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Charlie Hebdo: busca por suspeitos de atentado termina com mortes
Quatro reféns e três radicais islâmicos foram mortos nesta sexta-feira, após horas de cerco na região metropolitana de Paris
Terminou na noite desta sexta-feira 9 (tarde em Brasília) a busca aos radicais islâmicos que, segundo as autoridades francesas, mataram 12 pessoas na redação da revista satírica Charlie Hebdo na quarta-feira 7. O total de mortos no período é de 20 pessoas, e inclui, além das 12 primeiras vítimas, quatro reféns feitos nesta sexta, uma policial morta na quinta-feira 8 e os três suspeitos – os irmãos Said e Cherif Kouachi, 32 e 34 anos, respectivamente, e Amédy Coulibaly, 32 anos. Os três foram mortos durante operações simultâneas realizadas pelas forças especiais da Gendarmerie nationale, a principal força de elite francesa.
Os quatro reféns mortos nesta sexta-feira ainda não foram identificados. Na quarta-feira, foram assassinados o cartunista Stéphane Charbonnier, conhecido como Charb e editor do Charlie Hebdo; os cartunisas Wolinski, Jean Cabu, Bernard Verlhac (Tignous) e Phillippe Honoré; o economist Bernard Maris, subeditor do semanal; o revisor Mustapha Ourad e a colunista Elsa Cayat. Além dos funcionários do jornal, morreram Michel Renaud, que visitava a redação; Frédéric Boisseau, que trabalhava na Sodexo, empresa no mesmo prédio; e os policiais Franck Brinsolaro e Ahmed Merabet, este executado com um tiro na cabeça quando já estava ferido.
Nesta sexta, a França viveu um tenso impasse por várias horas. Pela manhã, as forças de segurança cercaram uma gráfica em Dammartin-en-Goële, cidade a noroeste de Paris, nas proximidades do aeroporto Charles de Gaulle, onde Said e Cherif mantinham uma refém. Horas depois, Coulibaly invadiu um supermercado judaico na região leste de Paris, e teria ameaçado executar reféns caso a gráfica onde estavam os irmãos Kouachi fosse invadida.
Em entrevistas ao canal francês BFMTV, divulgadas apenas depois do fim das operações, Coulibaly afirmou que os dois sequestros desta sexta-feira foram coordenados. Ele disse apoiar o Estado Islâmico, grupo que age no Iraque e na Síria, mas Cherif Kouachi, que também foi entrevistado pelo canal de tevê, disse estar agindo em nome da Al-Qaeda no Iêmen e de Anwar al-Awlaki, norte-americano de nascimento e líder espiritual do grupo, morto em 2011 por um ataque aéreo dos Estados Unidos.
Segundo as autoridades francesas, Cherif e Said foram os responsáveis pelo ataque à redação da revista. Coulibaly, por sua vez, é o principal suspeito de ter matado a policial Clarissa Jean-Philippe, na quinta-feira 8, durante as buscas pelo irmãos Kouachi.
Os três se conheceram entre 2005 e 2006, afirmou a imprensa francesa, na prisão Fleury-Mérogis, no sul de Paris, conhecida por sua superlotação. Foi neste local que Coulibaly, preso inicialmente por assalto à mão armada, se converteu ao islã e se tornou um radical. Em 2010, Coulibaly foi preso por participar de um plano para tirar da prisão Smaïn Aït Ali Belkacem, condenado pelo ataque ao metrô de Paris em 1995.
A história dos dois irmãos, assim como a de Coulibaly, ilustra como se dá a radicalização de jovens muçulmanos na Europa de hoje em dia. Franceses de origem argelina, Said e Cherif estiveram sob o cuidado dos serviços sociais do país entre 1994 e 2000, em uma instituição educacional no centro da França. Eram, segundo o chefe do serviço educacional da instituição, Patrick Fournier, perfeitamente integrados e sem problemas de conduta.
