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Cinco anos depois, Sissi teme ser Mubarak

O quinto aniversário do levante de 2011 revelou como o governo egípcio teme sua própria população

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praça Tahrir, no centro do Cairo, ficou vazia na última segunda-feira. Ao contrário do 25 de janeiro de 2011, quando milhares de pessoas iniciaram na capital do Egito um movimento que culminaria com a derrubada de Hosni Mubarak, o 25 de janeiro de 2016 foi marcado pelo medo. Medo da população de ir às ruas protestar, mas, sobretudo, medo do governo em ver repetidas as históricas manifestações de cinco anos atrás que ajudaram a fazer da chamada Primavera Árabe um divisor de águas na história do Oriente Médio.

Há tempos, a Primavera Árabe morreu no Egito. A esperança de tempos melhores, simbolizada por uma Tahrir na qual divisões religiosas, sociais e políticas foram brevemente deixadas de lado, esvaneceu lentamente.

Após a queda de Mubarak, uma junta militar assumiu o governo, mas, sob pressão interna e externa, foi obrigada a permitir eleições. Em 2012, Mohamed Morsi, um integrante da Irmandade Muçulmana, se tornou o primeiro presidente eleito livremente da história do Egito. Seu governo sectário e incompetente, em conjunto com uma oposição golpista, colocou o país em chamas.

Em 2013, veio o tiro de misericórdia na “Primavera”: o golpe militar, apoiado por enormes segmentos da população, que derrubou Morsi e instalou o marechal reformado Abdel Fattah al-Sissi no poder.

Desde 2013, Sissi busca firmar sua posição dominante na política egípcia e dar a ela um verniz de legitimidade, o que faz com o uso de ferramentas democráticas, como referendos e eleições. Em 2014, Sissi foi eleito presidente em um pleito condenado por observadores internacionais e, neste mês, permitiu que o Parlamento, repleto de bajuladores, voltasse a se reunir.

Um ano e meio após a eleição de Sissi, no entanto, o presidente encontra dificuldades para consolidar seu poder. O Estado egípcio é um aglomerado de setores complementares, mas concorrentes na busca por recursos, influência e poder político. No golpe contra Morsi, Sissi conseguiu aglutinar em torno de si todos os setores do Estado e da sociedade que não eram a Irmandade Muçulmana. Desde então, as coisas mudaram.

Hoje, a grande base de apoio ao presidente continuam a ser as Forças Armadas, nomeadamente o Exército, e as forças de segurança, representadas pelo Ministério do Interior, responsável pelas polícias e serviços de inteligência. Para esses atores, ao ser o artífice da derrubada de Morsi, Sissi salvou a ordem política e social do Egito e, com elas, o Estado egípcio como ele existe hoje.

O apoio de outros setores ao presidente vem se tornando menos firme, no entanto. Sissi não conta com uma máquina política como era o Partido Nacional Democrático de Mubarak ou com uma ideologia influente como era o pan-arabismo de Gamal Abdel Nasser. Sua força está fora da política institucional, portanto, e reside justamente na imagem de solucionador de problemas que carregou no período pós-Irmandade Muçulmana.

Ao deixar a vida militar e se tornar um civil, Sissi estaria se sacrificando para assumir o posto de homem forte que traria estabilidade após anos de convulsão social e faria a economia avançar novamente.

O problema é que a realidade do Egito está distante da imagem de estabilidade que o regime procura transmitir. Desde a derrubada de Morsi, uma série de atentados têm ocorrido esporadicamente no Cairo e em Alexandria, a segunda maior cidade do país. Em junho passado, no mais impressionante dos ataques até então, Hisham Barakat, procurador-geral do Egito, foi morto por um carro-bomba em Heliopolis, bairro rico da capital.

No fim de outubro, o Província do Sinai, braço do Estado Islâmico que atua na Península do Sinai, derrubou um avião russo de passageiros, com 224 pessoas à bordo. Até hoje, o governo egípcio nega que tenha se tratado de um atentado. A admissão seria uma confissão de fragilidade incompatível com a postura do presidente.

