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China pode incluir o Maranhão como ponto estratégico da Nova Rota da Seda

O professor sul-coreano Paul Lee, formulador do mega projeto logístico chinês, vê no estado brasileiro uma das chaves para a expansão comercial de Pequim

O professor sul-coreano Paul Lee, formulador da Nova Rota da Seda, em visita ao Porto do Itaqui no Maranhão. Foto: Danielle Vieira
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O governo da China está de olho no Maranhão como um dos seus pontos estratégicos para a Nova Rota da Seda, o famoso mega projeto logístico do país asiático que visa ampliar o seu alcance no comércio internacional. A parceria pautou um simpósio realizado nos primeiros três dias da semana passada, com início no Palácio dos Leões, sede do governo do estado, na capital São Luís. A realização do evento foi da Fundação Sousândrade e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do governo de Carlos Brandão (PSB).

A inclusão do Maranhão na empreitada chinesa é defendida pelo professor sul-coreano Paul Lee, professor da Universidade de Zhejiang e autor de um estudo que elegeu localidades-chave para a Rota da Seda na região Subsaariana, no Sri Lanka, no Oriente Médio, no Norte da Oceania, no Sul e no Norte da Europa.

Para Lee, o Brasil se apresenta como um fornecedor alternativo de minério de ferro, após o esfriamento das relações comerciais da China com a Austrália. O país da Oceania é o maior exportador da commodity no mundo, e é de lá que a China obtém 60% do minério de ferro que importa.

Porém, um dos atritos entre China e Austrália é a discordância sobre o reconhecimento do território de Taiwan. Canberra chega a cogitar a mobilização de militares caso ocorra o que chama de “invasão” chinesa, enquanto Pequim considera a área como pertencente à China. Outro estágio desse conflito diplomático se deu em 2020, quando o primeiro-ministro Scott Morrison pediu investigações sobre a origem da Covid-19. As declarações foram interpretadas, na época, como insinuações contra os chineses. A Austrália também teria, na visão de Pequim, colaborado com o lado dos Estados Unidos na guerra comercial.

Enquanto isso, o Brasil só cresce como exportador de minério de ferro, estando apenas atrás da Austrália. Segundo levantamento da plataforma de inteligência Logcomex, o minério de ferro foi a commodity mais exportada pelo Brasil em 2021 na via marítima, à frente da soja e do petróleo. E a China é o destino de cerca de 70% desse montante, levando em conta que o país asiático comprou 15% a mais do produto brasileiro em 2021 (243 milhões de toneladas) em relação a 2020 (212 milhões de toneladas). Contudo, o Brasil é responsável por apenas 20% do minério de ferro que os chineses importam.

A China é hoje a maior consumidora de minério de ferro no mundo por conta da sua estratégia industrial: o país é, também, o maior produtor mundial de aço, material feito com ferro. A fabricação de aço é dedicada para a exportação e também estimula medidas de infraestrutura doméstica, como a construção de pontes, estradas e edifícios.

Para os formuladores da Rota da Seda, é necessário diversificar a fonte das importações chinesas e, no caso do minério de ferro, libertar-se da dependência da Austrália. Uma das táticas é aumentar a presença na América do Sul. Nesse sentido, o Maranhão ofereceria boas condições de localização para o comércio marítimo, pela proximidade com o Canal do Panamá e com mercados consumidores na Europa e na África.

Já para as autoridades maranhenses, a ideia é aumentar a capacidade de exportação, não só de minério de ferro, como também de grãos, bens processados e até gás natural, e não só para a China, como também para países africanos.

Simpósio com o professor Paul Lee foi apresentado pelo secretário de Desenvolvimento Econômico José Reinaldo Tavares. Foto: Danielle Vieira

O Porto do Itaqui, administrado pelo estado na cidade de São Luís, é visto como ponto central, por ser descrito como o porto público mais profundo do país, o que permite a atracação de navios de grande porte.

