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Chilenos rejeitam proposta de nova Constituição; entenda o que mudaria

Mais cedo, o presidente Gabriel Boric assegurou que pediria ‘unidade nacional’ com ‘mais democracia’, independentemente do resultado

Eleitores chilenos na Plaza Italia, em Santiago. Foto: MARTIN BERNETTI/AFP
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Os chilenos rejeitaram neste domingo 4 o projeto de uma nova Constituição, que buscava mudar um modelo ultraliberal herdado da ditadura de Augusto Pinochet para estabelecer mais direitos sociais.

Segundo o Serviço Eleitoral, o Rechazo teve cerca de 62% dos votos no referendo, enquanto o Apruebo obteve aproximadamente 38%.

Após votar, na manhã deste domingo, o presidente Gabriel Boric assegurou que, independentemente do resultado, pediria “unidade nacional” com “mais democracia”, a fim de superar fraturas sociais.

Boric ainda declarou perceber a disposição, “na grande maioria, de trabalhar em conjunto”. Também disse que “as divisões não nos fazem bem e quando nos juntamos sai o melhor de nós e de nossa identidade”.

O projeto de nova Constituição foi escrito por uma assembleia eleita em 2021, composta por 154 membros, paritária e com a participação de povos indígenas. O governo Boric contava com a aprovação do novo texto para realizar reformas sociais prometidas durante campanha para a Presidência.

Paridade e garantias sobre os direitos sociais, reconhecimento de um estado plurinacional e regionalização são algumas das propostas do texto, considerado progressista e inovador por observadores internacionais.

O texto rejeitado projetava um “Estado social e democrático de direito”, em contraste com a Constituição da ditadura de Pinochet, que deixou a educação, a saúde e outros temas sociais nas mãos do mercado. Confira algumas das mudanças que constavam do projeto:

Sistema político

A Constituição vigente divide o Congresso entre a Câmara dos Deputados e o Senado. A proposta eliminaria o Senado e criaria duas Câmaras de poder “assimétrico”: um Congresso de Deputados para a formulação de leis e uma Câmara das Regiões só para as leis “de acordo regional”, mas longe de ter o peso que o Senado possui.

Pensões e saúde

O projeto de Constituição propunha um Sistema Nacional de Saúde Universal, um tema central no Chile, onde a maioria da classe média paga altos preços pelos serviços sanitários.

Hoje, todos os trabalhadores formais devem destinar obrigatoriamente 7% de seu salário para a Saúde. O montante pode ir 100% para o setor privado, mas o percentual não cobre a totalidade de uma enfermidade, cirurgia ou medicamentos.

Só os funcionários com salários mais altos podem pagar planos privados, muito caros, aos quais recorrem 16% dos chilenos.

O novo texto estabelecia que as cotações obrigatórias em saúde fossem 100% destinadas ao sistema público e que se permitisse a contratação de planos de saúde privados adicionais.

Desde a Constituição de 1980, as aposentadorias dependem de aportes exclusivamente do trabalhador em fundos de pensões privados que pagam valores abaixo do salário mínimo de 400 dólares ou 60% menores que o último salário.

A proposta rejeitada neste domingo propunha um Sistema de Segurança Social público, financiado por trabalhadores e empregadores.

Habitação

A proposta de Constituição estabelecia o direito a uma moradia digna e que o Estado garantisse serviços básicos, localização apropriada e espaço suficiente. Um dos objetivos era regulamentar as moradias sociais e a construção dos chamados guetos verticais, edifícios com centenas de apartamentos, estreitos e superlotados.

O país tem hoje um déficit de mais de 500 mil moradias sociais e a nova Constituição pretendia assegurar o direito à moradia, intensificando a construção e apresentando fórmulas para resolver o problema dos sem-teto.

Interrupção de gestação

A Constituição de 1980 protege “a vida de quem está para nascer”, embora o Chile tenha descriminalizado em 2017 o aborto em três situações.

No novo texto, incluiu-se o direito à “interrupção voluntária da gravidez”, o que poderia colocar o Chile na vanguarda mundial.

Plurinacionalidade

A Constituição de 1980 não faz referência alguma aos povos originários, a representarem 12,8% da população chilena. O novo texto defendia autonomia para os indígenas, reconhecendo 11 povos e nações, mas não permitia atentar contra o caráter “único e indivisível” do Estado.

Entre os pontos mais polêmicos estava o reconhecimento dos sistemas jurídicos indígenas, com a ressalva de que eles deveriam respeitar a Constituição e tratados internacionais e que a Corte Suprema teria a última palavra.

Meio ambiente

O novo texto possuía um forte aspecto ambiental, classificado por especialistas internacionais como pioneiro em reconhecer os direitos da natureza e dos animais e a proteção da água como um direito humano.

Democracia paritária

Seria a primeira Carta Magna no mundo redigida em uma convenção paritária e que definiria o Chile como uma “democracia paritária”, na qual as mulheres ocupariam pelo menos 50% dos cargos nos poderes e nos órgãos do Estado.

Neurodiversidade

A proposta buscava garantir as condições para o desenvolvimento de todas as pessoas e superar os estigmas para pacientes com doenças mentais, incluindo direitos a uma vida autônoma em favor da neurodiversidade e das pessoas neurodivergentes.

(Com informações da AFP e da RFI)

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