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Cidadãos gregos expressam suas opiniões sobre a Aurora Dourada

O líder da legenda de extrema-direita estaria envolvido na morte do rapper antifascista Pavlos Fyssas

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Às vésperas de julgamento sob a acusação de fazer parte de um grupo criminoso, Nikos Michaloliakos e outros filiados e simpatizantes da Aurora Dourada enfrentam acusações, entre elas a criação de um movimento político a seguir os princípios da ideologia nazista e o envovimento da legenda em atos de violência. Imigrantes, entre eles negros e os roma, são alvos do partido. Ainda assim, nas eleições de junho de 2012, 7% do eleitorado votou na Aurora Dourada, atualmente com 18 deputados no Parlamento de Atenas.

Evi Andrianou, atriz e professora de crianças roma em Atenas

CartaCapital : Certa vez, você me disse que conhece eleitores da Aurora Dourada.
Evi Andrianou: Ao longo dos últimos três anos , me deparei com alguns eleitores da AD e suponho que ainda encontre simpatizantes da legenda. Embora raramente me envolva em conversas com eles, houve momentos em que tentei falar como eram negativas suas crenças fascistas. Não posso dizer que foram bem sucedidas minhas intervenções, mas tive a impressão de ser a primeira pessoa a desafiar suas ideias. Eleitores da Aurora Dourada podem ter diferentes origens, mas compartilham um entusiasmo comum pela nossa suposta “raça superior”.  A maioria perdeu a fé não somente nos recentes governos gregos, mas nos políticos em geral. E por isso chegaram a uma concepção errônea, segundo a qual a democracia não funciona. Votaram na Aurora Dourada para sabotar o “sistema” – e tudo isso foi absurdamente desproporcional. Normalmente, eleitores da AD são fascistas, racistas e simpatizantes de violência. Mas há muitas ocasiões em que pessoas comuns, aquelas que poderiam ser descritas como “pessoas de família”, apoiam a Aurora Dourada principalmente devido à sua frustração, raiva, irresponsabilidade para enfrentar novos fatos sócio-econômicos e incapacidade de pensar racionalmente.

CC: Como é o eleitor típico da Aurora Dourada?
EA: Um eleitor da Aurora Dourada, que conheci através de conhecidos, tentou me “explicar” como a descontrolada admissão de imigrantes afetou seus negócios. Acrescentou, ainda, que sua mulher estava supostamente sendo assediada por imigrantes. Em vez de lidar com esses incidentes como, exatamente, incidentes, essa pessoa preferiu ver “todos os imigrantes como criminosos”. E uma vez que a polícia não está prendendo cada um desses imigrantes, a única solução para o seu problema era apoiar o único partido que poderia “lidar” com essa situação.

CC: Nesse meio tempo você continua a ensinar as crianças roma. O que lhes responde quando perguntam sobre a Aurora Dourada?
EA: Durante minha experiência no Programa de Educação Infantil Roma nenhuma criança levantou a questão AD como tópico de discussão. Dito isto, houve um tempo em que um menino grego de cinco anos de idade teve uma briga com um menino roma. E em um dado momento gritou para ele: “Vou trazer a  Aurora Dourada para cuidar de você”. Depois de ter seperado a briga, chamei toda todos os alunos, incluindo os dois meninos, para uma discussão aberta sobre o incidente. Logo percebi que o menino grego não tinha a mínima ideia do que sua frase significava, nem o que a Aurora Dourada representa. O menino estava apenas repetindo uma frase que ouviu de adultos ao enfrentarem uma situação similar. Expliquei para a classe como lidar com suas diferenças, e também que a Aurora Dourada resolve suas diferenças através da violência – e este é dificilmente um exemplo a seguir.

