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As opções de Macron após a queda de mais um premiê
François Bayrou foi o quarto premiê desde o início do segundo mandato de Macron, em maio de 2022. Presidente, altamente impopular, descarta renúncia e diz que vai achar logo um novo chefe de governo


Logo após o primeiro-ministro François Bayrou ter perdido por ampla margem a moção de confiança que havia apresentado à Assembleia Nacional, o Palácio do Eliseu anunciou nesta segunda-feira (08/09) que o presidente da França, Emmanuel Macron, nomeará um novo premiê nos próximos dias.
Nesta terça-feira, o chefe de Estado receberá Bayrou para aceitar a demissão de seu governo, que não conseguiu obter um voto de confiança após apresentar uma proposta de orçamento austero, acrescentou o comunicado do Palácio do Eliseu. A queda de Bayrou aprofunda ainda mais a crise política na segunda maior economia da União Europeia (UE).
Bayrou foi o quarto premiê desde o início do segundo mandato de Macron, em maio de 2022, e o segundo desde que o presidente dissolveu a Assembleia Nacional e convocou nova eleição, em junho de 2024, uma decisão polêmica que levou a uma diminuição da bancada presidencial e a um avanço das bancadas de ultradireita e de esquerda.
Se for levado em conta o prazo que ele mesmo divulgou, Macron terá agora pouco dias para resolver o quebra-cabeça para o qual não encontra uma solução há mais de um ano: achar um primeiro-ministro capaz de sobreviver num cenário parlamentar dividido em três blocos (esquerda, centro-direita e ultradireita), sem que nenhum deles tenha maioria.
No seu segundo mandato de cinco anos, Macron já teve como primeiros-ministros Elisabeth Borne (até janeiro de 2024), Gabriel Attal (até setembro de 2024), Michel Barnier (até dezembro de 2024) e François Bayrou, que permaneceu nove meses no cargo.
Bayrou defende, em vão, seu governo perante a Assembleia Nacional. Foto: Bertrand Guay/AFP
Uma pessoa próxima a Macron declarou à agência de notícias francesa AFP que o presidente poderá nomear um primeiro-ministro até este fim da semana, para que a França já tenha um novo governo quando ele for para Nova York participar da Assembleia-Geral das Nações Unidas, nos dias 22 e 23 de setembro.
Quebra-cabeça complicado
Macron poderia tentar ampliar seu bloco central e buscar um nome de direita ou de centro que fosse aceito pelo Partido Socialista, segundo fontes ligadas ao presidente. Uma dessas fontes disse à AFP que a inclinação pessoal do presidente é nomear um ministro com longa experiência e em quem confie, como o da Justiça, Gerald Darmanin, ou o da Defesa, Sébastien Lecornu.
Mas tanto Darmanin quanto Lecornu podem ser vistos como de direita demais para serem aceitos pelo bloco de esquerda, o que torna viável o nome da ministra da Saúde, Catherine Vautrin, que já foi mencionada como opção no passado.
O jornal conservador Le Figaro menciona o nome de Xavier Bertrand, o presidente do partido Les Republicans na região Hauts-de-France. Apesar de agradar à direita, ele tem relações tensas com a ultradireita, o que poderia criar problemas para Macron no parlamento.
Uma outra saída para o impasse seria um pacto com o Partido Socialista (PS), que já afirmou várias vezes que a esquerda, que venceu as últimas eleições legislativas, deveria liderar o próximo governo. “Acho que é hora de a esquerda governar este país novamente e garantir que possamos romper com as políticas dos últimos oito anos”, disse o líder do PS, Olivier Faure, à emissora de televisão TF1.
Faure defendeu a cohabitation (quando o presidente tenta trabalhar com um premiê de oposição) e já se disse pronto a aceitar o cargo.
Mas os socialistas defendem políticas para tributar os ricos e reverter um impopular aumento da idade de aposentadoria. Isso vai contra os preceitos de Macron e contra reformas anteriores destinadas a atrair investidores estrangeiros.
