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Chile: deputados votam pedido de impeachment de Piñera, acusado de corrupção

Os cinco parlamentares integrantes da comissão discutiram e votaram a favor da rejeição da acusação constitucional

O Presidente do Chile, Sebastián Piñera. Foto: CLAUDIO REYES/AFP
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A Câmara dos Deputados do Chile vota nesta segunda-feira (8) a acusação constitucional contra o presidente Sebastián Piñera. O texto foi enviado pelos deputados de oposição para análise em 13 de outubro e passou em seguida pela Comissão Revisora, que realizou a última sessão na sexta-feira (5).

A oposição pede o impeachment de Piñera após os fatos revelados pela investigação jornalística Pandora Papers, em que a venda do projeto de mineração Dominga, entre a família do presidente e o empresário chileno Carlos Alberto Délano, é relatada em uma transação nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal. O Ministério Público do Chile abriu uma investigação sobre a possibilidade de ter havido pagamento de propina e violações tributárias na transação.

Embora a decisão da Comissão Revisora não tenha caráter vinculante, ou seja, não é determinante para a votação no plenário da Câmara, a oposição vê com preocupação a votação. Para ser aprovada, a acusação constitucional requer a maioria simples da Câmara para passar para o Senado. Isso significa que são necessários 78 votos de deputados a favor da acusação, mas o contágio por Covid-19 do deputado e candidato presidencial Gabriel Boric (Convergência Social) pode complicar a situação.

Além dele, pelo menos dois parlamentares podem ser considerados seus contatos próximos e não poderiam comparecer à votação presencial, já que estariam em quarentena preventiva obrigatória imposta pelo Ministério da Saúde. Tampouco poderiam votar pela Internet, já que esta modalidade estava disponível apenas enquanto durava o estado de exceção nacional no Chile, que terminou em 30 de setembro.

Para Andrés Cabrera, a votação dos parlamentares não estará embasada somente nos possíveis crimes tributários do presidente, mas também deve incorporar as nuances da campanha presidencial, cujo primeiro turno acontece dia 21 deste mês, e também na opinião pública. De acordo com uma pesquisa do Pulso Ciudadano, 7 em cada 10 chilenos (67%) estão de acordo com a acusação constitucional contra o presidente.

“A derrota do impeachment constitucional na Câmara pode eventualmente afetar a liderança dos candidatos mais bem posicionados das forças de oposição, Gabriel Boric e Yasna Provoste. Há muita incerteza no cenário político e isso impede que tiremos conclusões precipitadas. Acho que a pergunta que está sendo feita é: ‘Quais são os custos/ benefícios políticos de remover o presidente quando faltam quase 4 meses para o fim de seu mandato?’. Essa é uma questão estratégica que vai além, é claro, do cálculo eleitoral mais personalista”, explica Cabrera, Doutorando em Sociologia em Goldsmiths, Universidade de Londres, Historiador e Cientista Político pela Universidade Católica de Valparaíso.

“Um tiro no pé”

Diante disso, uma proposta foi apresentada pelo deputado Jaime Naranjo (Partido Socialista), denominada  “lei Lázaro”. “A sala pode levar dois, três, quatro, cinco ou até dez dias para votar o tema. E um parlamentar pode perfeitamente estar falando 48 horas ou 72 horas até que passe a palavra para o seguinte”, disse o deputado a uma rádio chilena. Com essa estratégia, os deputados de oposição esperam arrastar a votação até terça-feira (9).

“Este artifício é um mau precedente e um tiro no pé em um congresso já debilitado, uma das instituições que atualmente não goza de muita confiança cidadã de acordo com as últimas pesquisas de opinião. O fato de ele haver proposto esta sessão com intervenções intermináveis com o objetivo de prorrogá-la é uma péssima maneira de fortalecer o trabalho do parlamento”, explica Marco Moreno, analista político, doutor em Ciência Política e diretor da Escola de Governo e Comunicação da Universidade Central.

Esta estratégia tem sido fortemente criticada pelo oficialismo. O ministro Juan José Ossa, da Secretaria Geral da Presidência, reiterou sua opinião de que a acusação constitucional teria um propósito eleitoral. “A famosa ‘lei de Lázaro’ é mais um reflexo do uso eleitoral que se pretende dar a algo tão grave como uma acusação constitucional contra o presidente”, disse o ministro. Caso a votação não aconteça nesta segunda-feira, os deputados chilenos terão que lidar com uma outra questão pela frente: a votação do pedido de extensão do estado de exceção no sul do Chile.

