Mundo
Bolsonaro sentou-se na boca do canhão que apontava para Lula
A extrema-direita erra na mira e no calibre da munição americana que pretendia usar contra o PT e o Supremo no Brasil


O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) carregou, mirou e disparou uma bazuca para atingir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Só não previu que, sentado bem na boca de fogo, estava seu próprio pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A imposição de tarifas de 50% sobre as exportações brasileiras aos EUA, anunciada por Donald Trump na quarta-feira 9, tinha um alvo claro: abalar a credibilidade de Moraes e a popularidade de Lula às vésperas do julgamento de Bolsonaro no STF e na antessala das eleições de 2026. A estratégia bolsonarista era simples: jogar o empresariado, o eleitorado – e a opinião pública em geral – contra o Executivo e o Judiciário. Se desse certo, a fatura política da hostilidade de Trump seria enviada ao governo brasileiro, enquanto a família Bolsonaro se apresentaria como salvadora da democracia, amparada pelo apoio de Washington.
Essa estratégia carece, no entanto, de aritmética. O caminho que liga o tarifaço ao bolsonarismo é muito mais curto que o que leva ao lulismo. Foi Eduardo, afinal – e não Lula ou Moraes –, quem viajou aos EUA e moveu mundos e fundos durante meses para lançar uma bomba tarifária que, embora mirasse o PT, acabou chamuscando a própria família.
Do ponto de vista da comunicação política, é muito mais fácil associar o aumento de 50% nas tarifas às ações de Eduardo do que a qualquer decisão do Supremo. É por isso que os militantes da extrema-direita agora tentam desviar a trajetória do projétil, enfatizando outros pontos mencionados na carta enviada por Trump a Lula – como a aproximação do Brasil com os Brics, as discussões sobre abandonar o dólar como moeda de referência e o debate sobre regulação das big techs. Esses temas todos estão no texto, é verdade, mas não foi por eles que Eduardo trabalhou.
O caminho que liga o tarifaço ao bolsonarismo é muito mais curto que o que leva ao lulismo
O motivo que levou o deputado a investir tão pesado nessa vendeta é a anulação do processo judicial contra Bolsonaro por envolvimento numa tentativa frustrada de golpe de Estado no Brasil. Nesse sentido, ele agiu corretamente certo: bateu à porta de alguém que entende de golpe: Trump, mentor da invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, um roteiro que Bolsonaro tentaria repetir em Brasília em 8 de janeiro de 2023. Trump, como Bolsonaro, questionou o sistema eleitoral e tentou barrar a diplomação do adversário usando métodos que só diferem nos detalhes.
Então, quando Trump diz na carta que se preocupa com a democracia brasileira, fala a voz de quem liderou uma tentativa frustrada de golpe no próprio país. E, ao defender que “as urnas decidam o futuro de Bolsonaro, não a Justiça”, refere-se a uma eleição que já aconteceu – e na qual o ex-presidente brasileiro foi derrotado por mais de 2 milhões de votos.
É verdade que a política externa de Lula e Celso Amorim acumula equívocos. O mais grave talvez seja usar a defesa do multilateralismo e do direito internacional para criticar, com razão, países como Israel, mas ignorar esses mesmos princípios ao proteger a Rússia e posar em paradas militares ao lado de ditadores e outros fantoches apequenados com os quais o Brasil tem pouco a ver – e dos quais não tem nada a ganhar.
O Judiciário brasileiro tampouco é livre de pecados, como a tendência a processos genéricos e prolongados, além de decisões personalistas, muitas vezes pouco sóbrias e desnecessariamente militantes.
Nada disso, porém, justifica a aposta da família Bolsonaro em tomar as exportações brasileiras como reféns. Desde o retorno de Trump, sabia-se que o desafio do Brasil seria voar abaixo do radar de uma Casa Branca e de um Departamento de Estado que vivem à busca de antagonistas caricatos para exercitar seu bullying militar e tarifário. Foi justamente aí que os Bolsonaro acharam por bem se meter. Mas acabaram sentados sobre a pólvora.
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