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A condenação cível por agressão sexual é o menor dos problemas judiciais de Donald Trump

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Punição cível. Trump não pode ir mais para a cadeia por agressão sexual à escritora E. Jean Carroll, mas terá de pagar indenização de 5 milhões de dólares à mulher que chama de louca. A via-crúcis do ex-presidente está só no início e não promete redenção – Imagem: Steven Hirsch/Getty Images/AFP e Ed Jones/AFP
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Se o resultado do julgamento de agressão sexual de Donald Trump não era uma conclusão inescapável, sua reação ao júri que concluiu que ele atacou a escritora E. ­Jean Carroll era totalmente previsível. O ex-presidente criticou o juiz como tendencioso e os jurados como “de uma área anti-Trump”, ou seja, liberal de Nova York, após eles acreditarem no relato de Carroll sobre o empresário milionário tê-la atacado no provador de roupas de uma loja de departamentos em meados da década de 1990. O júri ordenou o pagamento de 5 milhões de dólares de indenização por “abuso sexual” e por difamar Carroll, ao acusá-la de “um golpe inventado” para fins políticos.

Trump adotou abordagem semelhante contra o promotor distrital de ­Manhattan, Alvin Bragg, depois de se declarar inocente no mês passado em 34 acusações criminais sobre pagamento de suborno à estrela pornô Stormy Daniels antes da eleição presidencial de 2016. Trump chamou Bragg, negro, de “animal” e psicopata, e caracterizou a acusação como puramente política.

Tudo isso cai bem em partes da América. Uma audiência de eleitores republicanos em um debate da CNN com Trump na quarta-feira 10 riu quando ele descreveu seu ataque a Carroll como “brincar de sacanagem em um provador” e a chamou de “maluca”. Mas nos próximos meses ficará muito mais difícil para o ex e talvez futuro presidente norte-americano transformar seus problemas legais em perseguição política por elitistas democratas. As investigações contra ele aumentam e um território jurídico ainda mais problemático aguarda Trump – e alguns de seus acólitos.

As acusações na conservadora ­Geórgia estão próximas e muitas das principais testemunhas contra Trump serão seus colegas republicanos, entre eles alguns envolvidos na tentativa de fraudar a eleição de 2020. Da mesma forma, as investigações de um conselho especial do Departamento de Justiça sobre as ações de Trump que antecederam a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e a ocultação de documentos sigilosos em sua mansão na Flórida estão em construção com base nos relatos de assessores e associados políticos que são potenciais testemunhas.

Segundo Norman Eisen, ex-conselheiro especial da Casa Branca para ética e reforma do governo, os problemas legais de Trump apenas começaram. “Ele está diante de uma serra elétrica, que se chama Estado de Direito. Ele pode continuar e reclamar até certo ponto, mas as autoridades legais estão no processo de responsabilizá-lo.”

Republicanos têm fechado acordos com os promotores para depor contra o ex-presidente em outras investigações

À frente do caminho está uma promotora de Atlanta que reúne testemunhas contra o ex-presidente, quase todas republicanas, sobre a tentativa de fraudar o resultado da eleição presidencial de 2020 na Geórgia. A promotora distrital do condado de Fulton, Fani Willis, passou mais de dois anos a investigar o “plano multiestadual coordenado pela campanha de Trump para influenciar os resultados”. Willis convocou um grande júri especial que se reuniu durante oito meses e ouviu depoimentos de 75 testemunhas antes de recomendar acusações contra mais de uma dúzia de suspeitos. A porta-voz do júri, Emily Kohrs, insinuou fortemente ao New York Times, em fevereiro, que Trump estava na lista. Questionada se os jurados recomendaram processar o ex-presidente, Kohrs disse: “Você não vai ficar chocado. Não vai ser uma grande reviravolta na história. Você, provavelmente, tem uma boa ideia do que pode estar lá. Estou tentando dizer isso delicadamente”.

Esperava-se que Willis acusasse Trump e outros neste mês, mas as acusações não são prováveis antes de meados de julho, pois os promotores fecharam acordos de imunidade para atrair os conspiradores republicanos do ex-presidente.

E ainda há os republicanos que não precisam ser coagidos a dizer a verdade no tribunal. A investigação de Willis concentrou-se inicialmente em uma gravação de Trump a pressionar o secretário de Estado republicano da Geórgia, Brad Raffensperger, para “encontrar” quase 12 mil votos e anular a vitória de Joe Biden em um estado que, à época, parecia capaz de decidir o resultado de toda a eleição presidencial.

Trump chamou o funcionário da ­Geórgia de “inimigo do povo”, porque ele não quis cometer fraude eleitoral. Mas um júri pode achar Raffensperger ainda mais confiável não apenas por ele ser um republicano, mas por ter votado em Trump. O secretário da Geórgia falou com o júri especial durante várias horas, inclusive sobre uma ligação de Trump, no início de janeiro de 2021, que ele gravou, pressionando-o a manipular a votação. Embora não tenha comentado publicamente seu depoimento, ­Raffensperger escreveu um livro, ­Integrity Counts (A ­Integridade ­Vale), no qual detalha ameaças de Trump.

Outras testemunhas estão mais relutantes, mas podem ser mais confiáveis por esse motivo. A lista inclui o governador da Geórgia, Brian Kemp, também pressionado por Trump e aliados para anular o resultado da eleição. Um dos interlocutores ao telefone de Kemp foi Mark Meadows, ex-chefe de gabinete de Trump.

