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Cartas na manga

Trump ampliou o ataque. Agora é hora de reagir com ambição

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As exportações para os EUA caíram de 25% do total para menos de 12% – Imagem: iStockphoto
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Parece não ter fim o avanço do ataque geoeconômico de Donald Trump. Depois de atingir nossas instituições e anunciar tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros, agora mira o Pix e, pasmem, até o agronegócio. Ficou escancarado o que boa parte do debate econômico nacional ainda reluta em admitir: com o tarifaço global, os Estados Unidos renunciaram a qualquer responsabilidade pela globalização que ajudaram a construir, abandonando o livre-comércio para alcançar objetivos políticos e econômicos próprios, e, com isso, ameaçando diretamente a nossa segurança econômica.

O Brasil tem, no entanto, algumas cartas na manga. A diversificação de parceiros comerciais reduziu a dependência do mercado norte-americano. Se, nos anos 1990, os EUA absorviam 25% das nossas exportações, hoje representam menos de 12%. Essa diversificação não apenas mitiga perdas diretas, como também facilita a realocação de exportações para outros mercados. Além disso, a posição externa do País é sólida. O superávit comercial geral está em 80 bilhões de dólares, e as reservas internacionais somam 350 bilhões. Perdas pontuais de exportações podem ser absorvidas, ao menos por algum tempo, sem desencadear crises.

O cenário pode, no entanto, agravar-se, não por sermos alvos preferenciais, mas porque o tarifaço atinge o mundo inteiro. Com o redirecionamento das exportações globais, a concorrência se intensificará. E, caso o tarifaço leve à retração do comércio mundial e ao desaquecimento das economias, o espaço para nossas exportações também diminuirá. Por isso, mais do que discutir medidas retaliatórias, é urgente construir uma saída estruturada diante da possível perda de mercados externos. Isso requer um programa de desenvolvimento ousado, ancorado no aumento do investimento e do consumo públicos.

Esta é a melhor estratégia para proteger empresas e setores altamente competitivos, que investiram pesado e se estruturaram com base em regras estáveis. Um exemplo emblemático é a Embraer, fabricante de algumas das melhores aeronaves regionais do mundo. Neste caso, é preciso ir além da busca por novos mercados. O Brasil, país continental com demanda crescente por voos regionais, deve promover uma nova estratégia para o setor aéreo, conectando capitais sul-americanas às principais cidades brasileiras com aeronaves da Embraer.

O Brasil tem condições de resistir se pensar além da busca por novos mercados

O agronegócio também pode ser atingido. Mas é possível estimular o consumo interno de produtos da agroindústria que eventualmente sofram com barreiras, como suco de laranja, café e carne bovina. Com apoio de compras públicas, como para merenda escolar (idealmente com créditos extraordinários), podemos sustentar a demanda e beneficiar diretamente a população. Da mesma forma, obras públicas e programas de habitação podem ser acelerados, absorvendo parte da produção de aço e ferro-gusa antes destinados à exportação.

A segurança econômica exige também ousar na reindustrialização. Já existem políticas bem desenhadas, mas sem recursos suficientes para implementação. O Brasil tem vantagens estratégicas em fontes renováveis – hidrelétrica, eólica, solar e biomassa – e poderia tornar-se referência na produção de soluções para a transição energética. Biocombustíveis como etanol e biodiesel reforçam essa posição. Investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação – em parceria com o setor privado – podem criar nichos de mercado, agregando valor à cadeia produtiva nacional. Uma política industrial focada em tecnologias limpas pode impulsionar a produção e exportação de soluções em energia renovável: baterias, sistemas de armazenamento, tecnologias de eficiência energética para o transporte e a indústria, entre outros.

Para tanto, é essencial recuperar a capacidade do Estado de conduzir uma política econômica à altura dos desafios do novo cenário global. Isso passa por recompor o investimento público sem comprometer os demais gastos sociais ou a demanda agregada. É legítimo, portanto, buscar novas receitas: tributar mais os super-ricos, revisar isenções e subsídios ineficientes. Ainda assim, isso não será suficiente. Diante da urgência e complexidade do momento, mas também das oportunidades, o País precisa formar um consenso. O Estado deve investir e consumir mais para enfrentar a incerteza e liderar a construção de um novo caminho.

Trump e os poucos brasileiros que o apoiaram nessa ofensiva não estão pensando no futuro da nossa nação. Mas talvez a gravidade da agressão geoeconômica possa, finalmente, abrir espaço para um debate que transcenda os interesses políticos e econômicos imediatos. Em um cenário internacional mais incerto, esta pode ser a chance de construir uma coalizão por uma economia mais resiliente, mais próspera e mais justa. Talvez, como diz o ditado, seja mesmo um daqueles casos em que há males que vêm para o bem. •


*Antônio José Alves Júnior é doutor em Economia e professor no DeCE e PPGCTIA/UFRRJ. Foi chefe da Assessoria Econômica do MPOG Orçamento e Gestão (2004–2005) e chefe do Departamento de Relações com o Governo no BNDES (2009–2013); Rogério Studart é doutor em Economia, Senior Fellow do CEBRI. Foi diretor-executivo do Brasil no BID e no Banco Mundial entre 2004 e 2015.

Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Cartas na manga’

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