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As lições da vitória de Yamandú Orsi no Uruguai (e os desafios que esperam o novo governo)
O novo presidente precisará equilibrar a reversão de medidas que ampliaram desigualdades com a necessidade de atrair investimentos


Neste domingo, 24, ao sair de casa no centro de Montevidéu em direção à rambla da Ciudad Vieja, onde ocorreriam as comemorações pelo resultado das eleições uruguaias, fui tomado por um misto de emoção e esperança. As ruas pulsavam com a alegria de milhares de pessoas celebrando, de maneira profunda, o retorno da esquerda ao poder em um subcontinente ameaçado pelo avanço da extrema-direita e do autoritarismo.
No local onde os eleitos, Yamandú Orsi e Carolina Cosse, discursaram, a multidão impressionava. As vias estavam completamente tomadas, como se toda a capital, com seus modestos 1,3 milhões de habitantes, tivesse comparecido para saudar o momento histórico.
O triunfo de Orsi no segundo turno simbolizou o desfecho de uma disputa acirrada entre projetos de nação opostos. De um lado, o candidato da Frente Ampla representava a retomada das pautas progressistas que marcaram os governos de 2005 a 2020. Do outro, Álvaro Delgado, ex-secretário de Lacalle Pou, prometia aprofundar reformas neoliberais e consolidar uma agenda econômica pró-mercado.
A vitória foi resultado de uma campanha articulada e estratégica, que mobilizou jovens, trabalhadores, sindicatos e organizações sociais. Após a derrota em 2019, a Frente Ampla passou por um intenso processo de autocrítica e reorganização, recuperando sua capacidade de inspirar esperança e unir diferentes setores. A base militante foi decisiva, levando propostas de porta em porta e transformando atos públicos em eventos culturais, mesclando arte e política.
No segundo turno, uma das disputas mais equilibradas da história recente do país, Orsi superou Delgado por 3,9 pontos percentuais, com 49,8% contra 45,9%. A margem apertada reflete uma virada conquistada voto a voto, impensável meses atrás, quando as pesquisas mostravam um país dividido.
A vitória de Yamandú Orsi ocorre em um cenário desafiador, com questões econômicas e sociais pressionando o modelo uruguaio de estabilidade. Apesar de ser referência institucional na América Latina, o país enfrenta dilemas estruturais.
A dolarização parcial, estratégia para atrair investimentos e estabilizar o sistema financeiro, criou dependência externa e limita a capacidade do governo de implementar políticas redistributivas. Ao mesmo tempo, o setor produtivo luta para competir em um mercado globalizado. Embora eficiente, o agroexportador, pilar econômico, absorve pouca mão de obra, intensificando desigualdades.
O governo de Lacalle Pou agravou essas fragilidades ao implementar políticas neoliberais que precarizaram setores vulneráveis. A controversa Lei de Urgente Consideração (LUC), aprovada em 2020 e referendada em 2022, flexibilizou normas trabalhistas e reduziu direitos fundamentais, gerando forte mobilização social. A reversão dessa legislação será um dos maiores desafios de Orsi, dada a resistência da elite econômica e política.
Para governar, Orsi precisará equilibrar a reversão de medidas que ampliaram desigualdades com a necessidade de atrair investimentos. A diversificação econômica e o fortalecimento de pequenas e médias empresas serão estratégias cruciais, acompanhadas de políticas sociais que retomem o legado redistributivo da Frente Ampla.
Além disso, o cenário internacional, marcado pela desaceleração global e impasses como o acordo Mercosul-União Europeia, exigirá diplomacia econômica. A França, ao bloquear o avanço das negociações, aumenta a incerteza sobre um pacto visto por líderes regionais, como o presidente Lula, como um “capítulo encerrado”.
Se o passado recente do Uruguai ensina que o progresso é possível, o futuro dependerá da habilidade de Orsi e da Frente Ampla em transformar vitória em avanços concretos. O pequeno Uruguai, no coração da América Latina, tem o potencial de mostrar que grandes mudanças começam com passos firmes e a coragem de um povo unido.
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