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Barack Obama deve agir como um verdadeiro líder

The Observer: O 2º mandato é sempre difícil; seu país e o mundo precisam que ele mostre força e coragem e deixe os escândalos para trás

O presidente americano, Barack Obama
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É um simples fato da política norte-americana que o poder de um presidente em segundo mandato começa a se dissipar quase desde o momento de sua posse. Teoricamente livre da obrigação de buscar a reeleição, ele logo descobre que os políticos profissionais dos Estados Unidos, muito voltados para os próprios interesses, de repente estão conscientes de que o ocupante do Salão Oval não estará mais lá dentro de quatro anos.

A capacidade de bajular e ameaçar o Congresso – e até membros de seu próprio partido – para fazê-lo aprovar leis começa a evaporar. Acrescente-se a isso a propensão dos segundos mandatos a escândalos que definem a presidência – pense em Monica Lewinsky, pense no Irã-Contra Affair – e não admira que muitos presidentes eleitos pareçam simplesmente esperar que lhes apliquem a expressão “pato manco”. Mas, mesmo pelos padrões sobrecarregados do ciclo moderno das notícias, o caso sério de blues de segundo mandato do presidente Obama chegou cedo. Faz sete meses que Obama venceu o adversário republicano Mitt Romney na eleição presidencial e provocou comentários sobre uma nova era de mudanças progressistas, enquanto o Partido Republicano derrotado cairia em uma luta anárquica entre facções.

Em vez disso, na semana passada Obama viu-se atingido pelas tempestades de três escândalos diferentes. O corpo de imprensa de Washington, geralmente dócil, talvez se sentindo negligenciado por uma Casa Branca que o tratou com descuido em termos de acesso, farejou sangue. Os jornalistas submeteram Obama e seu atormentado secretário de Imprensa, Jay Carney, a interrogatórios repetidos e acalorados em cada ocasião.

Eles tinham muito material com que trabalhar. Notícias de que coletores de impostos norte-americanos na forma do Serviço do Imposto de Renda poderiam ter destacado grupos conservadores para uma “malha fina” chocaram a muitos, com razão, incluindo, deve-se dizer, o próprio Obama. Depois, as revelações igualmente perturbadoras de que o Departamento de Justiça escutava telefonemas feitos para jornalistas da Associated Press. A justificativa nominal para o que parece uma maneira indigna de tratar a imprensa livre foi a caçada a alguém da segurança nacional que vazou informações. Diante do histórico da administração de vazar detalhes sobre seu programa de teleguiados quando quer parecer forte contra o terrorismo, a hipocrisia foi de tirar o fôlego. Finalmente, o atual furor sobre o quanto as autoridades tentaram manipular a trágica morte de quatro norte-americanos em Benghazi conseguiu um novo período de validade em meio a uma profusão de vazamentos.

Afinal, foi uma semana de matar toupeiras na Casa Branca, e não era Obama quem empunhava o martelo. Para incredulidade de alguns, a palavra “nixonesco” começou a aparecer na cobertura dos fatos da semana. A imagem de uma Casa Branca excessiva, hipócrita e obcecada pelo sigilo foi a que a direita se apressou a vender. Mas muitos à esquerda também aderiram. Não foram só os Rush Limbaughs deste mundo que se perguntaram se o 44º presidente dos EUA teria algo em comum com seu infeliz 37º.

Isso leva as críticas longe demais. Nenhum dos atuais escândalos justifica comparação com a grande decepção que Nixon representou para o público americano. Em vez de serem o cérebro de qualquer um deles, Obama e sua equipe parecem ter sido pegos de surpresa, como quase todo mundo. Mas os três escândalos não são isolados. Eles ocorreram depois de um período em que grande parte do brilho das perspectivas do segundo mandato de Obama já se perdera.

Os grevistas de fome desesperados em Guantánamo deram um duro destaque ao fracasso de Obama em cumprir sua promessa da campanha de 2008, de fechar a indigna prisão. Figuras tanto da direita como da esquerda ficaram horrorizadas diante do entusiasmo com que Obama adotou o programa de teleguiados com total desconsideração pelos civis inocentes, o processo legal e, de fato, a cidadania norte-americana de alguns de seus alvos.

Finalmente, houve a humilhante derrota sobre o controle de armas. No rastro do trágico tiroteio na escola de Newtown no ano passado, Obama havia investido um enorme capital pessoal em um ligeiro endurecimento das leis de armas dos EUA, notoriamente brandas. Mas Obama foi superado pelas cínicas maquinações da Associação Nacional do Rifle. Assim como sua iniciativa sobre o seguro-saúde no primeiro mandato foi privada de seu elemento mais transformador – uma opção pública para a cobertura –, também do projeto de lei sobre controle de armas foi removida a proibição dos rifles automáticos.

Não admira que o segundo mandato de Obama esteja sendo considerado uma decepção devastadora. Parte disso não é sua culpa. Nenhum presidente no sistema de verificações e balanços dos EUA pode fazer o que quer. E Obama é amaldiçoado por ter de trabalhar com uma Câmara dos Deputados controlada por republicanos, determinados a tirá-lo do rumo. Mas Obama com frequência deixa de mostrar liderança, ambição ou coragem. Basta ver Guantánamo. Obama admite abertamente que a base militar é um desastre de relações públicas e um erro moral. Mas sua solução é buscar a ajuda do Congresso para tratar da questão, o mesmo Congresso que frustrou iniciativas anteriores.

Isso também é muito típico do estilo de governança de Obama. O candidato nas campanhas de 2008 e 2012, que pôde inspirar tantos com suas palavras gloriosas, é substituído no cargo por um presidente cuja característica definidora parece ser a indiferença. Talvez a única coisa boa que surja dos escândalos e do atual mal-estar seja uma percepção retardada de que as coisas precisam mudar. Pois ninguém quer um vácuo de liderança norte-americano. Obama merece grande elogio por salvar a economia americana à beira do colapso, mas restam problemas enormes. Pobreza, desigualdade e desemprego toldam a paisagem econômica. No exterior, diversas crises de curto prazo, como a da Coreia do Norte e a guerra na Síria, clamam por atenção, enquanto várias grandes tendências de longo prazo, como a mudança climática e a ascensão da China, requerem a liderança norte-americana.

Esta é a hora para que o Obama da campanha finalmente entre em cena. Ele deve se livrar de seu instinto de cautela, da noção de que não pode fazer nada sem o apoio republicano, e começar a liderar o país que o elegeu. Nenhum dos escândalos que o afetam se parece com Watergate, e ele deve deixá-los para trás. Embora os republicanos os tragam à tona sempre que puderem, ele deve erguer-se acima deles e usar o poder de seu cargo para efetuar mudanças reais e ousadas.

A reforma da imigração, a mudança climática, conter o poder ainda excessivo dos bancos e inúmeras crises no exterior, tudo isso precisa desesperadamente de ação. Se Obama não agir, terá traído as esperanças de mudança que um dia ele personificou de maneira tão potente. Seria uma tragédia. Devido à cor de sua pele, Obama será sempre um presidente norte-americano histórico. Mas tudo seria muito melhor se isso se devesse a seus atos enquanto esteve no poder.

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