“Hoje, a oposição conta com 83 votos e há dúvidas sobre quatro que poderiam afetar no resultado. Se a isso somamos a situação dos dois deputados da coligação Frente Ampla e a do deputado e candidato presidencial Boric, por conta do contágio por Covid-19, evidentemente há uma situação de risco para a oposição. Por isso, recorrer à estratégia da ‘lei Lázaro’ pode danificar seriamente o objeto dessa acusação constitucional, que é o de estabelecer a responsabilidade política do presidente Sebastián Piñera. O oficialismo está buscando que, junto com a acusação constitucional, também sejam votados dois temas que são complexos para a atual oposição: um é a lei de indulto aos presos da revolta de 18 de outubro (de 2019) e o outro é a prolongação do estado de exceção da macrozona sul”, explica Marco Moreno.

O futuro de Piñera

Esta é a segunda vez que o presidente chileno enfrenta uma acusação constitucional – a primeira foi ingressada em 2019. Piñera foi acusado de responsabilidade nos casos de violação dos direitos humanos cometidos por agentes do Estado no contexto dos protestos sociais daquele ano. Na época, o texto foi recusado pelos deputados. Se a atual acusação constitucional for aprovada no Senado, o Presidente será obrigado a deixar o cargo e ficará impossibilitado de exercer funções públicas por cinco anos. Se isso acontece, o Congresso

Andrés Cabrera pontua que o cenário de oposição no Senado é minoria dentre os 43 senadores. “É preciso entender que o Senado tem atuado no Chile como um neutralizador das mudanças, já que ali estão representados os setores politicamente mais conservadores, tanto da direita como da centro-esquerda. Por outro lado, nesta fase a aprovação deve ser votada por 2/3 da Câmara Alta. As chances de isso acontecer, nesse sentido, atualmente são mínimas. No entanto, em períodos de crise, os cenários podem mudar literalmente da noite para o dia”, finaliza Cabrera.

“Tudo nos faz pensar que o Senado vai se posicionar contra a acusação constitucional. Para além dos resultados das duas câmaras, o certo é que temos como pano de fundo uma derrota política para o presidente Sebastián Piñera. A sua intenção de passar para a posteridade como um presidente que conseguiu enfrentar a pandemia ou que conseguiu fazer uma boa gestão, evidentemente não será alcançada. Os livros de história certamente vão lembrar dele como um presidente que foi acusado constitucionalmente em duas oportunidades e que conseguiu se salvar em última instância. Seu legado será irremediavelmente este”, conclui Moreno.

Conflitos no Sul do Chile

No dia 12 de outubro, o presidente Sebastián Piñera decretou estado de exceção nas regiões da Araucanía (províncias de Malleco e Cautín) e Biobío (províncias de Arauco e Biobío), área que também é conhecida como macrozona sul. A medida colocou cerca de dois mil militares nas ruas apoiando o serviço da polícia nas rotas e estradas da região, onde ataques incendiários são constantes em protesto à exploração ambiental da zona.

Com a justificativa de que a presença de militares na região “tem produzido bons resultados”, de acordo com Piñera, o estado de exceção já foi prorrogado uma vez e deve durar até 11 de novembro. Como este prazo está próximo de terminar, o presidente chileno já encaminhou um novo pedido de extensão ao Congresso. Essa solicitação necessita ser votada até terça-feira (9). Caso não ocorra a votação, o estado de exceção se renova automaticamente.

Na semana passada, um homem de 23 anos, identificado como sendo da etnia Mapuche, a maior etnia indígena do Chile, morreu em confronto com os militares. As circunstâncias da morte estão sendo investigadas pelo Ministério Público. “A política de militarização que Piñera vem conduzindo na área (apoiada pela direita e pelos dois candidatos presidenciais do setor) pode causar uma fratura histórica de proporções se o diálogo não for escolhido como solução política”, sinaliza Andrés Cabrera.

Uma consulta cidadã concluiu que 81% dos habitantes da região da Araucanía são a favor da manutenção do estado de exceção. Realizada através da Internet de sexta-feira (5) a sábado (6), a consulta coletou dados da percepção da população sobre a eventual prorrogação do estado de exceção. A consulta contou com a participação de quase 145 mil pessoas e foi promovida pelo governador Luciano Rivas, do partido de direita Evópoli, e pela Associação de Municípios de La Araucanía (AMRA).

“Pedimos aos políticos, especialmente a todos os deputados e senadores chilenos, que ouçam nossa voz, não sejam surdos”, disse Rivas assim que os resultados foram publicados. Rivas destacou ainda que busca desde seu cargo promover um “pacto nacional” que considere estender o estado de emergência na área para garantir a segurança, bem como estabelecer diálogos com “todos que quiserem, sem armas ou fuzis na mesa”.

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