CC: Como te afetou a morte do músico Pavlos Fyssas?
EA: Embora assassinato de Fyssas ‘ foi sem dúvida o incidente que desencadeou os acontecimentos que se seguiram, ele não foi a única vítima da brutalidade da AD. Houve pelo menos dois assassinatos confirmados por partidários da AD que não receberam tanta atenção da mídia ou resposta social devido ao fato de que eles não eram gregos, mas imigrantes. O assassinato Fyssas perturbou em primeiro lugar porque ele  foi  o primeiro greto a ser morto pela AD, e assim ficou claro provou para todo mundo que qualquer cidadão poderia estar no seu lugar. Muitas pessoas acreditavam que a AD atacava apenas as minorias,  “os gregos não- puros”.  Este assassinato provou aquilo que a AD realmente é: um partido formado por um bando de criminosos comuns. O fato de os chefes deste chamado partido político irem para a cadeia não vai trazer Fyssas e os outros de volta, mas expõe a verdadeira natureza da AD. Muitas pessoas ainda não perceberam até agora que votaram ou pelo menos apoiaram pessoas que eram capazes de tais atos terríveis.

O grego-canadense Stan Draenos é um analista político que ensinou em diversas universidades na América do Norte e Grécia. Seu livro mais recente Andreas Papandreou: The Making of a Greek Democrat and Political Maverick (I.B. Tauris. 352 págs, 30 libras esterlinas).

CartaCapital: Por que levou tanto tempo para confrontar o partido Aurora Dourada? Vale recordar o trabalhador paquistanês Shehzad Luqman, que foi morto a facadas por um membro da AD em janeiro – sem falar em outros ataques contra imigrantes.

Stan Draenos: As autoridades gregas, tanto na polícia como no judiciário, foram negligentes na reação aos atos criminosos dos membros da Aurora Dourada contra a população imigrante da Grécia, que, infelizmente, é muito diversificada, marginalizada e politicamente fraca para se defender com eficácia da prepotência neonazista. Até agora, o primeiro-ministro [Antonis] Samaras não apoiou com atos suas frequentes denúncias da Aurora Dourada. O momento dessa repressão agressiva, ao que parece, pode ser atribuído a diversos novos fatores que cercam o crime. Primeiro, foi um crime de motivação política. A vítima, Pavlos Fyssas, era um conhecido cantor de rap antifascista. Segundo, o assassinato foi especialmente frio e ocorreu diante de muitas testemunhas, cujos depoimentos e outras evidências sugerem fortemente que o crime foi organizado pelo “batalhão” local da Aurora Dourada com a aprovação e talvez a direção de seus superiores. Terceiro, pouco antes do assassinato, a AD tinha cometido vários incidentes perturbadores, incluindo um ataque violento a membros do Partido Comunista e comportamento agressivo contra um prefeito do Nova Democracia, o que sugere que a AD estava ampliando o âmbito e a frequência de seus ataques. Finalmente, o partido Syriza ultimamente tem acusado a Nova Democracia de Samaras de cortejar a AD, esperando de alguma forma aliar-se a ela, uma acusação baseada no fato de que alguns membros do partido de Samaras realmente vêm flertando com os neonazistas. A atual repressão deu credibilidade às denúncias retóricas de Samaras, permitindo que ele neutralizasse os ataques do Syriza e afastasse os filiados de suas próprias fileiras interessados em se aproximar da direita.

CC: O governo também lançou uma investigação contra oficiais de polícia graduados, pois as forças policiais supostamente estão infiltradas por membros ou simpatizantes da AD. Até onde o governo pode ir?

SD: Terá de ir muito longe. Se não o fizer, a AD poderia manter o governo sobre brasas. O ministro da Ordem Pública e Proteção ao Cidadão, Nikos Dendias, agiu de maneira ousada logo depois do ataque para demitir ou remanejar sete altos membros da polícia nacional, medida destinada a salientar que o governo fala sério ao abordar o fenômeno há muito conhecido da tolerância e às vezes colaboração policial com a AD. Atualmente, 35 unidades de polícia estão sendo investigadas em relação a dezenas de incidentes e queixas de cidadãos. Embora o governo possa ser justamente criticado por sua relutância anterior em agir, o lado positivo da atual situação é que a Grécia não pode mais ser comparada com Weimar, onde a tolerância das autoridades pela criminalidade política deu base a Hitler.

CC: Se forem provadas as ligações diretas entre o partido e a morte de Pavlos Fyssas, políticos como Nikos Michaloliakos e Yannis Lagos, entre outros, serão condenados à prisão. Isso não afetaria o Parlamento em termos de ocupação – e, portanto, a coalizão no poder?

