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Ataque químico na Síria relembra a brutalidade do conflito

Bombardeio, atribuído às forças de Assad, teve como alvo a cidade de Khan Sheikhun, província de Idlib, dominada por rebeldes

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O mundo foi relembrado, nesta terça-feira 4, da brutalidade do conflito na Síria, que em seis anos matou centenas de milhares de pessoas e deslocou outras 11 milhões, sendo 5 milhões refugiados. Um aparente ataque químico em Khan Sheikhun, pequena cidade no sul da província de Idlib, deixou pelo menos 58 mortos e centenas de feridos. De acordo com a ONG Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), baseada em Londres, as forças de Bashar al-Assad foram responsáveis pelo bombardeio.

A confirmação de que um ataque utilizou armas químicas depende da análise de evidências por especialistas, mas as primeiras informações dão força às suspeitas do uso de agentes tóxicos. 

“Ouvimos bombardeios (…) Corremos para dentro das casas e havia famílias mortas em suas casas. Vimos crianças, mulheres e homens mortos nas ruas”, contou à AFP uma testemunha, Abu Mustafá. As vítimas “têm as pupilas dilatadas, convulsões, espuma saindo da boca”, afirmou Hazem Shahwane, um socorrista entrevistado em um dos hospitais da cidade. Uma correspondente da AFP viu em um hospital de Khan Sheikhun pacientes com espuma saindo da boca.

Dezenas de vídeos e fotos compartilhados nas redes sociais mostrando cenas chocantes de adultos e crianças sufocando e tendo convulsões. Durante a tentativa de resgate, muitas pessoas foram pulverizadas com água enquanto os médicos tentavam reanimá-las.

Após a divulgação das imagens das vítimas, a Turquia descreveu o ataque como “desumano”, enquanto a União Europeia (UE) afirmou que o regime de Bashar Al-Assad tem a “principal responsabilidade” sobre o ocorrido.

O regime não se manifestou oficialmente, mas à AFP um alto funcionário da administração Assad que pediu anonimato denunciou a propagação de “calúnias”. “Os homens armados (os insurgentes) tentam conquistar uma (vitória) midiática depois de não terem conquistado (uma vitória) em terra”, disse.

ataque em Khan Sheikhun lembra o realizado Ghouta, subúrbio de Damasco, capital da Síria, em 21 de agosto de 2013. Naquele dia, mísseis terra-terra com gás sarin foram lançados contra a localidade, área então dominada por rebeldes, matando 1,3 mil pessoas. 

Um relatório da ONU concluiu que os responsáveis pelo ataque necessariamente deveriam ter acesso ao estoque de armas químicas do governo sírio, que sempre negou estar por trás da ação, atribuindo o uso de agentes tóxicos a opositores.

Após o ataque de 2013, um acordo entre a Rússia e os Estados Unidos sobre o desmantelamento do arsenal químico sírio descartou a ameaça de ataques aéreos dos EUA contra o regime. O acerto entre Moscou e Washington foi percebido como um recuo do então presidente Barack Obama e desmoralizou tanto a influência norte-americana quanto os rebeldes que contavam com seu apoio. 

O uso de armas químicas pelo regime prosseguiu, entretanto. Uma investigação dirigida pela ONU acusou o regime de ter realizado ao menos três ataques com cloro em 2014 e 2015. 

A partir dali, a Rússia ampliou sua influência nos destinos da Síria, que foi ao ápice na metade de 2015, quando o regime Assad chegou à beira de um colapso e passou a ser firmemente apoiado por tropas russas. Em parceria com o libanês Hezbollah e outras milícias xiitas lideradas pelo Irã, o regime se fortaleceu, retomou grandes partes do território perdido, inclusive Alepo, a maior cidade do país, e hoje tem uma enorme vantagem sobre os rebeldes.

Como Ghouta em 2013, a Khan Sheikhun de 2017 é controlada por rebeldes, a maioria de tendência extremista. Esses grupos sofrem com divisões internas, de cunho ideológico, mas também prático, e só controlam integralmente a província de Idlib. Essas facções são rivais do Estado Islâmico, mas devem ser o alvo preferencial do regime. Em Raqqa, também no norte da Síria, o ISIS, como também é conhecido o grupo, é combatido por milícias curdas apoiadas pelos Estados Unidos e por rebeldes sírios atrelados à Turquia.

No ataque contra Khan Sheikhun houve uma outra característica que lembra a ofensiva de Assad. Um dos hospitais que prestava socorro aos feridos foi bombardeado posteriormente, provocando grandes danos no centro de saúde e a fuga dos médicos entre os escombros. Como foi largamente denunciado pela oposição, as forças de Assad adotaram como prática atacar hospitais logo após ataques contra áreas civis.

EUA a favor de Assad?

O suposto ataque químico ocorre dias depois de as duas principais autoridades da diplomacia norte-americana deixarem claro que Assad não é mais uma prioridade, ou mesmo um alvo. “Escolhemos nossas batalhas”, afirmou a embaixadora americana para a ONU, Nikki Haley. “E quando vemos isto [a situação na Síria] deve-se mudar as prioridades e nossa prioridade já não é tirar Assad”.

Haley disse que Washington se concentrará em trabalhar com potências como a Turquia e a Rússia para buscar uma solução política. “Nossa prioridade é realmente ver como fazer bem as coisas [e] com quem temos que trabalhar para realmente ajudar o povo da Síria”, explicou.

Pouco antes destas declarações de Haley a um pequeno grupo de jornalistas, o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, enviou uma mensagem similar de Ancara. “A longo prazo, o destino do presidente Assad será decidido pelo povo sírio”, declarou Tillerson.

A pressão de integrantes do Partido Republicano pode, entretanto, colocar a administração de Donald Trump contra a parede. “Bashar al-Assad e seus amigos, ou seja, os russos, dão atenção ao que os americanos dizem”, afirmou o senador John McCain. “Estou certo de que se sentem estimulados pela saída dos Estados Unidos e pela abertura aos russos. É um novo capítulo vergonhoso da história americana”.

Nesta terça-feira, o porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, declarou que Trump foi informado extensivamente sobre o ataque e opinou que é do “melhor interesse” dos sírios que Assad não lidere o país. “O ataque químico de hoje na Síria contra pessoas inocentes, incluindo mulheres e crianças, é repreensível”, disse Spicer, ressaltando que o governo está “confiante” em sua avaliação de que Assad é o culpado.

*Com informações da AFP

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