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Ataque a escola expõe falhas na estratégia antiterrorismo do Paquistão

Dezenas de crianças morrem em atentado a escola militar em Peshawar. Para analistas, ataque mostra que ações de combate ao terrorismo fracassaram no país

Mais de 140 pessoas, entre elas ao menos 132 crianças e adolescentes, morreram no ataque militar em Peshawar
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Há meses que oficiais militares paquistaneses, incluindo o chefe das Forças Armadas, Raheel Rharif, repetem que a operação contra bases dos talibãs na região noroeste do país – conhecida como Operação Zarb-e-Azb – é bem-sucedida.

Mas o ataque a uma escola militar em Peshawar, capital da província de Khyber Pakhtunkhwa, nesta terça-feira 16, conta uma história completamente diferente. Mais de 140 pessoas, entre elas ao menos 132 crianças e adolescentes, morreram no ataque. Seis agressores também foram mortos.

O Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP), movimento dos talibãs paquistaneses, reivindicou a autoria do ataque ainda durante a operação militar para libertar os reféns. “Este ataque é uma resposta à contínua ofensiva militar de Zarb-e-Azb, à morte de combatentes talibãs e à perseguição de suas famílias”, afirmou Muhammad Khorasani, porta-voz do TTP, à agência de notícias AFP.

Homens armados invadiram a escola militar cedo pela manhã e começaram a atirar aleatoriamente, de acordo com o agente de polícia Javed Khan. Comandos militares chegaram rapidamente ao local e trocaram tiros com os atiradores, relatou Khan.

Segundo o porta-voz dos talibãs, entre os agressores havia atiradores de elite e homens-bomba. “Eles receberam instruções para atirar contra os estudantes mais velhos, mas não em crianças”, disse o porta-voz do TTP.

O correspondente da DW em Islamabad, Shakoor Rahim, relatou que os atiradores mantiveram crianças e funcionários da escola reféns por várias horas. “As forças de segurança e os extremistas trocaram tiros até que os militares finalmente conseguiram encerrar o sequestro.”

Omar Hamid, analista especializado em Ásia Pacífico da empresa de consultoria IHS, em Londres, disse à DW que a escola representava um alvo fácil e de forte impacto nas Forças Armadas do Paquistão. “Como disse o porta-voz do TTP, eles queriam que os militares sentissem a dor que eles sentem”, ressaltou.

Maqsood Ahmad Jan, analista baseado em Charsadda, perto de Peshawar, avalia que, apesar da operação militar em curso no Waziristão do Norte – perto da fronteira com o Afeganistão – o talibã ainda tem condições de empreender grandes ataques. “Não acredito que uma ofensiva militar possa eliminar completamente os islamistas. Eles trocam toda hora de lugar”, disse Jan à DW.

Depois que as Forças Armadas paquistanesas iniciaram sua ofensiva contra os extremistas na conturbada região do Waziristão, em junho, os ataques na região diminuíram. Desde então, o governo sustentava que a Operação Zarb-e-Azb tinha paralisado o talibã paquistanês e os numerosos grupos ligados à Al Qaeda.

As autoridades também afirmavam que a capacidade dessas organizações – que perderam 1.100 militantes nos últimos seis meses – de realizar ataques estava significativamente reduzida.

“O TTP foi enfraquecido, mas mantém a habilidade de executar ataques como este. Seria provavelmente mais difícil para eles executar ataques em locais distantes de suas áreas de operação, como a província de Punjab, no leste. Mas Peshawar é de fácil acesso a partir das áreas tribais e seria um alvo óbvio, uma vez que a formação militar que comanda a operação está baseada lá”, ressaltou Hamid.

O jornalista Irfan Haider, do diário Dawn, afirma que a ofensiva militar no Waziristão do Norte não é tão bem sucedida como se propaga. O motivo seria a falta de coordenação entre as agências de inteligência civil e militar. “As organizações extremistas estão operando com diferentes nomes, tornando mais difícil para os governos federal e local lidarem com elas”, disse Haider à DW.

Já o analista paquistanês Abdul Agha avalia que as próprias Forças Armadas de seu país são responsáveis pelo fortalecimento contínuo da TTP. “Elas estão apoiando e estimulando um grande número de grupos militantes. O resultado é que eles continuam muito ativos.”

Ao comentar sobre a operação armada, Agha diz que o governo só está perseguindo os grupos extremistas que se viraram contra o Estado ou que discordam dos planos de longo prazo para o Afeganistão. “O Paquistão quer eliminar alguns, mas preservar outros para o futuro.”

Jan critica o governo da província de Khyber Pakhtunkhwa, liderado pelo conservador Pakistan Tehreek-e-Insaf (PTI), partido do ex-jogador de críquete Imran Khan, por sua posição pró-islamista. “Khan tem uma certa fraqueza pelo talibã. O governo do partido dele na província fracassou em proteger as pessoas comuns dos extremistas. O ataque à escola é a prova disso”, comentou.

Desde agosto, o PTI tem promovido protestos em todo o país para derrubar o governo do primeiro-ministro Nawaz-Sharif, que Khan e integrantes do partido dizem ter chegado ao poder em maio de 2013 por meio de eleições parlamentares fraudulentas. Especialistas acreditam que, como o premiê está concentrado na guerra política interna em Islamabad, não está em condições de se ocupar do combate ao terrorismo.

“Não é segredo que o PTI simpatiza com a insurgência talibã, uma vez que o partido frequentemente tem denunciado a ação militar contra os extremistas, sob o pretexto de uma postura oposta à interferência americana”, sublinhou o comentarista político Khayyam Mushir, baseado em Islamabad, em entrevista à DW. Segundo ele, os protestos contra o governo impedem Sharif de tomar uma posição clara em relação ao terrorismo.

“Os militares já realizaram diversas ofensivas contra o talibã, mas sabemos que os militantes ainda estão em operação no país”, afirmou Agha, destacando uma opinião compartilhada por vários analistas: a de que nunca houve uma estratégia clara para eliminar as organizações terroristas do país porque o establishment paquistanês ainda considera que os extremistas islâmicos são um importante aliado.

Para alguns observadores, o governo paquistanês vai precisar deles no Afeganistão, principalmente depois da retirada completa das tropas da Otan do país, nos próximos dias. Para outros, o militares paquistaneses pretendem reconquistar a influência que tinham em Cabul antes de as forças americanas e aliadas derrubarem o governo talibã do Afeganistão – que era pró-Paquistão – em 2001.

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