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Bolsonaro ficará mais isolado em seu discurso sobre meio ambiente

Biden mencionou Brasil em um dos debates presidenciais

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A eleição do democrata Joe Biden ao cargo de 46º presidente dos Estados Unidos, além de colocar um ponto final em uma das disputas mais acirradas pelo cargo dos últimos anos, traz consigo uma brusca mudança de paradigma na área de política externa dos EUA. Para o Brasil, o primeiro ponto de atenção parece óbvio: a proteção ao meio ambiente e à Amazônia.

O próprio Biden mencionou o Brasil em um dos debates presidenciais que travou contra Trump em outubro. Na ocasião, o ex-vice-presidente do governo Obama levantou a possibilidade de aplicar sanções internacionais ao Brasil caso o País não se comprometa com a redução do desmatamento. O então candidato ainda mencionou que, antes disso, uma cooperação internacional deveria oferecer “20 bilhões de dólares” para combater a devastação ambiental.

O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, rapidamente reagiram com rispidez às falas do democrata. Apesar dos recordes de desmatamento em 2019 e 2020, o presidente brasileiro disse que seu governo realizava “ações sem precedente” para cuidar do bioma amazônico e que o País “não mais aceita subornos, criminosas demarcações ou infundadas ameaças” na pauta ambiental.

No entanto, a consolidação do favoritismo de Joe Biden ao decorrer da apuração fez com que os conselheiros políticos de Bolsonaro começassem a fazer as contas. Os cargos dos ministro Salles e de Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, parecem preços aceitáveis a se negociar se o produto for uma relação diplomática com um governo não-negacionista.

Biden já apontou que os EUA voltarão a fazer parte do Acordo de Paris, firmado em 2015 entre centenas de nações para consumar os esforços contra o aquecimento global. Para Trump, o acordo desfavorecia comercialmente os EUA ao cobrar dos países desenvolvidos a transferência de recursos para nações que sofrem mais com os efeitos adversos das mudanças climáticas.

Na esteira das últimas horas de apuração, Biden também publicou no Twitter que seu governo se pautará primordialmente no combate à pandemia de Covid-19, na recuperação econômica americana, no combate ao racismo sistêmico e nas mudanças climáticas.

Essa sinalização mais multilateralista e de congruência com a ciência, para o diretor-executivo do Observatório do Clima Márcio Astrini, é uma “necessidade” já que o país é o 2º maior emissor de gases estufa do mundo, atrás apenas da China.

“Nós temos, nessa questão do clima mundial, pouca chance de ter sucesso e muita chance de falhar sem os EUA. Os EUA e a China precisam fazer grande parte dos esforços para conquistarmos o que precisamos em termos de redução.”, analisou Astrini em uma coletiva da organização para analisar a emissão de gases estufa do Brasil em 2019. 

“Com os EUA de volta para o jogo, o Brasil perde a sombra do maior emissor histórico de gás estufa no negacionismo brasileiro. O governo Bolsonaro vai ficar ainda mais isolado em seu discurso”, afirma. 

Astrini ressalta também que Biden não irá “inaugurar” uma era de pressões internacionais sobre políticas climáticas. Não é de hoje que investidores europeus ameaçam boicotar produtos do agronegócio brasileiro caso o País não se movimente efetivamente no combate aos invasores de terra e ao desmatamento e queimadas ilegais.

Tanto o é que, na última semana, o vice-presidente Hamilton Mourão chegou a embarcar em um “tour” com representantes de embaixadas, Salles e a ministra Tereza Cristina, da pasta de Agricultura, para sobrevoar áreas ameaçadas na Amazônia e demais instalações militares da Operação Verde Brasil II, encabeçada por Mourão, que atribui ao “pragmatismo” militar os níveis um pouco menores de desmate neste ano em comparação ao anterior.

Porém, o lado mais ideológico do governo ainda não desistiu de se manifestar. Prova disso é a fala do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, ao comentar o nível das queimadas na floresta: “Passamos ali por cima e ressaltamos que ali tem algumas áreas que são áreas de queimadas, mas isso é totalmente deturpado, porque é colocado fora de contexto, que é uma coisa majestosa, fica virando uma fogueirinha. Isso é ruim para a gente”, disse o ministro.

Esse tipo de argumentação também foi recorrente na primeira crise internacional relacionada à Amazônia do governo Bolsonaro, em 2019. Com acusações de que a mídia do exterior “aumentava” o que realmente estava acontecendo – e o que também era comprovado pelos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe -, essa cobrança também passou por outra figura central da mais recente eleição americana: a vice-presidente eleita Kamala Harris, senadora da Califórnia pelo Partido Democrata.

Em carta, Kamala Harris e senadores pressionaram governo americano contra Brasil 

“Nós pedimos para o senhor adiar qualquer negociação relacionada a um acordo comercial com o Brasil até que o presidente Jair Bolsonaro tome ações decisivas para proteger a floresta amazônica, incluindo o fortalecimento das leis ambientais brasileiras para deter o desmatamento ilegal, o restabelecimento da proteção aos povos indígenas, a restauração do financiamento e da autoridade dos órgãos ambientais e as ações contra os violadores que cometeram desmate ilegal”.

O parágrafo acima faz parte de uma carta assinada por 11 senadores americanos, incluindo Kamala Harris, ao representante comercial dos EUA, Robert E. Lighthizer, no dia 6 de setembro de 2019. O documento ainda pede que Lighthizer reconsidere a importação de carne brasileira e justifica que, para os EUA, o fato do Brasil não proteger a Amazônia colocava “o mundo inteiro” à beira de impactos ainda maiores relacionados ao aquecimento global.

Na época, Bolsonaro clamava contra o ator Leonardo DiCaprio e Emmanuel Macron, afirmando que tanto eles quanto ONGs tinham interesse comercial na Amazônia. Em paralelo, sentava com Trump para debater acordos tarifários entre os dois países.

No ano passado, segundo o deputado federal Alex Manente (Cidadania-SP), secretário de Relações Internacionais da Câmara dos Deputados, foram os países europeus os que mais solicitaram informações para a secretaria acerca das políticas ambientais brasileiras, em especial a Alemanha e a Croácia, lembra o parlamentar.

Cartas como a de Kamala podem ter sido poucas no parlamento americano, mas foram diversas no cenário europeu, onde um acordo mais consolidado – o acordo União Europeia-Mercosul – fez com que deputados cobrassem um posicionamento mais assertivo do presidente Bolsonaro em relação à proteção ambiental. No momento, segundo especialistas, as chances do acordo ir para frente são quase nulas se o Brasil não mudar drasticamente suas diretrizes anti-ambientalistas.

Para Manente, porém, o Brasil tem novas oportunidades com Biden no poder. Resta ao País não desperdiçá-las e entender que trocar apenas um ou dois ministros não reposiciona o País no cenário de confiança internacional, opina o deputado.

“Podemos aproveitar a calmaria mundial que haverá com o governo do Biden, onde teremos a possibilidade de investimentos em países em desenvolvimento, como o Brasil. Creio que, se nós tivermos habilidade, teremos ganho com isso”, diz.

*Com informações da Agência Câmara

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