Enquanto a situação securitária no Egito tem problemas, a economia também patina. O plano de Sissi era recuperar a economia com megaprojetos, como a duplicação do Canal de Suez recentemente completada, mas muitos deles ainda não decolaram. As reservas internacionais estão muito abaixo do necessário e a impressão é que o governo só se mantém graças aos empréstimos e investimentos de dezenas de bilhões de dólares feitos por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Kuwait. Para esses governos, Sissi é um baluarte da contenção do espírito revolucionário da Primavera Árabe.

A dificuldade de manter as promessas de estabilidade e progresso abriram flancos contra Sissi. O Judiciário e o establishment religioso oficial, quando possível, demonstram certa independência, ao tratar sem pressa alguns pedidos do governo. A imprensa privada local tem aberto espaço para reclamações anônimas de autoridades e empresários e para artigos críticos ao presidente.

Os ativistas de direitos humanos que ainda têm coragem de atuar denunciam com frequência a selvageria do Estado, que sequestra, tortura e mantém na cadeia atualmente entre 40 mil e 50 mil presos políticos. Na imprensa internacional, têm surgido depoimentos de egípcios, a maioria anônimos, que voltam a falar em protestos contra o governo. Uma única página no Facebook que destacou o slogan “vamos acabar com a tirania” e pediu protestos neste 25 de janeiro obteve 45 mil “curtidas” em poucos dias.

Este clima colocou o governo em alerta. Em dezembro, o próprio Sissi criticou os pedidos por novos protestos. “Por que algumas pessoas pedem uma nova revolução em 25 de janeiro? Eles querem destruir esse país?”, questionou o presidente em discurso.

A aproximação do quinto aniversário do levante contra Mubarak ensejou o acirramento do comportamento que marca o atual governo: a intimidação e a repressão. Serviços de comunicação instantânea pela internet, como os oferecidos pelo Facebook, foram desativados e diversos administradores de sites e páginas de oposição foram presos. Ativistas pró-democracia desapareceram e alguns de seus locais de reunião, como teatros e editoras, foram fechados.

Em todo o país, delegacias receberam reforços de armas e tropas e órgãos do governo responsáveis pelos serviços religiosos emitiram avisos e decretos classificando a realização de atos no 25 de janeiro como violação da lei islâmica. Nas mesquitas, os pregadores, funcionários públicos, passaram aos fiéis a mensagem de que a participação em manifestações consistiria crime. Nas cercanias da praça Tahrir, cerca de cinco mil residências foram revistadas pelas forças de segurança nos dias que antecederam o aniversário dos protestos. No 25 de janeiro, houve protestos-relâmpago de opositores e ao menos 150 pessoas foram presas.

Tal nível de repressão é intrigante uma vez que a possibilidade de protestos maciços era ínfima. O principal grupo de oposição, a Irmandade Muçulmana, está rachado ao meio e sem rumo. Centenas de líderes e ativistas jovens e laicos estão atrás das grades, enquanto intelectuais e políticos que poderiam liderar oposições democráticas deixaram o Egito por temer por suas vidas.

A repressão, assim, pode indicar que o governo está tentando esconder suas falhas ou está se tornando paranoico com as dificuldades pelas quais passa. Em ambos os casos, o regime Sissi está se tornando ainda mais perigoso para os egípcios. Enquanto isso, os dramas que estiveram na base do levante contra Mubarak – a falta de perspectivas econômicas, de liberdade e os abusos de direitos humanos por parte do Estado – seguem sem solução.

É visão corrente entre analistas independentes, egípcios e estrangeiros, que um novo levante contra o governo é inevitável, pois o legado da Primavera Árabe seria o fim do medo da população. Bastaria a perda de confiança no superpresidente para a panela de pressão do autoritarismo explodir. Aparentemente, Sissi pensa da mesma forma, mas insiste na brutalidade como solução. Essa foi a alternativa empregada por Mubarak, e seu desfecho é conhecido, inclusive por Sissi. Talvez isso explique seu medo de um novo levante.

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