Mundo

BRICS para quem?

O bloco de países cresce de forma marcante, mas não consegue transformar essa riqueza em ganhos sociais para suas populações

Dilma Rousseff e o presidente da China, Xi Jinping, durante encontro bilateral na reunião do G20 realizada na Rússia em setembro de 2013
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Por Nathalie Beghin

Na segunda-feira 14 de julho de 2014 inicia-se a VI Cúpula dos BRICS, que acontecerá em Fortaleza (14 e 15/07) e Brasília (16/07). Na capital federal ocorrerá reunião de trabalho entre chefes de Estado e de governo dos BRICS e dos países da América Latina.

Os BRICS – acrônimo que diz respeito ao agrupamento de cinco países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – representam uma incógnita. Por um lado, expressam a insatisfação de economias que vêm ganhando destaque no cenário internacional com a atual conformação da governança global. São atores relevantes no tabuleiro político internacional cujas vozes nem sempre são escutadas a contento por aqueles que ocupam os espaços de poder mundial, especialmente Estados Unidos, União Europeia e Japão, e desse ponto de vista têm sido uma articulação geopolítica relevante no cenário mundial. Analistas preveem que em 2015 os BRICS serão responsáveis por cerca de um quarto do PIB mundial e poderão vir a ser as potências globais de 2050.

Mas, por outro lado, o expressivo crescimento desses países não tem se revertido em melhorias das condições de vida de seus povos à imagem e semelhança da pujança econômica. Pior: com exceção do Brasil, as desigualdades sociais aumentaram significativamente no bloco. Ou seja, a riqueza gerada não está sendo distribuída com justiça social, ao contrário, são poucos o que dela se beneficiam.

Ainda que a pobreza tenha diminuído em praticamente todos os casos, especialmente na China, os demais indicadores sociais ostentados por esses países deixam muito a desejar: a informalidade no mercado de trabalho atinge mais de 40% da população economicamente ativa de Brasil, Índia e África do Sul. Com isso, milhões de trabalhadores não têm acesso aos direitos básicos atrelados ao trabalho como seguro desemprego, aposentadoria e pensão, licenças maternidade e paternidade, entre outros, estando longe do conceito de trabalho decente consolidado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT. São milhões de homens e mulheres largados a sua própria sorte, dependendo da assistência privada, da ajuda mútua ou de programas pontuais eventualmente implementados pelos seus governos.

A baixa cobertura de sistemas de proteção social se reflete nos elevados índices de mortalidade infantil, pouco compatíveis com o tamanho das economias desses países. No Brasil e na China esses índices estão em torno de 20 mortes por mil crianças nascidas vivas, mais de seis vezes os valores apresentados por países como Japão, Suécia e Noruega – menos de 3 por mil. Na Índia e na África do Sul a mortalidade infantil atinge patamares assustadores, de mais de 60 por mil. Ainda que a Rússia se encontre em melhor posição, os indicadores de mortalidade infantil são superiores a 10 por mil. Por outro lado, a esperança de vida ao nascer na Rússia é da ordem de 68 anos, não muito distante do verificado para a Índia, de cerca de 65 anos. Nos países nórdicos, esses valores são superiores a oitenta anos. A esperança de vida ao nascer é uma excelente medição do acesso (ou não) das populações a direitos básicos como alimentação, saúde, saneamento, habitação e educação, entre outros. No Brasil e na China, onde as políticas públicas são um pouco mais estruturadas, a esperança de vida passa dos 73 anos. Na África do Sul, com enorme dívida social, vive-se, em média, pouco mais de 50 anos.

Os níveis educacionais não apresentam perfil muito diferente: em nenhum dos cinco países os adultos apresentam pelo menos 10 anos de estudo em média. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse indicador é superior a 13 anos. Na Rússia o indicador é de cerca de 9, no Brasil e na China gira em torno de 7 e na Índia, os adultos têm, em média, apenas 4 anos de estudo.

Diante desse quadro, a pergunta que não quer calar é: BRICS para quem? Quem se beneficia dessa extraordinária riqueza que vem sendo gerada nos últimos anos?

Certamente que a absoluta maioria dos povos dos BRICS não. Se bem é verdade que os indicadores sociais vêm melhorando, o ritmo é mais o reflexo da inércia do que resultado de vultosos investimentos destinados a redistribuir os ganhos obtidos por um crescimento que impressiona a todos. O modelo de desenvolvimento adotado por esses países até o momento reproduz desigualdade. Mesmo no Brasil, onde a situação melhorou como resultado de políticas públicas redistributivas implementadas nos últimos anos, o país continua pertencendo ao vergonhoso clube das sociedades mais desiguais do mundo.

Daí a urgência das organizações e movimentos sociais desses diferentes países pressionarem seus governos, individualmente, e o bloco como um todo, para que adotem medidas de efetiva inclusão social e universalização dos direitos humanos. Entendemos que o desenho e a implementação de políticas públicas dessa natureza, tanto nacionalmente como internacionalmente, devem levar em conta as demandas da sociedade por meio de mecanismos de participação social institucionalizados. Nesses espaços, a relação público/privado se estabelece, materializando princípios da democracia representativa e participativa e, consequentemente, assegurando a predominância do interesse público.

O Brasil que, desse ponto de vista se destaca no cenário internacional, poderia ser portador dessa mensagem atuando, simultaneamente, em duas frentes: internamente, criando o Conselho Nacional da Política Externa Brasileira, locus do debate com a sociedade sobre sua inserção nos BRICS, entre outros assuntos atrelados à política externa nacional; e, internacionalmente, levando ao bloco a proposta de criação de espaço institucional de participação social envolvendo organizações e movimentos sociais dos cinco países. Essa proposta é factível, uma vez que os BRICS já criaram o Fórum Empresarial e o Fórum Acadêmico. Se os empresários e os acadêmicos têm voz, não há nada que justifique não estender essa prerrogativa aquelas e aqueles que lutam há décadas por um mundo mais justo e inclusivo, economicamente, socialmente e ambientalmente. Talvez assim os BRICS consigam ser os “BRICS dos povos”, os “BRICS dos 99%”.

*Nathalie Beghin é integrante do Instituto de Estudos Socioeconomicos (INESC), da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP) e do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GRRI)

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