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Cartas marcadas?

Draghi demite-se sabendo que o presidente Mattarella rejeita o seu pedido. Mesmo assim, no dia 21, o premier volta à carga. O enredo tem toques da Commedia dell’Arte. Super Mario fica?

Mattarella e Super Mario, protagonistas deste enredo. Ao lado, Giuseppe Conte, satisfeito no papel de pedra no caminho - Imagem: Palazzo Quirinale/AFP e Eliana Imperato/AFP
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Mario Draghi goza do respeito e da admiração da Europa desde os tempos em que presidiu o Banco Central da UE, quando foi definido como o “Super Mario”. Ao cabo da longa carreira deste composto e afável personagem, aos 75 anos tornou-se primeiro-ministro italiano e, como tal, de um governo de unidade nacional que vai do ministro da Saúde, Roberto Speranza, de 43 anos, nascido como brilhante quadro do Partido Comunista, à extrema-direita representada por vilões resistentes, com destaque para o eterno Silvio ­Berlusconi e Matteo Salvini, líder da Liga.

Draghi tem sido destinado ao êxito e a composição que ele lidera está incluí­da no seu sucesso. A arcana península, a englobar no seu patrimônio cultural 60% das obras tombadas do mundo ocidental e cercada de três lados pelo Mediterrâneo, e ao norte, o quarto lado, defendida pelos Alpes, há quase dois anos formou um governo compacto nos propósitos e dividido pelas circunstâncias históricas. De fato, o Estado italiano passa a existir somente depois de Garibaldi derrotar a dinastia bourbônica, dona do Sul da península, há cerca de 170 anos. Vitor Emanuel, da dinastia Savoia, tornou-se então o primeiro rei.

Antes disso, o país foi de cidades-Estado, como a Grécia de Péricles e Sófocles. Até hoje profundas diversidades se estabelecem entre regiões distintas e suas capitais, e mesmo entre um vale e outro. Quando se analisa a situação do país atual, não é possível esquecer esta herança. Draghi, de todo modo, continuou a ser o Super Mario na visão dos italianos e do mundo. Entre outras atividades, ele é também colunista do ­Financial Times e do Wall Street Journal, que não se cansam de louvá-lo sempre que podem.

Speranza lutou corajosamente contra a pandemia, enquanto Meloni briga à direita com Salvini – Imagem: Ricardo Fabbi/NurPhoto/AFP e Gloria Imbrogno/NurPhoto/AFP

No seu caminho de premier surgiu um súbito entrave, o Partido das 5 Estrelas, hoje encabeçado pelo advogado Giuseppe Conte, primeiro-ministro de um período de transição anterior à chegada de Super Mario. Há poucos dias, ao perceber as resistências dos estrelados, Draghi aproveitou-se da situação para demitir-se ao anunciar ter sido comprometido com o propósito do governo. O presidente da República, Sergio ­Mattarella rejeitou o pedido. Jogo de cartas marcadas para fortalecer Super Mario, conforme atitudes dignas da Commedia dell’Arte, em um cenário que encanta os visitantes estrangeiros ao encontrarem o que parece ser um país tranquilo, de vida normal após os momentos mais graves da pandemia.

Como se sabe, as aparências se habilitam a encobrir toda a verdade de um povo unido e solidário. A conveniência de todos é manter Draghi onde está e evitar confrontos políticos no futuro próximo. Leve-se em conta que a inflação chega a 8% anuais e o PIB nos últimos três meses está bem abaixo das previsões. Outra figura, Giorgia Meloni, presidente do partido Fratelli d’Italia, de extrema-direita, surge como determinada adversária de outro líder da área, Matteo Salvini. Nesta refrega, Meloni leva vantagem, cresce nas pesquisas eleitorais de 6% para 16%, enquanto Salvini cai de 34% para 24%. Giorgia foi ministra da Juventude no governo Berlusconi, enquanto Salvini foi ministro do Interior do governo atual, sem contar a condição de vice-premier, abaixo de Super Mario.

A rigor, somente Speranza, entrevistado por CartaCapital anos atrás, se apresenta com um desempenho muito bom. As demissões rejeitadas por ­Mattarella despertaram o comentário do Washington Post, segundo o qual ­Super Mario “é uma rara força unificante da política italiana”. E o ­Financial ­Times: “A Itália ainda precisa dele. O momento é crucial não somente para Roma”. O Wall Street Journal afirma: “Draghi é uma das vozes mais fortes entre os líderes europeus”. Finalmente, a Economist: “Se os 5 Estrelas ficam no governo, Super Mario torna-se o ­skipper de um barco onde alguns dos marinheiros teriam direito, de vez em quando, de recorrer ao motim a bordo”. Ainda valem esses comentários? •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1218 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Cartas marcadas?”

 

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