marcado pela miséria e pelo alto nível de desemprego (70%). “O que mudou com a Minustah? Nada. Antes e agora é a mesma coisa. Não fez a menor diferença na minha vida”, conta Omaine Bienville, 42 anos, que sustenta os dez filhos vendendo pão com pasta de amendoim e melancia no porto Waaf, em Ti-Haiti, a região mais pobre de Cité Soleil, na capital haitiana.

Um ponto de vista ainda mais pessimista mantém o jornalista Yves Pierre Louis, responsável pela publicação de esquerda Haiti Liberté, feita entre Porto Príncipe e Nova York. “Nada melhorou. Muito pelo contrário. A violência da missão torna a vida dos haitianos ainda pior”, diz. Em dez anos de missão, segundo ele, a apreciação que os haitianos mantinham pelo País mudou. “Hoje vemos que o Brasil está fazendo o trabalho sujo dos países imperialistas. Da mesma forma como houve uma desculpa para invadir o Iraque e matar Saddam Hussein, lançaram mentiras para depor o presidente Aristide e ocupar o Haiti. Colocou o nosso país em uma posição ainda mais difícil para seu futuro”.

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