SD: Os deputados da Aurora Dourada estão sendo acusados por infrações cometidas como membros de uma organização envolvida no planejamento e execução de atos criminosos, e não por adotarem ideias antidemocráticas como membros de um partido político radical. Mesmo atrás das grades eles podem continuar sendo deputados no Parlamento. Enquanto isso, segundo o professor de direito de Atenas Nikos Alivizatos, existem meios técnicos parlamentares para evitar que eles forcem eleições extraordinárias ou eleições gerais por meio da renúncia.

CC: Matthew Goodwin, um acadêmico na Universidade de Nottingham, disse à revista The Economist que os movimentos de extrema-direita existem por causa da “cultura e identidade nacionais e um modo de vida que importa mais que preocupações materiais”. Ele sustenta que esses movimentos existem em países com altas notas de crédito, como a Holanda, assim como em um país que pode precisar de uma terceira fiança, como a Grécia. Como responde a esse argumento?

SD: As dificuldades econômicas são um dos fatores que promoveram a impressionante ascensão da Aurora Dourada no apoio dos eleitores. Uma pesquisa de opinião pública divulgada em 7 de outubro revelou que, quando solicitados a escolher o principal fator responsável pela ascensão da Aurora Dourada, 38,5% dos eleitores escolheram “a visão de que o sistema político traiu o país”, enquanto 36,3% escolheram “problemas econômicos dos cidadãos”. É interessante notar que 50% dos eleitores da Aurora Dourada escolheram a traição do sistema político, enquanto apenas 21,9% citaram problemas econômicos. Igualmente interessante foi que a opção “a onda de imigração ilegal e criminalidade” foi escolhida por apenas 8,4% dos entrevistados, e 15,6% de eleitores do Aurora Dourada.A porcentagem da AD é uma manifestação especialmente odiosa do neonazismo na Europa, como indicado pela ansiedade de Marine Le Pen, líder da Frente Nacional da França, a distanciar seu partido da AD em declarações feitas pouco depois da repressão pelo governo grego.

CC: Como explica o fato de que há 18 deputados da Aurora Dourada no Parlamento — e cerca de 8% da população grega os apoiem?

SD: Na minha opinião, a Aurora Dourada é um sintoma de um mal-estar político mais geral que vai além da situação econômica. Na Grécia, as primeiras manifestações de massa contra o sistema político ocorreram em 2008, com a morte de Grigoropoulos pela polícia, muito antes da irrupção da crise da dívida soberana. A perda da fé pública nas instituições democráticas como elas funcionam atualmente é um fenômeno generalizado nas democracias ocidentais. Nos Estados Unidos, o bloqueio em Washington, o Tea Party e os movimentos Ocupem são expressões desse mal-estar.

CC: Se os deputados da AD receberem penas de prisão, como esperamos, existe o risco de que a AD se torne um movimento clandestino, e portanto muito mais perigoso?

SD: Em vez de empurrar a AD para a clandestinidade, a repressão do governo efetivamente penetrou sua fachada como partido político e trouxe à superfície sua natureza essencial como movimento marginal, antidemocrático. Segundo um ex-afiliado, o núcleo desse movimento consistia em cerca de 300 afiliados, organizados secretamente e treinados em estilo militar para montar ataques violentos e imprevistos, principalmente contra imigrantes, mas eventualmente às instituições parlamentares do país. O apoio eleitoral, que caiu cerca de um terço desde a reação do governo, é outra questão. Podemos continuar esperando um apoio firme de 6 a 8%, o que o torna o terceiro partido mais popular no sistema político fraturado da Grécia, onde os maiores partidos, Nova Democracia e Syriza, conseguem cada um apenas cerca de 20% nas pesquisas. De maneira notável, além de um relativo declínio no apoio à Aurora Dourada, os acontecimentos aparentemente chocantes das últimas semanas não produziram um terremoto político. Minha opinião é que o efeito político só se tornará visível na primavera, quando haverá eleições europeias e municipais. Até agora, o impacto político mais drástico foi que a estratégia do Syriza para o outono – mobilizar protestos de rua, especialmente contra as reformas na educação, saúde e governo local, para forçar eleições – foi desviada do rumo, provavelmente para sempre. O que realmente tornaria a AD perigosa é se ela tivesse um líder efetivo como Hitler ou Mussolini, algo que felizmente não tem. Em seus depoimentos em tribunal, membros da AD efetivamente denunciaram a ideologia fascista e o uso da violência, aparentemente por temerem as consequências jurídicas, decepcionando aqueles que adotaram seu evangelho de ódio e deixando o público em geral com a impressão de que são covardes políticos. Nesse sentido, pelo menos, eles se mostraram como gatinhos fascistas.