Segundo o diretor-presidente do Itaqui, Ted Lago, a parceria com a China prevê a aplicação de 2 bilhões de reais nos próximos cinco anos para obras de infraestrutura do porto, somados a um valor de 1,8 bilhão que já foi investido desde 2015.

O foco é dar melhorias aos terminais de exportação para aumentar a capacidade de transportar cargas. A estimativa é de que o porto saia das 31 milhões de toneladas de cargas movimentadas em 2021 para as 40 milhões de toneladas em 2025.

Se concretizada, essa marca deixaria o Porto de Itaqui entre os cinco principais portos nacionais. O ranking da Logcomex do ano passado registrou nas regiões Sudeste e Sul os cinco portos com mais exportações, sendo o primeiro o Porto de Santos (134,6 milhões de toneladas) e o quinto o Porto de Paranaguá (34,3 milhões de toneladas).

Além da questão da localidade e da infraestrutura do porto, Lago destaca a conexão ferroviária. O Maranhão tem conexão com estados vizinhos, pela Transnordestina, e com o Pará, pela Estrada de Ferro Carajás. Há ainda a Ferrovia Norte-Sul, ainda a ser finalizada, mas que já leva a influência do Porto do Itaqui para Goiás e está para ser estendida à fronteira com a Bolívia em 2025.

Está em mente a ideia de institucionalizar um “colar de pérolas” entre os portos do Nordeste, com centralidade no condomínio de portos do Maranhão, que também conta, por exemplo, com o Porto São Luís e o Terminal Portuário de Alcântara.

“O professor identificou o Porto de Itaqui como o principal, pela localização, pelos 20 metros de profundidade e pela conexão ferroviária para o interior do país”, afirmou Lago, em entrevista ao boletim de política internacional de CartaCapital.

De acordo com o o secretário de Indústria e Comércio do Maranhão, Cassiano Júnior, a perspectiva é de que novas reuniões sejam realizadas neste ano para mapear quais setores econômicos devem, de fato, entrar no plano. Mas, segundo ele, já é possível dizer que o simpósio deu o start para a integração do Maranhão na Rota da Seda.

“A parceria está começando hoje, com essa palestra. A gente vem desenvolvendo esse trabalho ao longo dos anos e, agora, está de fato sendo concretizado”, declarou.

O professor sul-coreano Paul Lee durante exposição em simpósio no Palácio dos Leões. Foto: Danielle Vieira

Meio ambiente, educação e superação da pobreza: os desafios

Elencadas as condições positivas, os entusiastas da missão chinesa devem se deparar com algumas tarefas logo nos primeiros passos. Uma delas é mensurar o efeito ambiental de um projeto que tem como objetivo expandir estruturas nos mares.

Para o professor Sérgio Cutrim, doutor em Engenharia Naval e professor da Universidade Federal do Maranhão, “é necessário muita cautela e planejamento”, uma vez que todo projeto de investimento gera algum tipo de impacto.

Cutrim considera o transporte marítimo como o mais “amigável” ambientalmente e diz que as licenças ambientais de construção e operação já compõem um arcabouço regulatório consolidado, mas é preciso ter atenção para o conceito de governança ambiental, social e corporativa, ou ESG, na sigla em inglês.

“Não existe incompatibilidade entre desenvolvimento portuário com a sustentabilidade”, afirma o professor. “A questão é um posicionamento que vai além das condicionantes legais. Nossa recomendação é gastar mais recursos com comunicação, obter certificações ambientais e criar um sistema de indicadores dessa temática, além de dar um tratamento diferenciado para as comunidades no entorno.”

Outro desafio é que os investimentos resultem em benefícios para os setores sociais que passam por dificuldades econômicas, agravadas com os efeitos da pandemia. De acordo com estudo divulgado em junho pela Fundação Getúlio Vargas, o Maranhão foi o estado que registrou a maior proporção de pessoas pobres, com 57,9% da população nessa condição. O Litoral e a Baixada Maranhense formaram o estrato espacial com o pior percentual de pobreza no ano passado, marcando 72,59% entre os 146 estratos estudados.