A partir de 2003, os irmãos passaram a seguir os cursos religiosos do jovem “emir” Farid Benyettou em casas particulares ou mesquitas de Stalingrad, um bairro popular do nordeste de Paris. Em seus cursos, Benyettou apoiava a jihad no Iraque, um tema que tratou, em particular, com Cherif, a quem dizia que, neste contexto, o Islã considera legítimos os atentados suicidas. Cherif pouco a pouco foi se convertendo, o que o levou, entre outras coisas, a parar de fumar maconha e a respeitar os ritos religiosos.
Os irmãos Cherif e Said Kouachi foram mortos na operação policial e, segundo as autoridades francesas, eram os responsáveis pelo ataque à redação da revista
O grupo liderado por Benyettou, chamado pelas autoridades de rede de Buttes-Chaumont, referência ao nome de um parque do norte de Paris, onde os integrantes faziam exercícios físicos e recrutavam combatentes, foi eventualmente descoberto pela polícia e desbaratado. A investigação sobre Benyettou e os irmãos Kouachi ajuda a revelar a dinâmica do grupo.
“Quando Benyettou falava comigo, eu tinha a impressão que de certa maneira me dizia: ‘Vê? As provas estão diante de você'”, disse Cherif Kouachi aos investigadores. “Quando ele falava, tinha a impressão de que a verdade estava ali, na minha frente”, contou. Naquele momento, Cherif negou qualquer intenção de agir na França e não foi processado. No entanto, Benyettou, que o descreveu como “muito impulsivo e muito agressivo”, afirmou que Cherif teria falado “sobre sua intenção de atacar a comunidade judia em Paris antes de ir participar da jihad”.
Em 2004, Cherif manifestou a Benyettou seu desejo de viajar ao Iraque. O “emir” confiou a ele a missão de “se unir ao grupo de Abu Musab al-Zarkawi”, líder naquele momento do braço iraquiano da Al-Qaeda. Benyettou “me falou de setenta virgens e de uma grande casa no Paraíso” e de “detonar contra uma base americana um caminhão carregado de explosivos”, disse Cherif. “Indivíduo indignado pelas torturas que os americanos infligiram aos iraquianos”, Cherif não chegou a viajar ao Iraque. Em 2005, foi detido antes de pegar o voo rumo à vizinha Síria.
Cherif foi finalmente condenado em 2008 a três anos de prisão. Na detenção, conheceu Djamal Beghal, uma figura do islã radical francês, que exerceu, segundo as fontes, “uma grande influência” e o levou a praticar “um Islã muito rigoroso”. Beghal estava preso por envolvimento com um atentado ao metrô de Paris em 1995 e também serviu como inspirador de Coulibaly.
Said, por sua vez, frequentou a Universidade al-Iman, estabelecimento religioso fundado pelo clérigo fundamentalista Abdel Majid al-Zindali, no Iêmen. No mesmo país, Said recebeu treinamento militar da Al-Qaeda para o manejo de armas. A pista de Said se perde entre 2010 e 2012, mas as autoridades de segurança do Iêmen acreditam que, neste período, ele teria recebido um treinamento militar.
Na Universidade al-Iman, Said Kouachi pedia para ser chamado de Mohammed, segundo o testemunho de um companheiro de classe que falou com a AFP sob anonimato. “Era disciplinado, calmo e discreto”, disse o estudante iemenita.
Atualmente, Said e Cherif viviam em Gennevilliers, a noroeste de Paris. Segundos os responsáveis pela mesquita da cidade, eles não mostravam nenhum sinal de radicalização, mas antes das eleições presidenciais francesas de 2012 manifestaram contrariedade à solicitação feita pelo imã da mesquita para que os fiéis que fossem votar.
Ao jornal canadense The Glob & Mail, uma vizinha árabe da dupla em Gennevilliers contou que, há cerca de dois meses, seu marido e um amigo descobriram um “estoque de armas” na residência dos Kouachi. Os dois entraram na casa dos irmãos quando eles não estavam presentes, por temerem o comportamento recente dos dois, que incluíam orações em voz alta várias vezes por dia. Surpreendidos pelos irmãos, os vizinhos foram ameaçados e decidiram não relatar o que viram para a polícia.
Com informações da AFP
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