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Bloqueio dos EUA é massacre dos venezuelanos mais frágeis

Impedida de vender petróleo, a Venezuela ficou sem dólares para comprar alimentos e remédios e a mortalidade aumentou em 31%

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Impedida pelo maior comprador do seu único produto importante, o petróleo, de vender um barril sequer no exterior, a Venezuela sofre com total intensidade o bloqueio econômico letal dos Estados Unidos, mostram os economistas Mark Weisbrot e Jeffrey Sachs, do think tank Center for Economic and Policy Research, de Washington, no estudo intitulado Collective Punishment: The Case of Venezuela. Divulgado no mês passado, o trabalho define a ação estadunidense como uma punição coletiva, algo portanto muito distante de um recurso válido em uma disputa entre países.

Ao vetar as exportações de petróleo os EUA impedem a Venezuela de obter dólares em pagamento da commodity e em consequência disso o país fica impedido de comprar alimentos e comidas no exterior, único meio de obtê-los em quantidade e diversidade suficientes frente a produção interna extremamente limitada. A Venezuela, sabe-se, praticamente não tem indústria além do aparato utilizado para extrair petróleo e precisa de insumos do exterior inclusive para beneficiar o óleo bruto.

Um dos resultados das restrições, descrevem Weisbrot e Sachs, é privar a economia venezuelana de muitos bilhões de dólares de divisas estrangeiras necessárias para pagar as importações essenciais e que salvam vidas. As sanções implementadas em 2019, incluindo o reconhecimento de um governo paralelo, aceleraram essa privação e também apartaram a Venezuela da maior parte do sistema internacional de pagamentos, interrompendo grande parte do acesso do país a essas importações essenciais, incluindo remédios e alimentos. “Não há dúvida de que todas essas sanções, desde agosto de 2017, tiveram graves impactos na vida e na saúde humanas”, sublinham os economistas.

Segundo a Pesquisa Nacional sobre Condições de Vida (Encovi, na sigla em espanhol), um levantamento anual das condições de vida administrado por três universidades venezuelanas, houve um aumento de 31% na mortalidade geral de 2017 a 2018, ou mais de 40 mil mortes adicionais. “Essa seria uma grande perda de vidas de civis mesmo em um conflito armado, e é praticamente certo que as sanções econômicas dos EUA contribuíram substancialmente para essas mortes. A porcentagem de mortes devido às sanções é difícil de estimar porque o contrafactual, isto é, o que teria acontecido se não houvesse sanções, é impossível de conhecer, mas vale a pena notar que na ausência de sanções pode até ser que a mortalidade se reduzisse, no caso de ocorrer uma recuperação econômica.”

Em 2018, prosseguem os economistas, a Federação Farmacêutica da Venezuela informou que a escassez de medicamentos essenciais era de 85%. De acordo com um estudo de setembro de 2018 das entidades CodeVida e Provea, mais de 300 mil pessoas estavam em risco devido à falta de acesso a medicamentos ou a tratamento. Isso inclui cerca de 80 mil pessoas com HIV que não receberam tratamento antiretroviral desde 2017, 16 mil que precisam de diálise, 16 mil com câncer e 4 milhões com diabetes e hipertensão, muitas das quais não podem obter insulina ou medicamentos cardiovasculares.

“Esses números atestam que as sanções atuais, muito mais severas do que aquelas implementadas anteriormente, são uma sentença de morte para dezenas de milhares de pessoas que não podem deixar o país para encontrar remédios em outro lugar. Vai ficar ainda pior se a queda projetada de 67% na receita do petróleo se materializar em 2019”, disparam Weisbrot e Sachs.

O colapso econômico acelerado que as atuais sanções provocaram tem impactos sobre a saúde inclusive em termos de mortes prematuras. Segundo a Federação Médica Venezuelana, cerca de 22 mil médicos ou cerca de um terço do total deixaram o país. “À medida que a migração se acelera em 2019 devido ao aperto das sanções, um maior número desses profissionais de saúde, além de outros com habilidades técnicas necessárias, vai deixar a Venezuela”, preveem os autores do estudo.

De acordo com o relatório da ONU de março de 2019 intitulado “Venezuela: Visão Geral das Necessidades Humanitárias Prioritárias”, as pesquisas Encovi apontam que, devido à desnutrição, cerca de 22% das crianças menores de cinco anos não cresceram nem desenvolveram seus organismos normalmente. As importações de alimentos caíram drasticamente para apenas 2,46 bilhões de dólares em 2018, em comparação com 11,2 bilhões em 2013 e podem despencar ainda mais em 2019, assim como as importações em geral.

O crescente colapso das receitas de exportação e, portanto, das importações, prossegue o estudo, também criaram enormes problemas de saúde pública nas áreas de água e saneamento. O relatório mais recente da ONU observa que “a falta de acesso a água, sabão, cloro e similares inibe a lavagem das mãos e o tratamento doméstico da água” e que “as residências não conectadas à rede de água estão usando água não potável de córregos e rios e de poços inadequadamente tratados e inseguros”. A CodeVida descobriu que, em 2018, “79% das unidades de saúde sofreram escassez no abastecimento de água”, enquanto a ENCOVI informa que 61% das escolas “estão em comunidades sem acesso diário à água potável”.

A crise da eletricidade também afetou hospitais e serviços de saúde. Não se sabe quantas pessoas morreram como resultado de falhas de energia em hospitais, mas durante os apagões de março houve relatos de fatalidades devido à perda de eletricidade.

O relatório da ONU considera que os grupos mais vulneráveis à crise acelerada incluem crianças e adolescentes sendo que muitos deles não conseguem mais frequentar a escola; pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza; mulheres grávidas e lactantes; idosos; povo indígena; pessoas que precisam de proteção; mulheres e adolescentes em risco; pessoas com deficiência e aquelas que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros ou intersexuais.

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