Alexandra Tzavella, jornalista, “Eleftherotypia” (jornal, online: www.enet.gr )

CartaCapital: Como lida com simpatizantes e filiados da Aurorada Dourada? Eles a ameaçam?

Alexandra Tzavella: Várias vezes, os filiados da Aurora Dourada manifestaram suas opiniões na mídia online e em programas de TV, especialmente no último ano, quando ganharam em números de pesquisas e de representação parlamentar.Como jornalista, falei muitas vezes com simpatizantes e membros da Aurora Dourada, geralmente em off e sob disfarce, para obter informações para minha pesquisa. Quando as matérias foram publicadas eu vi seus dentes aguçados. Mas os leitores não se importam se nós, como jornalistas, somos ameaçados ou não ou se o risco é grande – eles apenas querem ler uma boa reportagem. Ser ameaçada faz parte do meu trabalho, e quando isso acontece, não pela Aurora Dourada, mas por outros sujeitos mais perigosos, sei que estou fazendo bem meu trabalho. Já cobri outras questões “perigosas e/ou ameaçadoras” no passado.

CC: Que outras reportagens está fazendo, incluindo aquelas a envolver a Aurora Dourada?

AT: Sempre me interessei por matérias que outros ignoram ou recusam. O tráfico humano na Grécia, crianças abandonadas em hospitais, imigrantes nas fronteiras do sul da Grécia, gangues de ladrões de bicicleta, o escândalo da Siemens, sem-tetos em Atenas, a vida cotidiana em um “subúrbio da droga” em Atenas – são algumas das minhas grandes reportagens. Nos últimos quatro anos, me interessei pelas questões que levaram a Aurora Dourada a ser eleita para o Parlamento grego, e venho pesquisando as práticas que ela usa para recrutar membros e eleitores. A Aurora Dourada interveio na situação das escolas gregas; esta foi uma grande matéria que mostrou a condição das escolas, nove meses atrás.Nessa reportagem, professores de toda Atenas descreveram as dificuldades de ensinar adolescentes skinheads que são membros da Aurora Dourada.Professores de creches disseram, por exemplo, que alguns pais que são membros da AD os visitam e se queixam quando seus filhos brincam com imigrantes no jardim de infância. Muitas reportagens foram publicadas, uma delas a de um adolescente que foi atacado a facadas no pescoço, e perdeu metade do nariz, por um membro da Aurora Dourada. Em outra reportagem, meses atrás, escrevi sobre a ligação dos imigrantes com a AD. Também entrevistei muitas das maiores vítimas do partido, os imigrantes. No último verão fui testemunha ocular de um ataque. Membros da Aurora Dourada em um desfile de motos atacaram um jovem imigrante afegão em um lugar onde ele estava jantando.

CC: Como explicar a ascensão da Aurora Dourada?

AT: A atual situação na Grécia ajudou na ascensão da Aurora Dourada, que viu seus números nas pesquisas aumentarem muito durante a crise econômica, ao se posicionar contra a troica e as medidas de austeridade, apresentando-se como uma solução ao desemprego, à criminalidade e à pobreza. Nos últimos anos, ficou provado que a AD atua além dos limites da lei e dos princípios democráticos. Eles continuaram sendo um movimento clandestino mesmo depois de eleitos para o Parlamento, seu empoderamento os tornou ainda mais perigosos. Depende da tolerância dos eleitores e de seu QI se essa gangue continuará existindo. E também da eficácia do sistema judicial grego.

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