As tarefas passam, também, por qualificar a mão de obra. Durante o simpósio, o próprio professor Paul Lee disse ter observado a falta de formação adequada para atender a demanda da Rota da Seda. O especialista recomendou que o governo do estado se dedique em programas de envio de jovens para o exterior, em modelos baseados nos da Coreia do Sul.

“Eu invejo tanto vocês, com vastos territórios. Mas está faltando mão de obra”, afirmou Lee. “Se recomendarem bons estudantes, eu posso oferecer bolsas pessoalmente.”

A situação, no entanto, indica a necessidade de esforços no campo educacional desde as primeiras fases. Apesar de estar em trajetória de crescimento no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, por exemplo, o Maranhão possui dados que revelam desafios pela frente: apenas 20% dos alunos da rede pública terminam o Ensino Fundamental com aprendizagem adequada em Língua Portuguesa, enquanto no Ensino Médio são 17,7%, e 59 de cada 100 jovens concluem o Ensino Médio até os 19 anos, segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2021. Esses índices são menores que os de 19 estados.

O governo federal e a relação com os EUA

Para completar a lista de desafios, o ano eleitoral deixa dúvidas sobre qual será o nível de cooperação com o governo federal para esse ambicioso projeto.

Autoridades ouvidas por CartaCapital admitiram divergências com o presidente Jair Bolsonaro (PL), sobretudo nas relações com a China. Por outro lado, consideram o diálogo com Pequim bem consolidado até agora, a partir de uma série de visitas do governador Carlos Brandão ao país asiático desde que era vice de Flávio Dino (PSB).

É o que sintetiza o presidente da Gasmar, Alan Kardec. Em entrevista ao boletim, ele disse lamentar a postura adotada por Bolsonaro, ainda que não tenha inviabilizado a parceria.

“Esse conflito era absurdamente desnecessário. Obviamente, ele atrapalha os negócios, porque, no final das contas, nós somos o Brasil”, afirmou Kardec. “Ao mesmo tempo, nós fizemos um movimento de dialogar diretamente com a China enquanto estado. Acredito que estamos com uma política consistente.”

Outro tema discutido é a posição brasileira diante do conflito comercial entre os Estados Unidos e a China. Diante da iniciativa da Casa Branca de deter a expansão de Pequim, autoridades debateram no simpósio sobre a capacidade de conciliar as duas relações bilaterais. Para Kardec, será a oportunidade para o Brasil atuar com soberania. À reportagem, ele lembrou que o Maranhão foi favorável ao Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, firmado em 2019, que permitiu a exploração da Base de Alcântara por empresas americanas.

Estudioso sobre a Rota da Seda, o cientista político Diego Pautasso avalia que os Estados Unidos perderam a capacidade que tinham na Guerra Fria de representar o modelo produtivo de vanguarda e ser o principal mercado para países da periferia do globo.

A essas nações, a China tem exercido o efeito gravitacional das relações comerciais e sido o principal financiador de investimentos em infraestrutura, com expertise notável e disposição para que as parcerias amadureçam a longo prazo.

No caso brasileiro, o professor vê na Rota da Seda a possibilidade de atender a urgência de revitalizar a infraestrutura comercial, sucateada nos anos 90, levemente retomada com o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e novamente paralisada a partir de Michel Temer (MDB) e das consequências da Operação Lava Jato. Além disso, ele vê uma oportunidade de que a Rota da Seda fortaleça a integração regional na América do Sul.

“Acho que a China e o Maranhão se veem de maneira convergente. O Maranhão está próximo ao mercado americano e europeu, é o ponto norte de conexão com celeiros brasileiros produtores de grãos e de minério. De fato, há uma potencialidade grande para o Maranhão, e também para a China se conectar ao resto do Brasil”, analisa Pautasso.

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