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Bolsonaro quer Uruguai aliado para minar protecionismo da Argentina

Para o novo governo uruguaio, no entanto, a sintonia com Bolsonaro será apenas comercial, não ideológica

Candidato à Presidência no Uruguai, Luis Lacalle Pou (Foto: EITAN ABRAMOVICH)
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A partir das 14 horas deste domingo 1, ao assumir a presidência do Uruguai, Luis Lacalle Pou, porá fim em 15 anos de esquerda e iniciará um giro que colocará o país mais próximo do Brasil de Bolsonaro e mais distante da Argentina de Alberto Fernández, os dois principais sócios do Uruguai. O novo presidente conduz ao poder o Partido Nacional (ou Blanco) que não governava desde que o seu pai, Luis Alberto Lacalle (1990-1995) deixou a Presidência.

Mas Lacalle Pou, de apenas 46 anos, chega ao governo com uma coligação de cinco partidos do centro à extrema direita, tão variados que se denominam “multicor”. A coalizão, formada entre o primeiro e o segundo turno das eleições, tem hoje maioria no Parlamento, mas é considerada frágil pelos analistas. Por isso, o novo presidente vai procurar aprovar um pacote de leis logo no início da gestão.

As medidas vão procurar revitalizar uma economia estagnada e reverter o aumento da criminalidade, as duas bandeiras que levaram à derrota a Frente Ampla, de Tabaré Vázquez e José Mujica. Em relação à queda de braço sobre a abertura comercial do Mercosul, o Uruguai vai somar-se à postura de Brasil e Paraguai, distanciando-se da visão protecionista da Argentina.

Essa sintonia levou o presidente Jair Bolsonaro a comemorar em novembro a vitória de Lacalle Pou. “Ele é conservador, é de direita. Tem um programa muito parecido com o nosso”, celebrou. No entanto, a aliança com Bolsonaro será apenas pragmática e restrita ao campo comercial.

“Lacalle Pou não se identifica com Bolsonaro. Aqui no Uruguai, existe muito medo quanto ao autoritarismo. Inclusive, a família Lacalle foi perseguida pelo regime militar. Bolsonaro causa rejeição aqui, mas em matéria comercial, certamente o Uruguai será um aliado”, explica Adriana Rada, analista política e diretora da consultoria em opinião pública Cifras.

No campo social, a postura de Lacalle Pou dista de ser parecida com a de Bolsonaro. Quando senador, apresentou um projeto para a legalização da maconha, propôs a união estável entre pessoas do mesmo sexo e não pretende recuar nas leis aprovadas durante os governos de esquerda, como a legalização do aborto.

Bolívia e Venezuela

Para o Itamaraty, o Uruguai deve se aproximar do Brasil em temas regionais, marcando uma nova fase da relação entre os dois países. “Essa visita (de Bolsonaro à posse) tem simbolismo porque inaugura uma nova etapa da relação com o Uruguai. Não só na agenda bilateral, como na agenda regional”, definiu o secretário de Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas, embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva.

Luís Lacalle Pou vai reconhecer Juan Guaidó como presidente da Venezuela e deve somar-se ao Grupo de Lima, condenando o regime de Nicolás Maduro como ditatorial. A definição contrasta com a do seu antecessor, Tabaré Vázquez, que não condenou o governo venezuelano. Essa postura foi definida por Lacalle Pou como “cúmplice”, permitindo a Maduro manobras dilatórias que esvaziassem a pressão interna e internacional.

Além da Venezuela, o governo Tabaré Vázquez que se despede classificou como “golpe de Estado” a renúncia de Evo Morales na Bolívia, postura com a qual Lacalle Pou discorda. “O elemento novo vai ser uma maior sintonia, uma maior possibilidade de trabalharmos juntos nos temas regionais. Temos indicações que haverá mudanças de posições em relação a temas centrais para o Brasil na agenda regional, como Venezuela e Bolívia”, antecipou Costa e Silva.

“Temos o entendimento de que essas mudanças irão por um caminho que nos deixa mais próximos”, acrescentou.

Na outra margem do Rio da Prata

A aproximação do Uruguai ao Brasil ajuda a amenizar o distanciamento da Argentina. O maior obstáculo para a pretendida abertura comercial do Brasil e do Mercosul está na outra margem do Rio da Prata, onde o governo do peronista Alberto Fernández caracteriza-se pelo protecionismo.

A expectativa de um encontro entre Bolsonaro e Fernández durante a posse de Lacalle Pou foi adiada depois de o presidente argentino confirmar que não viria ao Uruguai por ter de abrir as sessões do Congresso argentino com um tradicional discurso previsto por lei.

A aliança agora entre Brasil, Uruguai e Paraguai pelo livre comércio pressiona a Argentina a abandonar a postura protecionista que caracteriza os governos peronistas.

“Alberto Fernández tem a visão do nacionalismo econômico, própria do peronismo tradicional. Para ele, a abertura comercial é prejudicial para a economia. A essa visão, soma-se o lobby dos empresários. Por último, Fernández não tem capacidade política para ir contra a coligação peronista que ele coordena, mas não lidera”, explica o economista argentino Marcelo Elizondo, diretor da consultoria Desenvolvimento de Negócios Internacionais (DNI) e um dos maiores especialistas em Mercosul.

“Ele não pode fazer reformas que a população não apoia”, sentencia Elizondo.

A coligação peronista de Alberto Fernández é liderada pela vice-presidente, Cristina Kirchner, quem detém o poder real. Para Elizondo, Alberto Fernández, em quase três meses de governo, só mostrou “protecionismo, estatismo e intervencionismo”. Essa linha choca-se com as reformas que Bolsonaro impulsiona.

“Bolsonaro está fazendo reformas pelas quais está pagando um custo político. Está obrigado a abrir a economia. Caso contrário, terá sido um esforço em vão. Não há forma de conciliar as duas posturas”, observa o especialista. “Paraguai e Uruguai vão seguir o Brasil e isolar a Argentina de todas as negociações. Os acordos comerciais podem entrar em vigência sem a Argentina e acho que é isso o que vai acontecer”, prevê Marcelo Elizondo.

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