Willis expandiu a investigação à medida que surgiram mais evidências da tentativa de Trump e aliados de manipular os resultados, a começar pela nomeação de uma lista falsa de 16 eleitores para substituir os integrantes legítimos do colégio eleitoral do estado. Os falsos eleitores incluíam o presidente do Partido Republicano na Geórgia, David ­Shafer, e republicanos da legislatura estadual, avisados de que correm o risco de ser processados. No início deste mês, soube-se que ao menos oito dos falsos eleitores fizeram um acordo para depor em troca de imunidade de acusação, embora Shafer não esteja incluído.

Ronald Carlson, importante advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade da Geórgia, disse que os promotores não oferecem imunidade levianamente, e que qualquer acordo indica que as testemunhas farão depoimentos significativos contra Trump e sua equipe. “Isso é realmente uma palha ao vento. A imunidade quase sempre vem com a exigência de que a testemunha preste depoimento em um julgamento criminal futuro.”

O que vem pela frente. O republicano é investigado na invasão do Capitólio, no roubo de documentos secretos e na tentativa de manipular a eleição de 2020 – Imagem: Brent Stirton/Getty Images/AFP e Giorgio Viera/AFP

A investigação de Willis também examinou uma audiência de sete horas no Senado da Geórgia, um mês após a eleição, orquestrada por Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado e conselheiro pessoal de Trump. No que a emissora Georgia Public ­Broadcasting chamou de “uma série de alegações e declarações fantásticas de várias e diversas pessoas apresentadas como especialistas”, Giuliani abriu caminho ao alegar falsamente que as máquinas de votação do estado foram fraudadas, milhares de votos foram lançados ilegalmente e malas de falsas cédulas foram usadas para inclinar a contagem a favor de ­Biden. Giuliani instou ainda a legislatura da ­Geórgia a criar a lista de falsos eleitores, fornecendo uma ligação direta entre o que os promotores devem retratar como uma tentativa criminosa de roubar a eleição e Trump. Ao mesmo tempo, ­Giuliani liderou uma série de contestações legais ao resultado da eleição em tribunais de todo o país, todas fracassadas.

Quando Giuliani compareceu perante o grande júri, disse Kohrs, invocou o privilégio advogado-cliente para evitar responder a muitas perguntas. Outro advogado de Trump, John Eastman, foi chamado como testemunha de um plano para pressionar o então vice-presidente, Mike Pence, a bloquear a declaração da vitória de Biden pelo Congresso. O grande júri também chamou ­Sidney Powell, um advogado de Trump e teórico da conspiração que apresentou falsas denúncias de que as urnas eletrônicas foram manipuladas, e a Fox News teve de pagar quase 800 milhões de dólares para resolver o processo por difamação.

Várias testemunhas tentaram evitar depor. O senador Lindsey Graham foi à Suprema Corte numa tentativa fracassada de evitar o comparecimento. O ex-conselheiro de segurança nacional de Trump Michael Flynn, que participou de reuniões que discutiram o uso da lei marcial e a apreensão de máquinas de votação, teve de ser intimado por um juiz da Flórida. Carlson disse que um desfile de testemunhas republicanas, relutantes ou dispostas, poderia ser muito prejudicial a Trump. “Como promotor, se você consegue chamar testemunhas próximas à coroa, por assim dizer, isso impressiona o júri.”

A tentativa de fraudar as eleições presidenciais no estado da Geórgia deixou rastros

O caso da Geórgia, acredita Eisen, provavelmente será ainda mais forte por ser amplamente construído em torno das evidências de outros republicanos. “O fato de suas propostas terem sido rejeitadas por autoridades republicanas convictas – o secretário de Estado, Brad ­Raffensperger, e o governador Brian Kemp – faz diferença. Apenas o peso da evidência de interferência eleitoral na Geórgia é material. O caso da Geórgia é muito poderoso, o mais poderoso que vimos até agora.”

Enquanto isso, o procurador especial nomeado pelo Departamento de Justiça dos EUA, Jack Smith, conduz duas investigações criminais a envolver Trump que novamente atraem republicanos cujos depoimentos podem condenar o ex-presidente. O New York Times informou, no início deste mês, que os investigadores que analisam o uso indevido de documentos sigilosos por Trump ganharam a cooperação de alguém que trabalhava para ele em sua mansão em ­Mar-a-Lago, na Flórida.

Assim como Willis, o Departamento de Justiça usa intimações para forçar o depoimento no grande júri de testemunhas das ações de Trump. Mais uma vez, a equipe de Trump acusou a investigação de ser uma “caça às bruxas com motivação política” destinada a impedi-lo de retornar à Casa Branca. Mas o ex-presidente não se ajudou no debate da CNN, quando contradisse seus próprios advogados, afirmando que tinha “todo o direito” de receber os documentos da Casa Branca. “Eu não fiz segredo disso.”

Trump será um criminoso condenado na época da eleição presidencial em novembro de 2024? “Isso é totalmente possível”, disse Eisen. “Também é possível que, com atrasos e apelações judiciais, não enfrente a prisão até depois da próxima eleição. Mas o que importa é que as acusações estão sendo feitas. E isso deixa a questão para o julgamento da população norte-americana nas primárias e, depois, nas eleições gerais.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves. 

Publicado na edição n° 1260 de CartaCapital, em 24 de maio de 2023.

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