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Ativista da Guiné Equatorial condena apoio à Beija-Flor

Em entrevista à CartaCapital, o advogado Tutu Alicante critica ainda as relações do governo brasileiro com o regime ditatorial de seu país

Integrantes da Beija-Flor comemoram a vitória do Carnaval 2015 em sua quadra
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Durante o desfile das campeãs neste domingo 22, a escola de samba Beija-Flor, campeã do carnaval carioca de 2015, irá fazer soar uma vez mais na Sapucaí o enredo “Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial”, no qual retrata de maneira positiva um país governado há 35 anos pelo ditador Teodoro Obiang Nguema, sobre o qual pesam uma série de denúncias graves de violações de direitos humanos e corrupção.

Estima-se em 10 milhões de reais o aporte financeiro para o desfile campeão — a agremiação não confirma–, e a premiação foi repudiada por instituições internacionais de direitos humanos, como a Anistia Internacional.

Há 35 anos sob o controle estrito de Obiang, a Guiné Equatorial passou a explorar suas reservas petrolíferas e tornou-se a líder do ranking de prosperidade da África. O aumento de divisas, entretanto, não chegou à população. Três quartos dos habitantes (1,6 milhão de pessoas) segue com acesso precário a serviços básicos como saneamento ou luz e vive com uma renda de apenas dois dólares por dia. O governo, por sua vez, investe boa parte dos milhões de dólares do petróleo na compra de apoio político internacional e em bens de luxo para a família do ditador. O financiamento à Beija-Flor, que levou à Sapucaí um retrato bem distante da realidade do país, é a mais recente investida de marketing do governo ditatorial.

CartaCapital conversou com Tutu Alicante, um ativista político da Guiné Equatorial radicado nos Estados Unidos. Alicante descreveu as condições de vida em sua terra natal e criticou o apoio do governo brasileiro à ditadura de Obiang. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

CartaCapital: Como o senhor descreve as condições de vida na Guiné Equatorial?

Tutu Alicante: A maioria das pessoas é pobre e batalha cada refeição, o que é um paradoxo: o país é extremamente rico, porém há pobreza por todos os lados. Temos a maior renda per capita da África e, ao mesmo tempo, um dos piores índices de desenvolvimento humano do continente.

CC: Há liberdade de expressão em seu país?

TA: Nenhuma. Um de meus colegas foi preso por 15 dias por distribuir panfletos contrários à Copa Africana na Guiné Equatorial. O governo controla tudo. Não há um veículo sequer de mídia independente. Também não temos sindicatos ou qualquer outra instituição do tipo.

CC: Em tese o presidente Obiang é reeleito sempre…

TA: Obiang controla o exército, a mídia e frauda as eleições. Ele nunca foi eleito com menos de 95% dos votos, deixando claro que há um esquema.

CC: Você escapou do regime e hoje é um cidadão americano. Como enxerga o apoio dos Estados Unidos ao governo do Guiné?

TA: O governo americano tem dois pesos e duas medidas em relação aos governos africanos. Não há razões para o presidente Obiang ser convidado a ir a Washington e Mugabe (presidente do Zimbábue por 91 anos) não, por exemplo. Os Estados Unidos perceberam o crescimento da influência da China na África. Na Guiné Equatorial companhias chinesas operam no setor de construção e infraestrutura. O governo americano fecha os olhos para os abusos de Obiang por interesses puramente econômicos. Por outro lado os diplomatas americanos são os únicos a defenderem a democracia e os Direitos Humanos em Guiné Equatorial.

CC: Qual sua opinião sobre o comportamento do Brasil em relação ao seu país?

TA: A posição do governo brasileiro em relação à Guiné Equatorial é muito frustante. Ver um país democrático como o Brasil abrir suas portas para um ditador corrupto, como Lula e Dilma fizeram, é muito triste. E tanto Lula quanto Dilma apoiam a entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e isso também é um absurdo. O português é a quarta língua oficial do país, as pessoas só sabem falar “obrigado” e mais nada. A entrada trará apenas apoio político a uma ditadura, nada mais.

CC: O que seria possível fazer com os 10 milhões de reais doados por seu país à Beija-Flor?

TA: Com tamanho recurso seria possível erguer 50 escolas ou pelo menos 20 hospitais. Hoje na Guiné Equatorial, quando as pessoas ficam doentes, elas não podem arcar com os custos de uma consulta médica. As poucas pessoas com algum dinheiro viajam para a países vizinhos porque não há médicos ou infraestrutura de saúde. Em um jogo da Copa Africana, por exemplo, um jogador de Gana se machucou em campo e teve que voar da capital Malabo para Mongomo, de uma ponta a outra do país. Isso porque apenas lá, em uma clínica particular da mulher do presidente, havia um aparelho raio-x para examinar o jogador. Essa é a situação da saúde do meu país…

Tutu Alicante Tutu Alicante fugiu do regime ditatorial de seus país e, hoje, advoga por Direitos Humanos nos Estados UnidosCC: O financiamento do Carnaval chamou a atenção da mídia. Isso pode ter algum efeito benéfico?

TA: Espero que sim. A atenção dada a este escândalo pode alimentar uma discussão sobre as relações entre o governo brasileiro e o regime ditatorial de Obiang. Lula e Dilma estiveram por diversas vezes na Guiné Equatorial e isso é uma vergonha. Não há democracia no meu país. Não há espaço para a oposição ou qualquer organização social, e a mídia não é livre. E nenhuma dessas questões foi levantada por Lula, Dilma ou por qualquer diplomata do governo brasileiro.

CC: Em novembro deste ano haverá novas eleições presidenciais na Guine Equatorial. Há alguma mudança à vista?

TA: Quando você controla o exército, a economia e o sistema político de um país pequeno como o meu, torna-se intocável. Ouça minhas palavras: nas próximas eleições presidenciais o filho de Obiang será eleito o próximo presidente. Hoje o ditador e sua família controlam o país como se fosse a sua empresa privada.

CC: Você tem alguma perspectiva de um dia ver seu país com um governo realmente democrático?

TA: A única forma disso acontecer seria através do despertar popular. Os cidadãos precisam perceber que o poder pertence a eles e não a esse governo ilegítimo. Isso já aconteceu na Tunísia, na Líbia, está acontecendo no Senegal, em Burquina Faso e em diversos países africanos. A juventude precisa se unir e ir às ruas pedir por um novo governo.

CC: Há registros de mortes de opositores… a população não teme se posicionar contra o regime?

TA: As pessoas tinham medo em Zâmbia, na Líbia ou na Tunísia, como em qualquer outra ditadura militar. Mas temos de superar esse medo e nos unir contra essa ditadura. É o único caminho.

CC: Se você pudesse mandar uma mensagem para a Dilma, qual seria?

TA: Governos vão e vem, mas o povo fica. E nos lembraremos qual foi a posição do Brasil quando vivíamos sob uma ditadura.

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