“Não acredito no cenário de um governo de esquerda”, disse à agência de notícias Reuters o presidente da Comissão de Finanças da Assembleia, Eric Coquerel, do partido A França Insubmissa (LFI). “Mudar sua política econômica, mesmo que ligeiramente, está fora de questão para Macron.”
O líder do partido conservador Les Republicans e ministro do Interior, Bruno Retailleau, declarou no domingo passado que “de forma alguma” os conservadores aceitarão um primeiro-ministro socialista.
Outra saída para o quebra-cabeça pode ser uma pessoa alinhada à esquerda, mas que não faça parte do Partido Socialista e que seja aceitável para o bloco centrista de Macron.
Entre os possíveis nomes estão Bernard Cazeneuve, ex-primeiro-ministro e ex-membro do Partido Socialista, e o ministro da Economia, Eric Lombard, ex-chefe do setor bancário e ex-membro do Partido Socialista.
Renúncia de Macron?
O presidente já disse que não vai renunciar e que pretende cumprir seu segundo mandato. Os franceses, porém, são de outra opinião. Segundo uma pesquisa do instituto Odoxa-Backbone para Le Figaro, 64% preferem que Macron renuncie.
O líder do partido de extrema esquerda A França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, reiterou na noite de segunda-feira seu apelo pela saída de Macron. “Bayrou caiu. Vitória e alívio popular. Macron está agora na linha de frente, enfrentando o povo. Ele também deve sair”, escreveu o ex-candidato presidencial na rede social X.
O partido dele deverá apresentar à Assembleia Nacional nesta terça-feira uma moção de destituição do presidente.
Nova dissolução da Assembleia Nacional?
Macron também descartou a possibilidade de uma nova dissolução da Assembleia Nacional, uma medida exigida pela ultradireita. Realizar novas eleições legislativas “não é uma opção, mas uma obrigação”, afirmou a líder do partido Reunião Nacional, Marine Le Pen, na segunda-feira, após a votação da moção de confiança.
Em caso de eleições antecipadas, a Reunião Nacional e seus aliados devem liderar o primeiro turno com 33% dos votos, à frente da esquerda e do campo presidencial, e o campo de Macron perderia ainda mais espaço.
Le Pen, que está proibida de concorrer, defende a dissolução da Assembleia Nacional. Foto: Bertrand Guay/AFP/Getty Images
Le Pen, que está proibida de concorrer a cargos públicos e perderia seu mandato em um novo parlamento, disse estar pronta para “se sacrificar” e instou Macron a levar adiante uma “dissolução ultrarrápida”.
A perspectiva de dividir o poder com seus arquirrivais eurocéticos e nacionalistas seria um golpe humilhante para Macron, um defensor da unidade europeia que prometeu combater as forças reacionárias.
Fontes próximas ao presidente dizem que ele está relutante em convocar outra eleição antecipada. “Mas não se pode descartar nada com ele, ele é realmente imprevisível”, disse um parlamentar de seu partido à Reuters.
Sexta República?
A França raramente passou por uma crise política tão profunda desde a criação, em 1958, da Quinta República, o atual sistema de governo.
A Constituição de 1958 foi elaborada para garantir uma governança estável por meio de um presidente de amplos poderes e apoiado por uma forte maioria no parlamento, o que evitaria a instabilidade vivenciada nos períodos imediatamente anterior e posterior à Segunda Guerra Mundial.
Em vez disso, Macron se vê às voltas com um parlamento fragmentado, onde o seu partido de centro não tem maioria e é desafiado pela ultradireita e pela extrema esquerda. A França não está acostumada a construir coalizões e a encontrar consensos suprapartidários.
Alguns políticos pedem uma reforma constitucional e a criação da Sexta República. Mas não está claro como a reversão para um sistema mais parlamentar – testado nas cronicamente instáveis Terceira e Quarta Repúblicas – melhoraria a governabilidade do país.
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