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Bolívia: O que se sabe sobre as acusações contra Evo Morales por suposto estupro de menor
Governo Arce acusa ex-presidente de ter cometido o crime há oito anos; ‘não tenho medo’, diz Morales, sem citar diretamente o caso


Em meio a intensas disputas políticas contra o atual presidente boliviano e antigo aliado Luis Arce, o ex-presidente da Bolívia Evo Morales está agora sob denúncias de estupro de uma menor de idade. O caso foi denunciado pelo ministro da Justiça do governo Arce, César Siles.
“Observamos com indignação crimes graves que pretendem ficar na impunidade. Refiro-me concretamente a uma menina estuprada aos 15, 16 anos”, disse Siles, em coletiva de imprensa na quinta-feira 3. O caso teria acontecido há oito anos.
O ministro boliviano foi além, dizendo que o suposto estupro cometido por Morales teria feito com que a jovem tivesse uma filha. Segundo ele, “o pai reconhecido na certidão de nascimento é o senhor Evo Morales”.
De início, o ex-presidente foi às redes sociais para se defender, evitando citar diretamente o caso. “Não me causa estranhamento nem preocupação. Todos os governos neoliberais, incluído o atual, ameaçaram-me, perseguiram-me, prenderam-me, tentaram me matar. Não tenho medo. Não vão me calar”, disse Morales.
Já nesta sexta-feira 4, o ex-presidente boliviano falou, em coletiva de imprensa realizada em Cochabamba, que a investigação seria uma “mentira”. “Não consigo compreender que tipo de ministro da Justiça temos, sabendo que este caso está encerrado, porque não houve nada, é mentira”, acusou o ex-presidente.
A acusação desta semana é um desdobramento de uma investigação já realizada no passado. Em 2020, durante o governo da ex-presidente interina Jeanine Añaez, o caso chegou a ser investigado, mas não avançou.
Naquele ano, segundo Morales, Añez, “usando o Ministério da Justiça já me processou, investigou e está provado que não houve nada”. “Investigaram o ano todo não vai haver nada. É mais uma mentira”, indicou o ex-presidente.
Disputa pelo poder
A denúncia acontece em um momento de agravamento da tensão interna no governo boliviano. O ministério da Justiça passou por recente troca de comando. Iván Lima, que fazia parte do governo desde o início do mandato de Arce, em novembro de 2020, deixou o cargo de ministro na semana passada.
Defensor da posição do governo de que Morales não se candidate nas eleições do ano que vem, Iván Lima renunciou sem dar explicações sobre a saída.
Antes da saída de Lima, Morales chegou a dizer que, se Arce quisesse seguir governando, teria um prazo de “24 horas para trocar os ministros corruptos”. Ele garantiu que seguiria liderando protestos contra o governo caso não fossem feitas trocas.
Antes da acusação de estupro vir à tona, a promotora Sandra Gutiérrez, responsável pela região de Tarija, afirmou que foi destituída do cargo após assinar um mandado de prisão contra Morales em razão do suposto estupro.
Na véspera da coletiva ministerial que tratou do caso, Gutiérrez confirmou que o pedido de prisão foi negado pela Justiça. A decisão teria sido tomada por uma juíza de Santa Cruz.
A agora ex-promotora acusa o procurador-geral da Bolívia, Juan Lanchipa, de pressioná-la para se demitir. O próprio Lanchipa afirmou que demitiu Gutiérrez pelo que chamou de “conduta negligente”, mas evitou tratar diretamente da acusação de estupro. Para a promotora, Morales praticaria tráfico e contrabando de pessoas.
O futuro das investigações
Dizendo se tratar de uma questão “extremamente delicada” pela suposta existência de uma menor vítima de estupro, Arce indicou que o seu governo não pretende utilizar o caso “como uma questão política” e que deverá pedir à Justiça que o episódio seja tratado em sigilo.
O Ministério da Justiça boliviano, por sua vez, afirmou que pretende acessar a íntegra da decisão da Justiça de Santa Cruz para avaliar se a negativa do pedido de prisão de Morales poderá ser revogada. A própria juíza responsável pela decisão, Lilian Moreno, poderá ser investigada pelo Ministério Público por ter favorecido Morales, segundo César Siles.
A Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia, uma das principais agremiações de apoio a Morales, disse que se o governo “tocar” no ex-presidente, a oposição vai se mobilizar até derrubar Arce. “Eles [o governo] sabem bem com quanta militância estamos lidando”, ameaçou o grupo.
Pouco depois de convocar eleições antecipadas na Bolívia, no final de 2019, Morales, então presidente do país, decidiu renunciar ao cargo. Pesavam contra ele as acusações da Organização dos Estados Americanos (OEA), que apontavam irregularidades no pleito que garantiu a reeleição, em outubro daquele ano. Em meio a protestos populares, ele deixava o poder após catorze anos.
A saída do poder não o tirou da cena política. Tentando concentrar a oposição, Morales garante que vai se candidatar às eleições marcadas para 2025, e acusa Arce de ser o responsável pela crise econômica que o país enfrenta.
(Com informações da AFP)
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