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Candidato e réu

Em um momento sem precedentes na história norte-americana, Trump divide-se entre o palanque e os tribunais

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Trump tem uma agenda intensa nas cortes – Imagem: Ed Jones/AFP
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Testar a democracia norte-americana com o afinco e o destemor de Donald Trump é um hábito ao qual poucos cidadãos têm o privilégio nos Estados Unidos. Desafiar, porém, o sistema judiciário e dobrar a aposta é uma prática que o ex-presidente há tempos ostenta e demonstra desenvoltura.

Herdeiro do ramo imobiliário em Nova­ York, Trump sempre se envaideceu de ter conseguido superar o pai e furar a bolha na qual a família havia se estabelecido. Enquanto Frederick Christ Trump construiu seu império restrito à região do Queens, Donald expandiu os negócios na década de 1970 e também ocupou Manhattan, um dos metros quadrados mais caros do mundo. A Trump ­Tower, centro financeiro e residencial, fica na ilha e nela também se encontra o cerne de um dos muitos processos que o republicano passou a responder após encerrar sua passagem pela Casa Branca.

Na sexta-feira 5, a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, pediu ao juiz responsável, no julgamento de fraude financeira persistente de Donald Trump e de seus dois filhos, Eric e Donald Jr., uma multa de 370 milhões de dólares, além da proibição de participar do setor imobiliário de Nova York e administrar qualquer empresa no estado. As investigações, iniciadas em 2019, se desenrolaram a partir do depoimento no Congresso de um antigo aliado, o ex-advogado pessoal de Trump, Michael ­Cohen, que à época acusou o ex-presidente de inflar e manipular o valor de seus ativos e, portanto, de seu patrimônio líquido. O julgamento, que começou em outubro e foi encerrado no mês passado, terá o veredicto conhecido até o fim de janeiro.

Antes disso, na segunda-feira 15, Trump sentará novamente no banco dos réus. Há quase um ano, ele chegou a ser condenado a pagar 5 milhões de dólares à jornalista Elizabeth Jean Carroll, por abuso sexual cometido nos anos 1990 e por difamação. Agora enfrenta uma nova ação movida pela escritora. Segundo Carroll, em 2019, quando ainda era presidente, Trump acusou-a de mentir sobre o caso, o que teria prejudicado sua reputação e a carreira. Os advogados de defesa anunciaram que vão alegar “imunidade presidencial”, mas há muito mais por vir.

Caberá à Suprema Corte decidir se o republicano terá ou não o direito de disputar a Presidência

Trump tem se dividido entre tribunais e palanques ao redor do país para conseguir conciliar as agendas, mas a verdade é que, apesar de ser o nome mais forte do Partido Republicano, o pré-candidato à Presidência ainda não recebeu o aval do Supremo Tribunal Federal para competir nas eleições deste ano. Em dezembro passado, seu nome foi removido das cédulas estaduais pelas cortes do Colorado e do Maine. No início deste ano, os advogados do ex-presidente ingressaram com uma ação na qual solicitam ao tribunal federal uma solução em caráter de urgência. Embora não haja consenso entre os estados, a decisão foi tomada sob o abrigo da Secção 3 da 14ª Emenda da Constituição, que proíbe quem se envolveu “em insurreição ou rebelião” contra o poder constituído de ocupar cargos federais. Trump foi considerado um insurgente por ter incitado os ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Pela primeira vez a cláusula é usada para barrar uma candidatura presidencial.

Além dos casos citados, Trump ainda tem outros quatro problemáticos processos pela frente. Em Nova York, a denúncia feita pelos promotores da cidade aponta que o republicano realizou pagamentos secretos e em dinheiro para silenciar uma estrela pornô com a qual teria tido relações sexuais. O suborno teria acontecido para evitar um escândalo nas semanas finais da campanha presidencial de 2016. Outro julgamento em andamento diz respeito a interferência eleitoral. Durante meses, o então presidente buscou, sem sucesso, subverter a vitória de Joe Biden nas eleições de 2020, o que culminou nos ataques golpistas ao Capitólio. Ainda como parte dessa interferência, Trump responde por tentativa de fraude na apuração na Geórgia. Em uma ligação em 2 de janeiro de 2021, o candidato derrotado insistiu para o secretário de Estado, Brad ­Raffensperger, “encontrar” 11.780 votos a seu favor, o que lhe garantiria uma vantagem sobre ­Biden no estado. Por fim, há o julgamento do caso dos documentos secretos escondidos em sua residência em Mar-a-Lago. Quando deixou a Casa Branca, Trump não apenas levou uma centena de papéis, mas se recusou a devolvê-los. Após negociações frustradas de recuperação do material, promotores federais conseguiram um mandado de busca e apreensão e encontraram caixas e caixas de documentos de segurança nacional empilhadas no chão dos banheiros e nas salas da casa.

De acordo com Richard Pildes, professor de Direito da Universidade de Nova York, ainda que o republicano não precise comparecer em todas as fases dos processos judiciais, deverá consultar seus advogados sobre suas estratégias de ­defesa nos vários casos. “Também ainda estamos na fase de pré-julgamento, com vários pedidos a ser resolvidos nos tribunais, por isso não sabemos em que data qualquer um desses casos poderá ser julgado. Se o ex-presidente tornar-se o candidato republicano, também não sabemos quão perto estará da eleição antes de os tribunais decidirem que o processo deve ser suspenso até depois da eleição.”

Mesmo condenado em qualquer um desses julgamentos, Trump poderá concorrer à Presidência. E mais: se eleito, poderá nomear um procurador para perdoá-lo das condenações em âmbito federal. Apesar disso, a legislação não é clara sobre quais medidas tomar quanto às possíveis sentenças nas esferas estaduais. Para Pildes, o momento pelo qual a política e a democracia norte-americanas atravessam é histórico e decisivo. Trump é o primeiro ex-presidente a responder por crimes de magnitude superior a coisas que tenham sido cometidas contra o país por qualquer outro cidadão. “Nunca nos deparamos com uma situação em que um importante candidato presidencial enfrentasse acusações criminais, muito menos em tantos tribunais diferentes. Isto colocará tanto o processo judicial quanto o processo eleitoral sob desafios significativos.” •

Publicado na edição n° 1293 de CartaCapital, em 17 de janeiro de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Candidato e réu’

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